Entrevista: Jennifer Souza em Lisboa

por Pedro Salgado, de Lisboa

Num final de tarde primaveril, encontro-me com Jennifer Souza no emblemático bairro lisboeta do Chiado. Enquanto nos dirigimos para um pátio contíguo à Rua Garrett, comentamos a luminosidade da capital portuguesa e a origem do nome Lusitânia (terras da luz), que confere um significado especial à conversa que manteremos. Mais à frente, ela irá declarar seu encanto pela cidade: “A beleza de Lisboa é escancarada, inspiradora e os portugueses são pessoas maravilhosas”, destacando ainda a familiaridade do local onde se encontra: “Há uma sintonia com o povo brasileiro pela simpatia, abertura a novos encontros e sentimo-nos em casa logo que chegamos”.

O álbum “Impossível Breve” (2013), que ela promove atualmente na Europa, evolui da densidade inicial, abordando a solidão e as perdas, para um final sutil, no qual é sugerido que a pessoa está preparada para uma nova história. Para além da intensidade emocional, Jennifer revela uma capacidade inata para criar jogos de palavras hábeis (“Vouloir”) e em “Possível Breve” o teor melancólico da canção é moldado por diferentes camadas sonoras. “A possibilidade da paixão ser correspondida e do fato das coisas se tornarem mais fáceis é abordada em ‘Vouloir’ e ‘Possível Breve’ segue essa ideia de uma forma leve, mas relacionando-se mais com um encontro casual”, explica.

A maturidade e os progressos composicionais evidenciam-se na faixa que encerra o trabalho, ‘Cuida de Si’, realçando a procura do fortalecimento pessoal, espiritual e a partilha de histórias com as pessoas amigas. Essa forma de entender a canção está muito ligada ao percurso de Jennifer Souza na banda Transmissor. “Os três discos que fizemos juntos foram bastante importantes para mim, desafiaram-me e eu não teria feito as músicas do ‘Impossível Breve’ se não tivesse passado por ali”, conta. Sempre simpática e denotando ponderação nas respostas, a cantora mineira salientou a responsabilidade que sente pelo momento presente de afirmação do seu trabalho.

Sobre o novo cenário musical português, Jennifer manifestou pouco conhecimento, mas sublinhou que “há sempre interesse em fazer parcerias a partir do momento em que existe uma conexão”. Relativamente a Jp Simões (convidado especial do show na Fábrica de Prata), que conheceu em Belo Horizonte em 2014, as afinidades foram imediatas: “Tomei contato com o trabalho mais recente dele há pouco tempo e isso remeteu-me para artistas de quem gosto muito, como é o caso do Nick Drake”, refere. “O que poderá guiar essas colaborações é o que guiou a minha reunião com o Jp Simões, ou seja, a ligação através das coisas que nos tocam”, conclui.

Totalmente focada na promoção de “Impossível Breve”, na tour e no lançamento do LP no Brasil, a cantora mineira ainda não pensou num próximo disco, “Sinto que estou caminhando para o final de um ciclo e logo surgirá a necessidade de novas composições e de ter um esboço mais presente do que poderá ser o novo álbum”, confessa. Aliando o talento musical ao trabalho de produção, escrita de projetos e organizando os seus shows, Jennifer demonstra um caráter persistente que será igualmente recompensado pela crença inabalável na sua música. De Lisboa para o Brasil, Jennifer Souza conversou com o Scream & Yell. Confira:

A sua música assenta numa profundidade emocional latente. Em que medida a aparente tranquilidade das suas canções é fantasiosa?
Essas músicas foram um apanhado de temas que eu compus nos últimos oito anos. Quando tive a conceção do que seria o disco, escolhi temas representativos de momentos fortes que vivi anteriormente. Atualmente, consigo interpretar as canções do álbum de outra forma, porque já não estou nessa fase. Reconheço nelas uma sutileza estética e instrumental, mas as músicas são muito confessionais. Por isso, acaba por ser o registo de uma etapa marcante para mim, mas que eu já consigo ver com algum distanciamento. Para quem assista ao show, acredito que entenda aquela sonoridade de uma forma suave ou tranquila e, no entanto, tem esse nível auto-confessional.

O pop é a outra faceta da sua sonoridade. Isso significa que não pretende se afastar da matriz do Transmissor?
Na verdade, isso não acontece só com o Transmissor, mas também nas outras coisas que eu ouço. Encontro essa característica pop na maioria dos músicos que me influenciaram e da mensagem que está sendo passada. O que faz com que a música tenha esse poder é a melodia. Independentemente da forma e do número de repetições, sempre me liguei muito nas melodias fortes, que fluem continuamente e sem racionalidade. Você simplesmente escuta aquele tema e ele toca-te de alguma forma, mesmo que seja um tema exótico. Acredito que a força da canção pop está mesmo na melodia e essa característica não irá desaparecer nas coisas que eu venha a compor ou produzir. É algo que já está interiorizado em mim.

