Balanço: Porão do Rock 2015, Brasília

por Marcelo Costa

No ano que a crise ameaçou ferozmente o bolso dos brasileiros, o festival Porão do Rock não baixou o volume das guitarras, mas precisou se adequar ao momento delicado pelo qual o país do FlaxFlu político passa. Para tanto, escalou nomes que visavam homenagear a história do rock de Brasília, e ainda que a ideia seja bacana no papel, na prática se mostrou repetitiva, já que muitas das (principais) atrações já haviam tocado no festival (ou mesmo na cidade) recentemente. Ainda assim, 20 mil pessoas encararam a maratona de 12 horas de shows.

No time do “olha eu aqui outra vez”, o Raimundos, escalado para fechar a edição de 2014 do festival, voltou à função neste ano, e se no ano passado o show festa durou mais de duas horas com várias participações especiais em 28 músicas, nesse o quarteto fez um show mais compacto, com 17 músicas. Nem fiquei para ver (mas o amigo Bragatto ficou e conta aqui). Outro nome que retornava ao evento, Os Paralamas do Sucesso, que tocou na edição de 2013, fez seu tradicional bom show, com clássicos (“Alagados”, “Lanterna dos Afogados”, “Meu Erro”) além de uma versão de “Que País É Esse”, da Legião Urbana.

O clássico de Renato Russo também marcou presença no show do Capital Inicial, outra atração da edição 2013 do Porão. Dinho se segurou nos “Du Caralho” (no Rock in Rio ele gritou 34 vezes a frase em menos de uma hora), atacou políticos nominalmente (“os canalhas Fernando Collor, Renan Calheiros e Eduardo Cunha”, este último comparado a Darth Vader) e situou o clássico “Música Urbana” (“A plataforma é aquela ali, na rodoviária. A Torre de Tv vocês estão vendo?”) num show que equilibrou clássicos do século passado com sucessos recentes.

Sem dúvida, impressiona a situação do Capital Inicial no pop rock brasileiro. Banda do segundo escalão do rock nacional no século passado, hoje o Capital Inicial é uma fábrica de hits, grande parte deles revelando boas sacadas de Alvin L. (ex-Sex Beatles) em letras que flutuam sobre uma sonolenta base acústica (Dinho, inclusive, assume o violão em algumas). Além de Legião (que também esteve presente numa versão de “Geração Coca-Cola”), covers de Soda Stereo (a versão de “A Sua Maneira” – que o Paralamas coverizou muito antes) e uma absolutamente dispensável “Should I Stay Or Should I Go”, do Clash.

Se o Capital Inicial foi o grupo que mais atraiu fãs da velha geração do rock de Brasília (ainda que o show, em segunda marcha, empolgue só os fãs – que não se incomodam com a levada de Fê Lemos, o pior baterista da história do rock brasileiro), a molecada do Scalene colheu os frutos da exposição televisiva com uma multidão de fãs cantando as músicas da banda juntos. Como arma para lutar contra a corrupção que assola Brasília, o vocalista Gustavo Bertoni sugeriu ao público cantar. Adaptando Emicida, “gente emo faz música, gente séria, explosivo”.

Mais diretos no ataque político, a Dependência Pulmonar, HC eficiente de Taguatinga, abriu os trabalhos no palco principal convocando: “Vamos botar fogo dentro do senado / Vamos sequestrar é matar um deputado / Não existe ordem, não existe progresso / Vou botar uma bomba na porra do Congresso”. Entre os novíssimos da cena do Distrito Federal, vale muito acompanhar os próximos passos do Nenhuma Ilha, de Planaltina, e do power trio Almirante Shiva, que poderia ser um grande parceiro (psicodélico) de turnê dos Boogarins.

Os shows mais festejados pelo público ficaram devendo em qualidade, pique e repertório para Autoramas, que melhoram o entrosamento dessa nova formação a cada show, e devem estar a 300 quilômetros por hora quando o disco novo sair. Enquanto Gabriel Thomaz (guitarras e voz) e Erika Martins (voz, guitarra, teclado) tomam à frente e agitam o público, a excelente cozinha formada por Fred Raimundo e o baixista Melvin Ribeiro dá mais peso ao som. Além de clássicos da banda, duas inéditas no set: “Quando a Polícia Chegar” e “O Q Q Vc Quer?”

A Plebe Rude é outra banda que fez uma apresentação impecável no Porão do Rock 2015. Dois meses atrás, em São Paulo, o quarteto fez um show emotivo, com repertório caprichado, mas jeitão de ensaio. O set foi bem mais curto em Brasília, mas muito mais conciso. Sem contar que Phillipe Seabra, certeiro, mandou a melhor “pensata” política do festival. “Tocamos ‘Proteção’ há tanto tempo e ela sempre parece atual, até parece que nada muda, mas agora tem um senador, um empresário e um banqueiro na cadeia. Ainda há esperança”.

