Discografia: Os Paralamas do Sucesso

por Leonardo Vinhas

Em 1983, uma banda de estudantes universitários residentes no Rio de Janeiro ensaiava seu repertório na casa da avó do baixista. Eram influenciados por punk rock, 2Tone e new wave, embora sua dieta musical incluísse também hard rock, reggae e até nomes da MPB pouco lembrados então, como João Bosco, Jorge Ben e Tim Maia. Logo lançariam seu primeiro álbum, provavelmente sem imaginar que 32 anos depois estariam lançando uma caixa com 20 CDs fazendo retrospecto de sua carreira, na qual se estabeleceram como um dos nomes de referência para o rock brasileiro e até latino-americano.

Essa é uma sinopse bastante resumida e superficial da narrativa que os Paralamas do Sucesso – Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone – vem construindo. Há outros elementos nela que colaborariam para um roteiro hollywoodiano: períodos de baixas vendagens e ataques da crítica especializada, sucesso no exterior enquanto perdiam mercado em seu país natal, tragédias pessoais (o acidente automobilístico envolvendo Barone, que lhe rendeu pinos na perna e forçou a banda a uma pausa; o incidente de 2001 que feriu violentamente Herbert Vianna e vitimou sua esposa, Lucy). Porém, se tal filme viesse a ser feito, o melhor fio condutor para a história da banda seria sua coerência e consistência, acompanhadas de enorme apego aos palcos e respeito ao público.

Ao contrário de alguns colegas geracionais, os Paralamas sempre tiveram claro quais os rumos que sua música deveria tomar. Se por um lado isso lhes custou uma rejeição feroz da crítica no começo dos anos 1990, por outro os ajudou a encontrar novos públicos e desbravar mercados nunca antes trilhados pelo rock brasileiro – fossem eles o interior do país, por onde a banda excursionou sem cessar em uma época em que mal haviam condições para isso; ou os países latino-americanos, nos quais estabeleceram uma empatia com as plateias que os mantém como uma “banda clássica” até os dias de hoje.

Também as incursões musicais por ritmos populares do Brasil e da América Latina sem se desapegar da influência anglófila foram determinantes para criar um pop de apelo universal, tão cosmopolita quanto sertanejo. Em vez de romper com o passado, os Paralamas dialogavam com ele, trazendo Jackson do Pandeiro para o Caribe, jogando psicodelia em Alceu Valença ou traduzindo em harmonias o experimentalismo textual de João Cabral de Melo Neto.

De Chico Science a Bixiga70, de Los Hermanos a Saulo Duarte, há muita gente cujas raízes vem das sementes lançadas pelo trio. O box “Os Paralamas do Sucesso – 1983-2005”, caixa com 18 relançamentos e dois CDs de inéditas, é um testemunho sólido do conjunto da obra – e certamente abre caminho para um novo momento da banda. A propósito desse lançamento, o Scream & Yell repassa a extensa discografia (sem esquecer compilações, discos em espanhol, DVDs e carreira solo, entre outros quitutes) do trio que ensinou o então sisudo e endurecido rock brasileiro a beber cachaça, requebrar os quadris, andar descalço e sair pra ver o céu e se perder entre as estrelas.

Cinema Mudo (1983)

