Wander Wildner ao vivo em São Paulo

Texto, fotos e vídeos por Bruno Capelas

Nem o mais otimista dos fãs de Wander Wildner seria capaz de prever o quão especial seria a noite do dia 23 de julho, no show de lançamento em São Paulo de “Existe Alguém Aí?”, mais recente trabalho do cantor gaúcho. Também pudera: lançado no primeiro semestre de 2015, o disco registra um dos momentos mais tristes e introspectivos da carreira de Wildner, em compasso com o cenário cinza do país e do mundo nestes dias que correm. A expectativa natural, portanto, seria esperar um show igualmente depressivo, perfeito para que o álcool do chope escuro do Sesc Pompeia ajudasse a cicatrizar as feridas expostas pelas canções do ex-vocalista dos Replicantes. Mas não foi bem isso que aconteceu.

O começo foi explosivo com a aventura espacial de “Astronauta”, uma rara faixa dos Replicantes a aparecer no repertório de Wander. Sem perder tempo conversando com o público, o cantor e seus comancheros Jimi Joe (guitarra), Gustavo Chaise (baixo), Eduardo Dolzan (bateria) e Maurício Chaise (guitarra) engataram uma sequência não menos arrasadora.

Um incauto espectador poderia até acreditar que tinha errado de ano e estava presente no lançamento de “Baladas Sangrentas”, primeiro disco solo de Wander (gravado em 1996 com esperta produção de Tom Capone), graças ao trio “Bebendo Vinho”, “Empregada” e “Freira Desalmada” – esta última, pouco frequente nas apresentações do gaúcho. Mas ainda tinha mais para o terço inicial do show: “Quase um Alcóolatra” (do disco de 1999 “Buenos Dias”) e “Sandina” (outro hit dos Replicantes a dar as caras no setlist) fizeram a alegria dos presentes na Choperia com ingressos esgotados, com um Wander Wildner muito à vontade.

Foi só na sétima música do show que Wander mostrou novidades: “Naquela Noite Ela Chorou”, uma bonita balada sobre a derrota de Olívio ‘Bigode’ Dutra para Lasier Martins (aquele cara que tomou um choque na Festa da Uva) para o Senado nas eleições de 2014. E quase que ficou por isso: a também bacana “Numa Ilha Qualquer” (de refrão chicletudo e clima perfeito para usar numa mixtape para a sua cara-metade) foi apenas a outra canção de “Existe Alguém Aí?” a ser tocada no Sesc Pompeia.

Pode ter sido pouco para um show de lançamento, mas as duas canções não soaram deslocadas em um show que se destacou pelos hits (“Mantra das Possibilidades”, “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro”, “Rodando el Mundo”…) e pelas boas releituras de Wander Wildner, um intérprete conhecido por sua capacidade de encontrar pérolas em repertórios alheios. Não vá pensando o leitor, porém, que foi uma apresentação puramente nostálgica, com uma escalação feita para ganhar o público.

A presença no setlist de lados B como “Eu Queria Morar em Beverly Hills”, “Jesus Voltará” (que abriu o bis), ou canções de outros projetos, como “O Último Romântico da Rua Augusta”, deu ao show um caráter mais natural, na linha “vamos fazer barulho e tocar músicas boas”, do que exatamente premeditado para agradar. Além da força de suas interpretações, Wander também contava com outro trunfo: a banda de apoio, capaz de dosar peso com elegância – especialmente nos solos de Jimi Joe, na eficiência de Eduardo Dolzan com as baquetas e nos arranjos vocais do resto da trupe.

As releituras também deram o ar de sua graça no show: além do par de canções d’Os Replicantes (e que merecem lugar fixo no setlist de Wander) apareceram “Hippie Punk Rajneesh” (também d’Os Replicantes, mas regravada por Wander no álbum “Paraquedas de Coração”, de 2004); “Candy”, de Iggy Pop, (ambas de “Paraquedas do Coração”, de 2004); “Um Bom Motivo”, dos catarinenses da Stuart (presente em “La Canción Inesperada”, de 2008) e, claro, o hino gaúcho não oficial “Amigo Punk”, da Graforreia Xilarmônica, executado a plenos pulmões no Sesc Pompeia.