Ícones do underground brasiliense e amados por integrantes de diversas bandas, o Galinha Preta fez um show alto, divertido, provocante e hors-concours. Não tem pra ninguém. Ainda que o vocalista Frango Kaos tenha demorado muito na “troca de figurino” no meio do show, o público não deixou o clima esfriar cantando a plenos pulmões e pogando enlouquecidamente clássicos punks como “Mídias Sociais” (“O mundo acabou e ninguém tuitou”), “Ninguém Nesse Mundo é Porra Nenhuma” e, claro, os hinos “Padre Baloeiro” e “Roubaram Meu Rim”.

No computo geral, o Porão do Rock foi celebratório, e não deixa de ser emocionante para um estrangeiro (como eu), que ouvia discos de bandas brasilienses nos anos 80 enfurnado em um quartinho do Vale do Paraíba paulista, ouvir “Até Quando Esperar?” e “Veraneio Vascaína”, por exemplo, na cidade que influenciou decididamente essas canções, mas, como impacto para o público local, o Porão do Rock 2015 foi mais do mesmo, uma opção que se justifica frente ao momento econômico do país, mas que não pode arrefecer no quesito criatividade.

Repetindo atrações, o Porão do Rock corre o risco de soar tão dinossáurico quanto o Rock in Rio, um festival de música que nada faz pelo futuro da música. Como instigar a criatividade da cena local se as bandas são sempre as mesmas, se os sons são sempre os mesmos? Para evoluir, o Porão do Rock poderia seguir o exemplo do paraense Se Rasgum, que aposentou o “no Rock” do nome, e ampliou o alcance do festival sem renegar o rock na programação. Afinal, em conteúdo, Emicida (olha ele ai de novo) é hoje muito mais rock do que Scalene.

Com produção técnica cuidadosa e diversas ações inteligentes (descontos para quem foi ao festival de bike e para quem doou alimentos, área para andar skate, copos e camisetas com a nome do festival) que valorizam uma marca muito bem trabalhada no quesito marketing, o Porão é um festival absolutamente necessário no calendário nacional, e, agora que completou 18 anos, seria interessante integrar tribos. Há muita gente boa tocando por ai que pode ampliar o alcance da música e transformar o Porão em maior do que ele é.

Para quem acompanha o “novo” rock brasileiro soa esquisito a ausência (não só neste ano!) de Molho Negro (PA), Camarones (RN), Herod (SP), Aldo The Band (SP), Monster Coyote (RN), Thiago Pethit (SP, que fez um show arrasador no Festival DoSol, em novembro), Banana Scrait (CE), Cidadão Instigado (CE, que arrasou no Festival Radioca e no Popload Festival), Boogarins (GO), Ian Ramil (RS), Ventre (RJ), Supercordas (RJ), Dingo Bells (RS), citando só alguns. Até Elza Soares, com um dos melhores discos de 2015, faria um show “Pra Fuder” no festival.

Prostrado numa zona de conforto, o Porão 2015 teve uma boa safra de bandas retirada das seletivas nas cidades satélite (um projeto bem bacana, diga-se de passagem), mas insiste nos mesmos nomes de sempre como um programador de rádio que “precisa” fazer uma música ruim grudar na memória do ouvinte (tanto Scalene quanto Dona Cislene tocaram em 2014 e 2015 no Porão!). Espera-se muito mais de um festival com a história, trajetória e importância do Porão do Rock. Que venha a 19ª, 20ª, 25ª, 30ª edição. Ouvido atento e vida longa ao Porão.

Top 5 – Marcelo Costa, Scream & Yell
1 – Galinha Preta
2 – Plebe Rude
3 – Autoramas
4 – Almirante Shiva
5 – Dependência Pulmonar

Top 5 – Marcos Bragatto, Rock em Geral (leia a cobertura)
1 – Plebe Rude
2 – Os Paralamas do Sucesso
3 – Raimundos
4 – Alf + Convidados
5 – Almirante Shiva

Top 5 – Rakky Curvelo, Tenho Mais Discos Que Amigos (leia a cobertura)
1 – Autoramas
2 – Os Paralamas do Sucesso
3 – Plebe Rude
4 – Almirante Shiva
5 – Nenhuma Ilha

Top 5 – Thales de Menezes, Folha de São Paulo (leia a cobertura)
1 – Autoramas
2 – Plebe Rude
3 – Almirante Shiva
4 – Alf + Convidados
5 – Galinha Preta

MELHORES SHOWS DO PORÃO DO ROCK 2015
16 pontos – Plebe Rude (quatro votos)
13 pontos – Autoramas (três votos)
8 – Almirante Shiva (quatro votos)
8  pontos – Os Paralamas do Sucesso (dois votos)
6 – Galinha Preta (dois votos)
4 – Alf + Convidados (dois votos)
3 – Raimundos (um voto)
1 – Dependência Pulmonar (um voto)
1 – Nenhuma Ilha (um voto)