Embora tenha se dito o contrário alguns parágrafos atrás, em seu álbum de estreia os Paralamas não sabiam bem para onde levar sua música. O ponto de partida do disco foi uma fita demo com quatro músicas (“Vital e sua Moto”, “Patrulha Noturna”, “Encruzilhada Agrícola-Industrial” e “Solidariedade Não!”) mandada à rádio Fluminense FM em 1982. Tirando “Solidariedade Não” (sobre o sindicato polonês), todas as músicas da fita entraram no álbum, mas a inexperiência do trio em estúdio deixou que a “direção artística” da gravadora ditasse a sonoridade do álbum (produzido por Marcelo Sussekind), tirando o peso e a energia que davam brilho ao pastiche de The Police que faziam na época (o próprio Herbert diz que a gravação foi “manipulada”). Sem essa energia bruta, e com arranjos cheios de teclados frouxos e vocais clichês, “Cinema Mudo” não se sustentou na época e envelheceu pior ainda. Verdade seja dita, o repertório também não ajudava muito (ainda que haja uma parceria pouco conhecida de Herbert e Barone com Renato Russo, “O Que Eu Não Disse”, que traz Lulu Santos na guitarra slide). Pense que há até uma música sobre caganeira (“Encruzilhada”). Mesmo “Química”, porrada punk adolescente do Aborto Elétrico então inédita, vinha sem peso e sem convicção. Dá para aliviar a bronca na contagiante faixa-título e na simpática “Patrulha Noturna”, e para por aí. Vale como documento histórico para os fãs mais empedernidos. E só.

Sucessos: “Vital e Sua Moto”, “Cinema Mudo”.
Ouça: “Cinema Mudo”.

O Passo do Lui (1984)

Quando Herbert, Bi e Barone começaram a gravar “O Passo do Lui”, o primeiro disco não tinha ultrapassado 5 mil cópias vendidas. Frustrados com a sonoridade e a vendagem do álbum de estreia, mas tarimbados pela experiência na estrada (os ótimos shows, lotados, vinham sendo comentados boca a boca) e dedicados a estudar técnicas de gravação (“Empurramos o técnico de estúdio nesse sentido”, conta Herbert na biografia “Vamo Batê Lata”, de Jamari França), o trio se aproveitou da ausência do produtor Marcelo Sussekind no estúdio para definir a sonoridade do novo álbum: “Tinha que ser cru, muito (power) trio mesmo”, diz Herbert. O resultado é tão diferente que surpreende que seja a mesma banda. A influência de The Police, English Beat e Madness ainda está lá, mas estão também uma dinâmica instrumental impressionante, o peso rítmico e apuro técnico de Bi e Barone (que logo se firmariam como uma das melhores cozinhas do país) e letras muito mais pessoais e maduras. Aliás, o clima uptempo da maioria das canções esconde a temática cheia de frustrações, culpa e rancor emocional. Sério: você já parou para prestar atenção aos versos de “Meu Erro” e “Ska”? Até a molecagem fazia mais sentido: “Óculos” e a balada “Me Liga” eram (boas) músicas feitas por e para jovens – algo então raro no país. A rigor, quase todas as faixas foram hits em maior ou menor escala, à exceção de “Menino e Menina” e da faixa-título. Entre os sucessos menores, pelo menos uma pérola merecia ter tido maior destaque: “Fui Eu”, um pop certeiro e contundente sobre timidez e platonismo na cidade grande, que fez mais sucesso com o grupo Sempre Livre (com Dulce Quental à frente) do que com os Paralamas. Lulu Santos (com a esposa Scarlet Moon) participa de “Assaltaram a Gramática” enquanto Jotinha Moraes, da RC9 (a banda de Roberto Carlos), fez os teclados de “Óculos”, “Meu Erro” e “Me Liga”, três grandes hits do álbum que, aliados a uma apresentação consagratória na primeira edição do Rock in Rio, em 1985, ampliou a projeção da banda para o resto do país, e à popularidade seguiu-se a busca pela profissionalização das turnês, com a banda levando seu potente show para todo o país.

Sucessos: “Óculos”, “Meu Erro”, “Me Liga”, “Ska”, “Romance Ideal”, “Assaltaram a Gramática”.
Ouça: “Fui Eu”

Selvagem? (1986)

