Entrevista: Sandra Coutinho

por Sabrina Haick

As Mercenárias está com nova formação e um disco “novo” nas ruas. “Na verdade, é um novo disco velho”, explica Sandra Coutinho. Tudo indica que a banda, ícone do rock dos anos 80, continue na ativa, a não ser que Sandra, única integrante original remanescente, decida colocar um ponto final nessa história.

“Mercenárias – Demo 1983” é uma demo com oito músicas gravadas ainda com Edgard Scandurra na bateria, e ganhou lançamento em julho pelos selos Nada Nada Discos e Dama da Noite. A maioria das músicas não entraram em nenhum dos dois álbuns do grupo, “Cadê As Armas?” (1986) e “Trashland” (1988), portanto são inéditas, apesar de antigas.

O lançamento integra um box especial e limitado a 100 cópias: “A caixa vem com o compacto em vinil transparente, dois pôsteres, um bottom, uma réplica da fita em K7 e acho que mais uma coisa ou outra, estamos bolando ainda”, explica Mateus Mondini, dono do Nada Nada Discos (nota: uma camiseta foi inclusa no pacote final).

Além do pacote caprichado (cuja arte você confere mais abaixo), as oito faixas de “Mercenárias – Demo 1983” foram disponibilizadas no Bandcamp para download no modelo “pague quanto quiser” (incluso download gratuito). Entre as canções inéditas faixas como “Vietinã” (grafada desta forma), “Meus Pais”, “Dá Dó” e “Ó”.

Esse lançamento especial não foi o único em 2015 a relembrar As Mercenárias. O trio Metá Metá regravou “Me Perco Nesse Tempo”, faixa que abre o álbum “Cadê As Armas?”, em um EP disponibilizado gratuitamente em maio. Meses antes, no aniversário de São Paulo, o Metá Metá havia tocado a canção ao vivo com Sandra Coutinho no palco.

Sandra não sabe se é “perseverante ou idiota” em continuar com As Mercenárias. Os motivos para isso são alguns sobre os quais ela fala na entrevista abaixo. Apesar do lançamento, a certeza de que vai continuar com a banda é zero.

Como aconteceu a formação atual d’As Mercenárias?
Nos últimos dez anos, depois que eu voltei da Alemanha, foi que se montou uma nova formação d’As Mercenárias. Chamaram a gente para fazer um show de comemoração dos 30 anos da banda e a Rosália topou, então ficou ela no vocal, como sempre foi, eu no baixo, o Edgard tocou bateria e a gente chamou a Geórgia Branco para a guitarra, porque a Ana Machado (da formação original) desencanou. Em 10 anos teve bastante rodízio. Depois, a Pitchu Ferraz e a Geórgia Branco entraram para banda. Mas não acontecia nada de novo, a gente simplesmente tocava as músicas dos álbuns e a linguagem estava ficando meio fora de alguns pontos que eu acho que são conceituais d’As Mercenárias. Por exemplo, a escola de bateria da Pitchu é heavy metal, então chegou um momento em que ela foi ficando muito longe do que é As Mercenárias, em termos de linguagem de instrumento. A Geórgia também tem uma linguagem de guitarra que se distancia um pouco do que era a Ana. A gente ficou um tempo com a Rosália no vocal, daí ela saiu e eu parei com a banda, porque eu achei que ia ser difícil continuar sem ela. Mas em um dado momento a gente fez uma apresentação numa galeria e eu resolvi cantar. Como teve uma boa resposta do público, eu resolvi assumir o vocal. Mas como a minha voz não tem a amplitude da voz da Rosália, eu precisava muito mais do apoio de backing vocal, coisa que As Mercenárias sempre teve. Mas elas não estavam me dando esse apoio, porque, afinal de contas, elas não são backing vocals. Então eu estava me sentindo muito isolada no palco. E isso foi conversado durante o tempo, mas eu sempre falava que elas deviam voltar a escutar as coisas antigas, porque eu precisava ser mais exigente em algumas músicas. Mas depois da Virada Cultural de 2014, eu realmente tinha acabado com a banda, porque não tinha ficado satisfeita com o resultado. A Michelle Abu eu conheço faz tempo de tocar no projeto Benzina, do Edgard Scandurra. Quando eu voltei da Alemanha, o Edgard estava com esse projeto e já tinha lançado uns dois discos, eu acho. Foi aí que eu conheci a Michelle e, nos 30 anos de Mercenárias, a gente convidou ela para fazer uma participação. A Silvia Tape é uma pessoa que eu conheço já faz um ou dois anos, também através do Edgard. A gente conversava sobre fazer alguma coisa juntas e ela sempre gostou muito de Mercenárias. Eu tinha uma data marcada para Minas Gerais no final do ano passado e foi uma oportunidade de testar para ver se dava certo e a Silvia se propôs a estudar, porque na verdade ela não é guitarrista. Ela estudou muito, foi em casa, me mostrou uma ou duas músicas que ela tinha tirado e eu acreditei. A gente fez esse show em Belo Horizonte e foi muito bom, eu gostei muito. Elas pegaram os vocais e isso foi o que me convenceu também, porque eu não me sentia mais sozinha no palco.