Que conclusões você retira do show na Fábrica do Braço de Prata?
Em primeiro lugar, e com um pouco mais de distância, entendo que a atuação na Fábrica do Braço de Prata foi um marco, mas não foi um show fácil de fazer. Tive de me concentrar bastante em função do cansaço e das atividades desse dia. Juntei-me a alguns músicos amigos que residem em Lisboa para fazer esse primeiro concerto e tinhamos pouco tempo para trabalhar em conjunto. Fizemos um ensaio de quatro horas durante a manhã do concerto e passei o dia todo a resolver algumas coisas, porque não tenho nenhuma produção comigo e sou eu que faço esse trabalho. O show começou à uma hora e meia da manhã, depois de um dia iniciado às oito horas da manhã, e exigiu muita concentração. Fiquei muito agradada com o espaço e foi uma surpresa ter conhecido a Fábrica do Braço de Prata. Achei interessante o conceito de rotatividade do público, a possibilidade de assistir a vários concertos, passar pelas salas, escutar algumas canções e ver se são do seu interesse. Julgo que esse aspeto é mais positivo do que negativo. Também fiquei admirada pela quantidade de pessoas que ficaram para assistir à minha atuação (era a última da noite), e enquanto fazíamos a passagem do som receei que não viriam pelo fato de ser tarde. Foi muito legal estar num país diferente, pela primeira vez, tocando um trabalho intimista e confessional, num sítio que não é tão central e com uma sala razoavelmente cheia. É um presente e uma conquista. Por isso, acabei ficando emocionada a certa altura do espetáculo. Acredito que com o desenrolar da tour me sentirei mais segura e que os shows irão fluir facilmente. Sinto que isso tudo está relacionado com o nervosismo da primeira atuação, por estar cansada e pelo fato do trabalho com esses novos músicos ainda estar um pouco verde. O saldo foi muito positivo e gostei demais de ter feito esse concerto.

Sente que a Mostra Cantautores BH, idealizada por si, já concretizou o propósito de afirmar o novo cenário musical mineiro?
A Mostra Cantautores BH é um projeto que nasceu despretensiosamente, mas entendemos que existe uma necessidade do público para que haja espaços como esse. Sentimos que foi ganhando força ao longo destes quatro anos, porque existe uma carência de cenários onde os artistas possam ser ouvidos e terem o destaque que merecem, tocando a sua obra de uma forma despida. Na maioria das vezes, principalmente para músicos iniciantes, é muito difícil encontrar um local onde se possa fazer um show de voz e violão e ter a atenção devida. As coisas que acontecem no evento são mágicas e todo mundo fica emocionado com elas. Muitas vezes deparamos com artistas que nunca tinham interpretado a obra sozinhos e existe um respeito e uma atenção do público que é incrível. Mas, na verdade, precisamos de outros projetos onde exista um espaço de audição e atenção plenos. Porque isso acontece durante uma semana, uma vez por ano, e isso é muito pouco. Estamos tentando parcerias com artistas de outros estados e capitais para que eles produzam o evento nas suas cidades e em breve irá acontecer a Mostra Cantautores, no Rio de Janeiro, e possívelmente, no segundo semestre deste ano, o projeto acontecerá em São Paulo. A idealização é a mesma que eu e o Luiz Gabriel Lopes (do Graveola) concebemos, mas a produção será de outras pessoas. Globalmente, é um espaço para a canção, mesmo que existam vários estilos musicais diferentes. Tentamos que a programação inclua artistas consagrados e estreantes, mas ainda existe um longo trabalho a fazer para que a música feita em Minas Gerais tenha a atenção devida no Brasil. Estou muito feliz com o que temos feito e este ano comemoramos a quinta edição do projeto.

A sua parceria com o selo francês Novomundo visa criar condições para uma futura carreira internacional?
O selo Novomundo é gerido e criado pelo Olivier Durand. Julgo que o Olivier teve conhecimento do álbum através de um blog e escreveu-me um e-mail sucinto dizendo que escutava o meu disco todos os dias e que tinha gostado bastante. Depois, informou-me sobre o pequeno selo parisiense dele (uma iniciativa independente) e referiu que se eu tivesse interesse ele ajudaria a fazer o lançamento do disco na Europa. A partir daí conversámos regularmente e equacionámos as possibilidades de lançar o álbum fisicamente e as condições para que isso acontecesse. No meio do percurso, surgiu o interesse de um selo japonês (Core Port) através do Olivier, que lhe apresentou o trabalho, e eles lançaram uma edição exclusiva do “Possível Breve” (que inclui uma faixa bônus não gravada em estúdio). Isso foi em Novembro de 2014. Quando fechamos a parceria com esse selo na França, resolvemos adiar a edição do trabalho na Europa. Isso aconteceu porque o Olivier entendeu que era mais interessante lançar primeiro o CD no Japão e depois aqui. Ao lançarmos o disco na Europa, passados seis meses, já tivemos esse feedback e é uma história que tem uma importância acrescida. No meio da conversa, decidimos lançar o disco em vinil, tal como no formato digipack e as duas edições são feitas pelo Novomundo. Estou louca para que chegue o vinil (risos), porque sempre escutei música dessa forma e tenho muitos discos na minha casa. Da minha parte, existe um interesse total em continuar a minha carreira internacional e espero que se abram mais portas. Porque o selo francês só realiza a distribuição do disco e não trabalha com a produção de shows e booking. Na verdade, eu mesma faço a minha produção no Brasil e essa tour foi organizada com a ajuda do Olivier, de amigos e do Luiz Gabriel Lopes. A atual turnê finaliza o ciclo desse trabalho e irei me preparar para o lançamento do segundo disco em 2016. Tenho muita vontade de estar aqui no próximo ano e dar seguimento à minha carreira.

