Boteco: As cervejas da Birra Del Borgo

por Marcelo Costa

Segundo o site da Birra del Borgo, uma cervejaria de Borgorose, cidade a cerca de uma hora de Roma, La Cortigiana (A Cortesã) “usa armas sutis de sedução para conquistar o paladar”. No Ratebeer ela é apresentada como Saison (o que a bonita cor, amarela turva, confirma). No Brejas a classificaram com American IPA. Discordo de ambos: para mim, ela é uma Cream Ale bastante saborosa. O creme é branco, espesso, de boa formação e longa permanência. No nariz, o aroma é suavemente cítrico, com sugestão de limão, abacaxi e maracujá em destaque, mais mel, trigo, herbal, floral e leve acidez na retaguarda. Na boca, a textura é cremosa. O primeiro toque traz doçura e cítrico, de mãos dadas, enfrentando o amargor, eficiente (IBU 34). Dai pra frente, um conjunto mais simples do que o aroma anuncia, com cítrico e herbal em destaque. O final é amarguinho. No retrogosto, mais amargor, limão e leve acidez. Gostosa.

Colaboração dos italianos com Ken Fisher, o responsável pela Grateful Deaf Beer, a Birra del Borgo Hoppy Cat é uma Black IPA com dose generosa dos lúpulos norte-americanos Cascade e Simcoe. De coloração amendoada puxada para o marrom e creme levemente bege de ótima formação e alta retenção, a Birra del Borgo Hoppy Cat exibe um aroma notadamente lupulado, com notas cítricas emaranhadas com a doçura caramelada do malte tostado, uma união entre laranja, maracujá, açúcar mascavo e melaço (a cor, para mim, lembra muito a rapadura!). Na boca, a textura é levemente picante (com os lúpulos mostrando suas garras). O primeiro toque traz doçura cítrica cativante seguida de amargor eficiente, mas comportado perto dos 51 de IBU adiantados pela cervejaria (se chegar a 30 é muito). Na sequencia, doçura melada e cítrico deliciosos. O final é… cítrico. No retrogosto, rapadura, laranja e cítrico. Muito boa!

A terceira é outra parceria transatlântica, desta vez com a mítica Dogfish Head, de Milton, no Dellaware norte-americano, e leva o carinhoso nome de My Antonia, inspirada no romance homônimo de Willa Cather. Trata-se de uma Imperial Pilsener atolada de lúpulos Simcoe, Saaz e Warrior. De coloração amarela com intensa turbidez e creme branco de ótima formação e longa permanência, a Birra del Borgo My Antonia apresenta um aroma sensacional que junta frutado, doçura, cítrico e herbal, com leve toque resinoso. Na boca, textura picante com clara percepção de lupulagem. O primeiro toque traz doçura frutada e cítrico praticamente juntos sugerindo cana de açúcar e… chiclete. O amargor é uma porrada… suave, 76 de IBU que soam uns caprichados 50. Na sequencia, a confirmação de chiclete mais herbal caprichado e cítrico apaixonante. O final é amargo e cítrico. No retrogosto, limão, tutti-frutti e pinho. Apaixonado.

Dai os italianos pegam a receita da My Antonia e a envelhecem em velhos barris antes usados para produzir Calvados, uma bebida originária da Baixa-Normandia e feita à base de maçã, da qual é extraída a sidra que depois é fermentada e destilada podendo alcançar de 40% até 55% de álcool. No caso da Old Antonia, essa cerveja da Birra Del Borgo, o nível é baixinho… “só” 11.2% discretos. De coloração âmbar turva com creme alaranjado de ótima formação e média alta retenção. No nariz, bastante cítrico (maçã e pera) mais antecipação de acidez e melaço de açúcar, vinho branco, condimentação e madeira. Na boca, textura picante (muita acidez). O primeiro toque confirma a acidez trazendo consigo melaço de açúcar, maçã e, claro, álcool, que aquece e amarga a boca. Dai pra frente, bastante melaço, maçã, pera, acidez caprichada, muito açúcar, lembrança de vinho branco e leve madeira. O final é doce e frutado. No retrogosto, suave adstringência, doçura, cítrico, maçã, açúcar, vinho branco e alegria. Gostei!