“O futuro do rock é negro”, anunciavam as revistas de música e os cadernos de cultura dos jornais, pegando embalo na revolução proposta por “Selvagem?” – em especial, por “Alagados”, onde uma guitarra africana fazia par com um batuque sambista, amparados por um groove caribenho, tudo adornado pelos vocais de Gilberto Gil. Era um abandono consciente da sisudez inglesa almejada por várias bandas (e incentivada pela crítica) da época. Um acidente de carro sofrido por Barone forçou a banda a dar uma pausa na turnê de “O Passo do Lui”, e isso fez com que Herbert se lançasse na composição com ousadia e introspecção que até então não havia tentado. Outro ponto positivo: sai Marcelo Sussekind e entra Liminha, mais antenado e aberto ao que estava acontecendo na música pop brasileira naquele momento. Deste processo saíram, entre outras, “Alagados” e “A Novidade”, com letra composta (em três horas, segundo se conta) por Gil. Só “There’s a Party” e “A Dama e o Vagabundo” guardavam alguma relação direta com o trabalho anterior. Apesar da menção africana, o que dava o tom maior era a Jamaica, com os toasts de “Melô do Marinheiro” (composição de Bi e Barone, com citação à “Marinheiro Só”), o lovers’ rock da versão de “Você” (de Tim Maia, e que muitos até hoje pensam ser da banda), e os tons dub da espetacular “O Homem” (uma das melhores letras de Herbert) e da pesada “Selvagem”. Aliás, duas faixas – “Melô do Marinheiro” e “Teerã” – teriam versões dub incluídas (no caso da última, exclusiva do cassete original, depois reeditada em CD). A execução maciça ao longo de quase três décadas pode ter diminuído o impacto do álbum, mas não há como negar que ele é um marco no pop brasileiro, e que continua essencial.

Sucessos: “Alagados”, “Melô do Marinheiro”, “Você”, “A Novidade”, “Selvagem”.
Ouça: “Alagados”, “O Homem”, “Selvagem”.

Bora Bora (1988)

Da introdução grave e pesada de “O Beco” (“No beco escuro explode a violência / eu tava preparado”) à dolorida suavidade de “O Fundo do Coração” (“Sou quase feliz / Eu sempre pergunto / Você nunca diz se é assim o amor / sempre por um triz”), dava para saber e sentir, já na primeira audição, que se estava diante de um disco intenso. Produzido por Carlos Savalla em conjunto com o trio, “Bora Bora” levou mais longe a polirritmia de seu antecessor, incorporando ritmos latinos (salsa, calipso, merengue), afro-brasileiros e jamaicanos, numa linguagem que dialogava tanto com o pop elegante do argentino Charly García (que toca piano em “Quase um Segundo”), como com o reggae de britânicos como Aswad e Maxi Priest e as rádios populares do Nordeste. O vinil original separava bem duas facetas do disco: uma dançante, das ruas e algo otimista, e outra íntima e sofisticada. Na primeira, o lado A, a já citada “O Beco”, um reggae pesado com uma trama brilhante de baixo e bateria, vinha acompanhada das guitarradas de “Bundalelê”, do toast à Yellowman de “Don’t Give Me That” (cantada pelo DJ inglês Peter Metro), de um cover do Jackson do Pandeiro (“Um a Um”) e da genial “Sanfona” (“quem sabe um dia / numa rua da Bahia / tudo tenha solução?”), entre outras. No lado B, a barra pesava nas letras, com Herbert Vianna “no fundo do poço”, como ele mesmo declarou, tentando lidar com a dor da separação de Paula Toller. O tema já aparecia na faixa-título, no lado A, mas era no B que a coisa ficava evidente, mesmo que oculta na grandiosidade do arranjo de “Uns Dias” (“eu chorava de amor, e não porque eu sofria / mas você chegou, já era dia e não tava sozinha”) ou na beleza de “Quase Um Segundo”. O instrumental passava a incorporar metais em muitas das faixas, e teclados em todas elas (marcando a entrada de João Fera, agregado ao grupo na turnê do disco anterior), algo que se tornaria quase uma regra na maioria dos discos seguintes. As versões em cassete e CD contam com a faixa bônus “The Can”, uma homenagem ao “verão da lata” (quando latas de maconha invadiram praias do litoral brasileiro, vazadas de um navio italiano) que aproveitava a base de “Don’t Give Me That” e contava com o mesmo Peter Metro tirando onda com a diamba.

