Livros: Trash, João & Maria, Oeste

por Adriano Mello Costa

“Trash”, Andy Mulligan (Cosac Naify)
Em 2014, o diretor Stephen Daldry (“Billy Elliot”,“As Horas”) lançou sua versão cinematográfica para o romance juvenil “Trash”. Gravado no Brasil e com atores nacionais no elenco (Wagner Moura e Selton Mello), o longa é adaptado de uma obra do inglês Andy Mulligan, originalmente publicada em 2010. Em 2013, a Cosac Naify lançou o volume em edição nacional (que ganhou reimpressão em 2014) com tradução do escritor Antônio Xerxenesky e 224 páginas. “Trash” tem como protagonista o jovem Raphael Férnandez, que vive no lixão de Behala e de lá tira o sustento em situações nada magníficas. O autor, que também é professor, não ambienta a trama em um país específico, mas sabendo de suas andanças por Índia, Filipinas, Vietnã e Brasil, pode-se afirmar que há um pouco de cada um destes países nessa criação. Ao fazer seu trabalho revirando o lixo para separar e revender, o personagem principal se depara com uma bolsa contendo dinheiro e mais alguns importantes papéis. O que à primeira vista representa um grande prêmio, se revela como algo bem mais grave quando a polícia invade o local preocupada em encontrar essa bolsa. Quando esconde da polícia esse fato, Raphael se vê em uma grande aventura junto com os amigos de lixão Gardo e Rato. Dentro desse contexto, Andy Mulligan escreve sobre pobreza, abuso de poder, política e desigualdade social, usando como recurso narrativo a voz não somente de Raphael, mas de vários envolvidos que vão assumindo os capítulos e que ajudam a dar uma boa visão ao leitor, ainda mais com a utilização de fontes distintas para cada pessoa. “Trash”, no entanto, é apenas uma aventura razoável, que não consegue ir além do raso raciocínio e expõe o olhar estrangeiro caricato sobre as mazelas dos países do terceiro mundo. Sim, é repleto de boas intenções, e não vai além disso.

Nota: 6

“Oeste – A Guerra do Jogo do Bicho”, Alexandre Fraga (Editora Record)
Criado no final do século 19 no Rio de Janeiro, o Jogo do Bicho existe por todo o país, e ainda hoje exibe força e faturamento elevado. Proibido por lei, o Jogo do Bicho é suportado por governos que, não obstante, retiram dele algum tipo de propina para consentimento, o mesmo valendo para os órgãos de segurança. Segundo maior arrecadador de apostas do país ficando atrás apenas da Mega-Sena, o Jogo do Bicho prospera com milhares de cambistas operando sem pagar impostos e fabricando impérios. O escritor Alexandre Fraga aborda esse mundo em “Oeste – A Guerra do Jogo do Bicho”, lançado ano passado pela Editora Record com 308 páginas. O autor tem dois outros romances no currículo, “Quando os Demônios Vão ao Confessionário” (2002) e “Canibal de Copacabana” (2008), e é policial federal e bacharel em Direito. Inspirado em fatos reais, principalmente na guerra do Jogo do Bicho iniciada no Rio de Janeiro nos anos 90 com a morte de Castor de Andrade, Alexandre Fraga amplia as linhas temporais e imaginárias criando um bom thriller policial com drama, muita violência e algum humor. A trama inicia quando Nabor, o chefe maior dos bicheiros do estado, sai da cadeia e começa a retomar o poder. Quando de súbito falece, a briga pela sucessão ganha tons de sangue. Na ampliação dos negócios para além do jogo escrito em papel (que agora é feito também em máquinas eletrônicas), com a inclusão dos rentáveis caça-níqueis que vendem ainda mais a ilusão do dinheiro fácil e rápido, se apresenta uma guerra sem fim pelo poder e por territórios. Muitos dos fatos explorados em “Oeste” realmente aconteceram e os pseudônimos utilizados no livro são facilmente identificáveis. Com os direitos vendidos para o cinema e comparações com “O Poderoso Chefão” de Mario Puzo (menos, menos), a obra flui muito bem, com ritmo acelerado e excelentes personagens – como o advogado gago Estélio e o assassino de aluguel Já Morreu. Alexandre Fraga sabe do que está falando e vai bem ao ilustrar um negócio que atua aos olhos do povo, mesmo sendo contra a lei e não gerando frutos diretos ao estado, sendo baseado em propinas e agrados. No entanto, bem que a revisão do livro podia ser mais cuidadosa. Ajudaria mais.

Nota: 7,5

“João & Maria”, Neil Gaiman e Lorenzo Mattotti (Intrinseca)
“Hansen & Gretel”, no original, é um dos contos mais simbólicos dentro da extensa lista dos irmãos Grimm. Foi publicado pela primeira vez em 1812 no livro “Histórias das Crianças e do Lar”, mas, de acordo com alguns estudos, remonta a idade medieval, lá pelo século XIV, quando a grande fome se espalhava pela Europa devido a guerras e doenças. De lá para cá o conto teve além de vida duradoura, inúmeras revisitações escritas, além de desenhos, histórias em quadrinhos e até ópera. Cada revisitação muda um pouco a fábula e não seria diferente com o escritor inglês Neil Gaiman, que assina essa versão em conjunto com o artista gráfico italiano Lorenzo Mattotti. Lançada lá fora em 2014 e reeditada em 2015 no Brasil via editora Intrínseca com 56 páginas e tradução de Augusto Calil, “João & Maria” é uma edição muito bonita que parte de um conto infantil para falar sobre medo, fome, abandono, canibalismo, desespero e superação. Inspirado na arte sombria e densa de Lorenzo Mattotti, o texto também caminha por esse lado e, com algumas mexidas aqui e ali na história, conta para um novo público a história dos irmãos que foram abandonados pelos pais no meio de uma floresta escura, porque os mesmos não tinham mais como alimentá-los (e nem estavam dispostos a brigar por isso) e que quando se perdem caem na mão de uma estranha velha que tem planos nada bons para os dois. Com texto sucinto, porém mélico e ainda conseguindo inserir ironia no meio da tragédia e da aventura, Neil Gaiman dá mais alguns anos de sobrevida a fábula nessa recriação de “João e Maria”.

Nota: 7

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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