Na primeira tour europeia também fará shows na França e Holanda. Quais são as suas expectativas ?
Eu coloquei 17 datas no cartaz da tour mas, na verdade, são 20 concertos. Muitas dessas atuações são pocket shows que farei apenas com voz e violão. Farei alguns shows em FNACs, para promover a venda do disco, e serão apresentações de apenas 30 minutos. Os outros espetáculos serão mais importantes, como o de 17 de Junho (no La Dame de Canton), que calha no dia do meu aniversário e coincide também com a data de lançamento do meu CD e LP em Paris. Acredito que irão estar lá pessoas da imprensa, que o Olivier está contatando. Para esses shows existe um nível de responsabilidade superior, mas eu procuro manter a minha expetativa no presente. Gosto de acreditar que não tenho de esperar por nada e o que está acontecendo já é uma conquista. Em certas fases da minha vida, senti que estava fazendo algo verdadeiro e, por isso, colheria os frutos em vez de aproveitar o momento. Faz parte do amadurecimento entender que a gente não sabe o que vai acontecer no futuro, daí que a minha perspectiva é o dia de hoje.

Jennifer Souza ao vivo na Fábrica do Braço de Prata

por Pedro Salgado, de Lisboa

No show de estreia de sua primeira tour europeia, Jennifer Souza apresentou-se na Sala Nietzsche, da Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa, para mostrar o repertório do primeiro disco solo “Impossível Breve”. O intimismo do espaço, à média luz, no qual o público assistia maioritariamente sentado ao espetáculo bebendo vinho ou cerveja, criou o ambiente mais favorável aos temas confessionais do seu repertório. Acompanhada por Marco Pombinho (piano e teclado), Francesco Valente (baixo) e Marcelo Araújo (bateria), a cantora mineira iniciou a noite com “Sorte ou Azar”, adotando uma pose concentrada e vivendo as suas emoções, que foram transmitidas à assistência com elegância.

Após uma abordagem fiel ao original de “Logo Tudo Acabado”, Jennifer dirigiu-se ao público: “Boa noite a todos, é um grande prazer fazer o primeiro de 20 shows até Junho e estar com amigos como Jp Simões”. Na interpretação de “Outra Ela”, do Transmissor, o concerto animou e a pegada samba pop do conjunto transportou a audiência para um território mais familiar, cabendo a “Le Flâneur” o papel de retomar a intensidade emocional anterior. Servida por uma banda competente e por um público gradualmente interessado, a cantora mineira intercalou bem os momentos introspetivos com temas luminosos, possibilitando uma compreensão ampla do seu imaginário musical.

Decorrida metade da atuação, Jennifer Souza apresentou “com alegria” o convidado especial da noite: “Conheci o Jp Simões em 2014, na Mostra de Cantautores BH, ele fez um belo show lá e o trabalho dele toca-me”. Em conjunto, tocaram “Utopia”, com evocações do músico português a “Construção”, de Chico Buarque, e assinaram um bom dueto na hipnótica “A Lenda do Homem Pássaro” (que já ganhou versão do Graveola e o Lixo Polifônico, disponibilizada pelo Scream & Yell). “É um desafio estar aqui hoje e em Portugal. Estou emocionada com a vossa presença”, disse Jennifer, avançando em seguida para a toada grandiloquente de “Esparadrapo”.

O pop colorido de “Para Kerouac”, abriu caminho para a encantadora “Vouloir”, evidenciando a capacidade para criar jogos de palavras repletos de musicalidade e “Possível Breve” convenceu pelo desenvolvimento de diferentes camadas sonoras e no tom insinuante com que a cantora mineira abordou a faixa. Quando anunciou o fim da atuação, Jennifer foi solicitada para mais um tema e correspondeu ao apelo, brindando a audiência com uma versão épica de “Sorte ou Azar”. Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, o show de Jennifer Souza “primeiro estranhou-se e depois entranhou-se” e esse foi o aspeto marcante de uma noite de bom gosto e emoções à flor da pele.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui

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