Ouvir “Existe Alguém Aí” e ver o novo show de Wander é compreender como uma mesma realidade – esses dias tão estranhos em que vivemos – pode gerar efeitos opostos na alma de um artista. Se em disco o gaúcho parece reflexivo e melancólico (títulos como “Saudade”, “Réquiem Para Uma Cidade” e “Uma Angústia Presa na Garganta” dão a pista), ao vivo a intenção é justamente oposta: é hora de aproveitar os bons momentos e fazer todo mundo sorrir. A expressão de Wander, que não parava de agradecer aos presentes por terem saído de suas casas para ver “um bando de gaúchos tocarem”, não deixava dúvidas sobre esse espírito, que levou os presentes a até entoarem um coro de “Olê, olê, olê, olê, Wander! Wander!”.

O show foi encerrado com “Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo” – talvez o maior dos singles de Wander, ainda que a pegada “best of” do show merecesse a inclusão de “Surfista Calhorda”, clássico dos clássicos dos Replicantes. Se ele não surfa nada, porém, coube a outro hino do rock gaudério definir o clima da noite: no melhor acepção do usucapião, Wander se apossou de “Lugar do Caralho”, composta originalmente por Júpiter Maçã. Afinal, com cerveja barata (obrigado, chope escuro a R$ 6,50), gente louca e superchapada (uma das rodinhas de pogo tinha roqueiros (e roqueira!) sem camisa, se divertindo ‘afu’), é difícil fugir do clichê, mas vá lá… Ao menos por (mais) uma noite, a Choperia do Sesc Pompeia foi um lugar do caralho.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop.

3 thoughts on “Wander Wildner ao vivo em São Paulo

  1. Bah, tá muito legal o disco novo. Se ele não tocou muitas, certamente não é por falta de canções maneiras…

  2. Carlo, a ordem pode estar errada, mas a lista de canções está certa:

    01) “Astronauta” (“Histórias de Sexo e Violência”, 1987)
    02) “Bebendo Vinho” (“Baladas Sangrentas”, 1996)
    03) “Freira Desalmada” (“Baladas Sangrentas”, 1996)
    04) “Empregada” (“Baladas Sangrentas”, 1996)
    05) “Quase um Alcoólatra” (“Buenos Dias”, 1999)
    06) “Sandina” (“Histórias de Sexo e Violência”, 1987)
    07) “Naquela Noite Ela Chorou” (“Existe Alguém Ai?”, 2015)
    08) “Mantra das Possibilidades” (“Eu Sou Feio… Mas Sou Bonito”, 2001)
    09) “No Ritmo da Vida” (“No Ritmo da Vida”, 2004)
    10) “Candy” (“Paraquedas de Coração”, 2004)
    11) “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro” (“Paraquedas de Coração”, 2004)
    12) “Hippie-Punk-Rajneesh” (“Paraquedas de Coração”, 2004)
    13) “Rodando el Mundo” (“Paraquedas de Coração”, 2004)
    14) “Numa Ilha Qualquer” (“Existe Alguém Ai?”, 2015)
    15) “O Último Romântico da Rua Augusta” (“Boliviano”, 2012)
    16) “Um Bom Motivo” (“La Cancion Inesperada”, 2008)
    17) “Amigo Punk” (“La Cancion Inesperada”, 2008)
    18) “Boas Notícias” (“Caminando e Cantando”, 2010)
    19) “Eu Queria Morar em Beverly Hills” (“Buenos Dias”, 1999)
    20) “Lugar do Caralho” (“Baladas Sangrentas”, 1996)

    Bis
    21) “Jesus Voltará” (“Buenos Dias”, 1999)
    22) “Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo” (“Baladas Sangrentas”, 1996)

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