Fechando o quinteto com o experimento desenvolvido por Leonardo Di Vincenzo, da Birra del Borgo, após estudos com Teo Musso (Baladin) e Sam Calagione (Dogfish Head). Os três mais um arqueólogo molecular analisaram vasos em que, teoricamente, eram produzidas cervejas pelo povo Etrusco, cerca de 2800 anos atrás. Para recriar a receita, o trio estabeleceu o uso de cevada maltada, trigo especial italiano e ingredientes especiais: suco de romã, uva passa, três tipos de mel, farinha de avelã, flores silvestres e um pouco de lúpulo, que não existia na antiguidade – boa parte do amargor aqui surge da adição de raiz da erva medicinal genciana e resina de mirra etíope. Não para por ai: a Dogfish preparou sua receita num vaso de bronze enquanto a Baladin a envelheceu em barris de madeira e a Birra Del Borgo optou por terracota (grandes potes de barro). Sobre a receita da Dogfish Head, a Etrusca Bronze, você pode ler aqui. Agora partimos para a sensação de experimentar a Etrusca Terracota.

De coloração levemente avermelhada (contra o âmbar da Etrusca Bronze) e creme branco de baixíssima formação e praticamente nenhuma retenção (outro detalhe que a Etrusca Bronze se diferencia… para melhor), a Etrusca Terracota exibe um aroma notadamente avinagrado, com intensa sugestão cítrica (romã, uva verde, limão e maçã verde), percepção de acidez e de leve doçura melada (com um toque de goiaba) num perfil aromático que remete a sidra. Na boca, textura picante (de azedume). O primeiro toque traz salgado, acidez, azedume e leve frutado. O amargor é influenciado pelo forte azedume e pela acidez, que abrem as portas para um conjunto frutado (muito mais uva do que no aroma, mas mais a casca da uva), acético e bastante interessante. Não há nada que diga que essa cerveja tem 9,3% de álcool! O final é azedo e salgado. No retrogosto, uva, romã, leve acidez e azedume. Diferente… e muito boa!

Balanço
Pra mim, a Birra del Borgo La Cortigiana é uma Cream Ale bastante saborosa e refrescante, oferecendo cítrico, herbal, acidez, amargor e doçura na medida. Bem agradável. Já a Hoppy Cat não é tão Hoppy quanto o título (e os 54 IBUs) adianta(m), mas ainda assim é uma cerveja agradabilíssima, com doçura e cítrico bastante equilibrados. A My Antonia, no entanto, sobe vários degraus e é outra grande cerveja lupulada que consegue fugir das amarras da (exagerada) escola norte-americana oferecendo um conjunto saboroso e cativante. E eu ainda senti muita sugestão de tutti-frutti nela. Não a toa, já fui garantir mais duas porque… sim. Foda. A versão robusta da My Antonia, a Old Antonia, é indicada para fãs de sidra e de açúcar, pois é muito doce, principalmente assim que ela aquece na taça. Difícil beber duas, mas precisa ser meio doido das ideias para entornar duas de 11,2% de álcool, não? Eu gostei bastante. A versão da Etrusca da Birra Del Borgo pega uma estrada totalmente diferente da Dogfish Head. Comparando as duas na taça, a Dogfish me agrada mais. Porém, se for pensar na história que a cerveja tenta contar, a da Birra Del Borgo é mais indicada. Ou seja: procure as duas.

Birra del Borgo La Cortigiana
– Estilo: Cream Ale
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,30/5
Preço pago em São Paulo: R$ 15,50 – 330 ml

Birra del Borgo Hoppy Cat
– Estilo: Black IPA
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 5,8%
– Nota: 3,58/5
Preço pago em São Paulo: R$ 18 – 330 ml

Birra del Borgo My Antonia
– Estilo: Imperial Pilsener
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 7,5%
– Nota: 3,90/5
Preço pago em São Paulo: R$ 16,50 – 330 ml

Birra del Borgo Old Antonia
– Estilo: Imperial Pilsener
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 11,2%
– Nota: 3,65/5
Preço pago em São Paulo: R$ 24 – 330 ml

Birra del Borgo Etrusca Terracota
– Estilo: Traditional Ale
– Nacionalidade: Itália
– Graduação alcoólica: 9,3%
– Nota: 3,66/5
Preço pago em São Paulo: R$ 35 – 330 ml

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)
– Sobre todas as cervejas da Dogfish Head (aqui) e Birra Del Borgo (aqui)

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