Série: Três episódios de Vinyl

por Marcelo Costa

Vamos fazer um teste: o que ouvir a palavra “MÚSICA” lhe traz a cabeça na hora que você ouve? Bem, alguns podem se lembrar de um determinado artista; outros vão cantarolar na memória uma canção que lhe marcou; há ainda pessoas que vão pensar em situações, algumas familiares, em que a música tenha sido importante; para Martin Scorsese, Mick Jagger, Rich Cohen e Terence Winter, produtores da série “Vinyl”, MÚSICA parece sugerir indústria, drogas, dinheiro e sexo, não necessariamente nessa ordem.

“Vinyl” estreou dia 14 de fevereiro com um episódio de duas horas dirigido (exageradamente) por Scorsese que alcançou 760 mil espectadores, perdeu nada menos que 90 mil espectadores na semana seguinte (com um episódio muito melhor, “Yesterday Once More”, no dia 21/02, dirigido por Allen Coulter) e deve despencar nessa semana, já que o episódio 3, “Whispered Secrets” – com direção de Mark Romanek, responsável pelos clipes de “Hurt” (Johnny Cash), “Closer” (NIN), e Shake It Off” ( Taylor Swift) – foi ao ar no mesmo horário do Oscar 2016.

Se nos prendermos ao episódio piloto (com roteiro assinado pelos quatro produtores e liberado na integra no Youtube), “Vinyl” mereceria poucos elogios. Richard Hell, integrante da cena pré-punk nova-iorquina dos anos 70 (com o Television, The Heartbreakers e The Voidoids e) retratado na série pelo filho de Mick Jagger, desceu o cacete em coluna escrita para o site Stereogum, reclamando, entre outras coisas, que há pouca música original da época na série (“A maioria é recriação de estúdio” – no fim do post você pode ouvir Julian Casablancas e Aimee Mann em versões exclusivas para a série) e que a trama é Scorsese demais, quase como um “Goodfellas”, com a diferença que esse é sobre a máfia e “Vinyl” é sobre música, na teoria. “Achei chata. Inócua”, definiu Hell.

Richard Hell, o cara que inspirou Malcolm McLaren a criar os Sex Pistols, ainda questiona como o personagem principal, Richie Finestra (Bobby Cannavale), um executivo tentando ressuscitar sua gravadora, reage quando usa cocaína. “A cocaína não bate como se uma besta estivesse currando você. Ela é doce. Todo mundo sabe disso”, ele diz, mas não pode definir a maneira como a droga bate exatamente para todo o mundo – Scorsese, por exemplo, deve ter lembranças de sua fase junkie no mesmo período, e ainda que a cena soe sim exagerada, é uma leitura cinematográfica (Hell crava que um sorriso morno bastaria).

Porém, tendo a cocaína como mote de discussão desse primeiro episódio, Hell esqueceu de dizer que a droga acelera a pessoa, e tudo que não existe no episódio piloto de “Vinyl” é pressa. Pelo contrário, Scorsese não só estende várias cenas de forma pateticamente óbvia como utiliza câmera lenta em diversas passagens, como se Richie Finestra, entregue à droga após um longo período de abstinência, tivesse curtindo o momento lentamente. Fica fácil produzir um episódio de duas horas quando mais da metade dele é bobagem dispensável.

Ainda assim, há boas cenas e personagens. A recriação do escritório da American Century, a gravadora que Finestra quer salvar (e cuja sede está localizada no lendário Brill Building), é muito boa, e o cotidiano da empresa é esmiuçado de forma interessante nos dois episódios posteriores – a saber, o gancho inicial é a venda do selo para a poderosa empresa holandesa Polygram, e um possível contrato com o Led Zeppelin está em jogo. O Richie de Bobby Cannavale (um dos destaques de “Boardwalk Empire”) é ótimo, mas Robert Plant poderia processar a série por ter tido um sósia adolescente tão reducionista.

A grande birra de Hell com “Vinyl” é que, para ele, a série “não é sobre música, mas negócios, do jeito Scorsese de ver negócios”, e ele está parcialmente correto. A série é sobre negócios e o episódio piloto dirigido pelo próprio Scorsese é terrivelmente chato (alguém mande tesoura, faca e estilete pra sala de edição dele porque, vide “O Lobo de Wall Street”, tá ficando tenso), mas os dois episódios seguintes mostram que há certa tensão entre Finestra e o modelo tradicional do empresário da indústria, “que não quer saber de música, só de dinheiro”, alguém avisa logo no começo do terceiro episódio.

Desta forma, “Vinyl” merece uma segunda chance porque há uma grande série ali no meio, ela só precisa ser encontrada. Existem poucas obras focando empresários no imaginário da cultura pop, e ainda que a mais famosa delas seja bastante romantizada (e muito, muito boa), “The Commitments”, de Alan Parker (1991), esse ser com jeitão de bandido e mafioso, que assusta as pessoas apenas com o soar de seu nome (o encontro de Finestra com Peter Grant, o assustador empresário do Led Zeppelin, é hilário), precisa ser melhor “investigado”, e “Vinyl” parece surgir para cobrir essa lacuna.

Planejada inicialmente para 10 episódios (que irão ao ar todos os domingos até 17 de abril na HBO) e com segunda temporada já confirmada, “Vinyl”, assim como Richie Finestra e sua American Century Records, pode se reerguer e dar a volta por cima. Nestes três primeiros episódios cravou um misto de decepção e curiosidade, e não é a toa que os números musicais solo (tediosos) que visam homenagear artistas foram reduzidos, o que mostra que a série está tentando entrar nos trilhos e focar na história. Apesar de não ser sobre MÚSICA como você pensou, caro leitor, há coisas boas em “Vinyl”. Só é preciso ter paciência para encontra-las.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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4 thoughts on “Série: Três episódios de Vinyl

  1. Séries são chatas, simples. Podem começar interessantes, mas chafurdam invariavelmente. Detesto enrolação e essa já começou enrolada. Passei.

  2. Quase consegui terminar o primeiro episodio. Na hora que vi o Robert Plant dei muita risada e acabei desistindo. Os últimos Scorseses estão muito exagerados e aqui também. Mas de maneira geral a série é interessante pois o tema é interessante e diferente. Gosto de séries e sim elas dão umas atrapalhadas com altos e baixos. Mas a vida não é assim também ???

  3. Séries são chatas? enfim…opinião é opinião…mas gostaria de conhecer o mundo de moss. Agora, Mac, esqueceste de uma coisa…os episódios todos são feitos antecipadamente, então não tem como ter modificado a partir do resultado dos primeiros episódios…mas a série realmente ficou aquém da expectativa criada. Continuarei assistindo…mas não entrou na minha lista de preferidas.

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