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Crédito das Fotos:
– Almirante Shiva, Raimundos por Ana Luiza Souza
– Autoramas, Capital, Paralamas, Plebe Rude, Scalene, Strucks por Alessandro Dantas
– Galinha Preta por Lyanna Soares
– Demais fotos não creditadas por Marcelo Costa / Scream & Yell

Leia também:
– O saldo final do Porão do Rock 2014 foi bastante positivo, mas… (aqui)

MAIS SOBRE MÚSICA, ENTREVISTAS E REVIEWS NO SCREAM & YELL

9 thoughts on “Balanço: Porão do Rock 2015, Brasília

  1. Isso tudo, fora a disposição dos palcos. Um do lado do outro, colado não presta, imagina dois shows ao mesmo tempo assim? De resto,assino em baixo,tem que mudar algo.

  2. Realmente o Porão do Rock precisa dar uma mudada. Porém, o início do Porão (que eu saiba) foi organizado por músicos roqueiros que frequentavam o subsolo de estúdios da 207 Norte. É um festival que tem sua base no rock… Brasília já oferece shows de outros gêneros ao longo do ano, trazer Emicida ou até Elza Soares (!) só vai descaracterizar o festival, vai virar mais do mesmo. Rolla Pedra sumiu tem tempo, se não for o Porão quem mais vai segurar essa barra?

  3. Em relação aos palcos lado a lado, é um ótimo formato. Os shows neles não acontecem simultaneamente, agilizando e muito o intervalo entre uma banda e outra, enquanto a pauleira come solta no terceiro palco (esse ano intitulado de Palco Pesado), mais atrás.

  4. Bem, Alípio, eu prefereria ver um show da “Elza Soares (!)” (pelo jeito você nem ouviu o disco) que ver mais uma vez Raimundos (eles tocaram em quatro das últimas cinco edições), Capital Inicial, Paralamas, Scalene, Dona Cislene (tudo banda que tá batendo cartão todo no evento). E lógico que eu fui até o ponto mais radical ao citar Elza visando provocar quem não tem a minima ideia do que ela tá fazendo, e você pegou justamente ela ao invés de todos os outros nomes que eu citei no mesmo parágrafo, e que são rock, e que podem (e devem) segurar essa barra. O Festival DoSol, por exemplo, é pesadissimo, mas tem lá Céu, Tulipa, Rapadura Xique-Chico. Então acredito muito que o festival sim poderia receber a Elza: “Ah, não ouvi o disco e não gosto”. Massa, vai pro palco Pesado na hora do show dela. A ideia de ter três palcos num festival é permitir ao público escolhas. No Primavera Sound você pode ver Napalm Death, The XX ou Girls.

  5. Oi Marcelo, apesar da minha crítica com tom ranzinza, concordo com o post e também com a necessidade de presença de bandas nacionais mais atuais. Acredito que o cachê do Capital Inicial já daria conta de trazer algumas dessa bandas que você citou. Realmente fui precipitado ao falar da Elza, estou dando uma ouvida no disco dela agora e realmente está me supreendendo. Às vezes esqueço que já assisti Hamilton de Holanda, Cidadão Instigado e Helmet no mesmo dia em uma edição passada do Porão. Nada como uma atualizada para fortalecer o festival e o próprio rock nacional. De qualquer forma, parabéns pela resenha e pelo blog.

  6. Poxa, Alípio, não sabia que tinha rolado Hamilton de Holanda no Porão! Demais isso! Eu nunca vi um show dele, e provavelmente seria um forte concorrente a ser um dos melhores shows nessa edição 🙂 Que massa que tu viu. E a pegada é essa mesma: Cidadão, Hamilton e Helmet! Tudo música boa, sem rótulo, pra ampliar os limites. Essa disco da Elza tá surpreendente, umas guitarras ásperas, umas letras fortes! Brigadão pelos comentários. Ampliou minha visão sobre o festival!

  7. Ótimo formato para shows, Alipio? Então realiza: já pensou o Lollapalooza nesse “formato”? Olha que lixo ia ficar: ninguém sabia pra qual palco olhar, a partir da perspectiva de um cidadão que esteja entre esses palcos em frente. É muita zona, pra um lugar enorme que é o lado de fora do Mané Garrincha. E, sim, falta investir, mas mais que tudo, ter cabeça na hora de selecionar bandas. Tanta banda boa que gostaria de tocar num Abril Pro Rock, num Porão do Rock e os caras inventando desculpa pra colocar sempre um monte de bandeca da propria cidade. Eu já compartilhei uma ideia há muito tempo, que seria fazer eliminatórias com as bandas locais para colocar em palcos de bandas iniciantes, tipo o que tem até mesmo no Glastonbury. Depois reclamam do rock…..

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