E o novo disco? Tem alguma inédita nele?
Não, na verdade, é um novo disco velho. O Mateus Mondini, do selo Nada Nada Discos, entrou em contato comigo perguntando se eu tinha alguma demo antiga e eu tinha uma da época que o Edgard ainda estava na bateria. Então são músicas inéditas, porque não estão em nenhum dos dois discos, mas elas são antiquíssimas. Eu entreguei um monte de fita cassete para ele, que também selecionou outras coisas de shows. Todas as músicas são com o Edgard na bateria.

E vocês têm tocado algumas dessas músicas ao vivo?
A gente toca “Dá dó”, “Poder”, “Nada de Definitivo”, essas são algumas que vão estar no disco.

Você tem composto alguma coisa inédita para banda?
Não, porque o que acontece é o seguinte. Elas têm trabalhos solos e participam de várias coisas. Eu não tenho trabalhado no meu trabalho solo, porque desde que eu voltei, tenho só administrado As Mercenárias, então não consegui me concentrar e é uma coisa que eu quero fazer agora. Porém, em alguns encontros, a gente começou a tocar, fazer umas jams, e saíram uns temas que nós gostamos muito. É tudo embrionário ainda, mas isso abriu perspectiva para um novo trabalho, com certeza. Só que eu gostaria de mudar o nome, gostaria de encerrar As Mercenárias e começar uma nova história. Mas elas não, elas acham que o nome tem uma historia e tal, mas como eu estou nessa história desde os anos 80, é uma questão de renovação artística para mim. Porque todo mundo faz o link Sandra Coutinho com os anos 80, mas eu estou no ano 2015 e sou uma artista que tenho coisas da atualidade para apresentar, então para mim seria importante me verem como uma criadora contemporânea também.

Em que fase está o seu trabalho solo?
Nos 14 anos que eu fiquei na Alemanha eu fiz solo. Quando eu cheguei lá, quis distância de rock, então eu ouvia música indiana, música africana, flamenco, música cubana, foi isso o que eu vivenciei. Meu ex-marido é formado em música clássica e foi ele quem me colocou na cena. A gente fazia muita improvisação livre em duos ou trios, fizemos muitas aberturas de vernissage, tudo nessa praia de contar 1, 2, 3 e sair tocando. E aos poucos eu fui montando meu solo. Eu programava tudo no computador, entrava no palco com o baixo e bases todas programadas. Me apresentava como a Vanguard Rock e viajei a Alemanha inteira solista. Depois de sete anos que eu fiquei no sul da Alemanha, fui para Berlim. Quando eu fui para lá foi que eu comecei a ter mais contato com a cena e tive uma banda só de mulheres chamada Xotas Mortais. Era uma banda que tinha muito ritmo brasileiro, muito baião e muita guitarra distorcida. Mas no começo eu fazia coisas esquisitíssimas, que eu mesma nem acreditava que eu fazia, era super experimental.

Você nunca apresentou esse seu trabalho solo no Brasil?
Não, mas teve uma vez que eu vim para o Brasil e eu fiz um negócio chamado Solos Interativos. Eu me apresentei por meia hora, depois o Edgard se apresentou por meia hora e no final a gente juntava toda a bagunça. Acho que isso foi há uns 15 anos atrás, mais ou menos. Também apresentei composições minhas no Sesc Ipiranga, mas foi com banda, com dois guitarristas, percussão e bateria.

Você já imaginou como seria um terceiro álbum d’As Mercenárias?
Eu acho que a gente teria que caminhar para uma evolução individual e mais técnica, mais apurada no instrumental. Porque hoje eu consigo fazer mais coisas com a Michelle, a Silvia, a Pitchu, do que se eu fosse contar com a Lou na época. Agora, quando eu tava com a Rosália quando a gente voltou, a gente chegou a pensar em fazer alguma coisa numa linha mais dançável, pesada, mas com suingue. Eu lembro que a gente almoçou juntas, fiquei super animada e estava acreditando que ia dar certo. Mas aí a Rosália saiu da banda. Eu fiquei doente uma semana. Não sei por que ela saiu, ela não falou. Ela fez os shows que já estavam marcados e depois deixou a gente na mão.

Então não existe nenhuma chance de reunir a formação original?
Não, porque a Lou é Léo, está no teatro e não sabe mais tocar bateria, a Ana também não quer mais saber, não tá mais afim e a Rosália não quer nem olhar para minha cara. Vou fazer como? Não dá. Eu não sei se eu sou perseverante ou se eu sou idiota de continuar. Por isso que às vezes eu acho que preciso mudar o nome de tudo, porque eu sou muitas outras coisas além d’As Mercenárias.

– Sabrina Haick (https://twitter.com/sahaick) é jornalista

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