Sucessos: “O Beco”, “Quase Um Segundo”, “Uns Dias”.
Ouça: “Uns Dias”, “Sanfona”, “O Beco”.

Big Bang (1989)

“A partir deste disco, chamar o Paralamas de ‘banda de rock’ passaria a ser mera convenção. Ou comodismo”. Assim o jornalista Arthur Dapieve definiu “Big Bang” em seu livro “BRock – O Rock Brasileiro dos Anos 80”. E de fato, a variedade rítmica e harmônica tinha o rock como ingrediente menor, aparecendo bem colocado aqui (na letra e no andamento de “Pólvora”) e ali (no riff e nas voz de “Dos Restos”). Produzido novamente por Carlos Savalla e o trio, e apontando mais para o Nordeste brasileiro do que para a América Latina, “Big Bang” comportava toada (a linda “Se Você Me Quer”), repente (“Rabicho do Cachorro Rabugento”, cantada em pergunta-e-resposta por Bi e Barone), batidas baianas (o hit “Perplexo”) e até a então ascendente axé music (“Jubiabá”, versão do original de Jerônimo). É verdade que, quando a bola baixava, a qualidade descia junto – vide a aborrecida “Lá em Algum Lugar” e a bossa pra turista “Nebulosa do Amor”. Mas “Lanterna dos Afogados”, uma preciosidade, ajudava a perdoar tudo, com o piano de João Fera a conduzir uma melodia tão sombria quanto sensual, pontuada por um belo e econômico solo e fraseios de metais. Usando o agreste para viver sua vocação cosmopolita, os Paralamas entregaram um disco sólido e importantíssimo para, assim como seus dois antecessores, ampliar o leque do pop brasileiro.

Sucessos: “Perplexo”, “Lanterna dos Afogados”.
Ouça: “Pólvora”, “Se Você Me Quer”, “Esqueça o que Te Disseram sobre o Amor”.

Os Grãos (1991)

Discaço – quem hoje escuta “Os Grãos” consegue dizer isso sem medo. Porém, o público não se animou e a crítica (num momento em que queria enterrar o rock nacional oitentista) odiou: diziam ser um “disco solo de Herbert”, e que Bi e Barone eram desperdiçados devido a um suposto egocentrismo do cantor, ou por alheamento voluntário da dupla (dependendo de qual a versão na qual você preferir acreditar). De fato, Herbert assume a frente, chegando inclusive a co-assinar a produção (sob o pseudônimo Teabag V.) com Liminha e Carlos Savalla. Por outro lado, Renato Russo declarava que “este disco dos Paralamas é o mais Paralamas deles”, o que significava, aparentemente, letras mais sentimentais e/ou introspectivas, arranjos mais sofisticados, produção esmerada , influência ostensiva do pop argentino… Daqui saíram dois hits: a versão de “Trac-Trac” (Fito Páez) e a bela “Tendo a Lua” (composta a partir de um bilhete que uma amiga escreveu para Herbert). Mesmo assim, o álbum teve vendagens mais baixas que seus antecessores. Para piorar, saiu na época em que tudo que não era distorcido parecia não interessar ao público roqueiro (1991 foi o ano de “Nevermind”, do Nirvana, e do “Black Album”, do Metallica), e tudo que não era dupla sertaneja tinha pouco ou nenhum espaço em rádio ou TV. Com o passar dos anos, tornou-se um dos preferidos dos fãs mais fiéis, e não há como não sê-lo: entenda porque ouvindo o delicado pop sobre separação “A Outra Rota”, o cruzamento entre Charly García e o soul dos Stones que é “O Rouxinol e a Rosa” (com letra “emprestada” de um conto de Oscar Wilde), o embalo de festa na rua de “Carro Velho” (com a participação de um então pouco conhecido Carlinhos Brown), o aceno ao Gilberto Gil de “Refazenda” em “Vai Valer”, e a jazzy “Trinta Anos”… É verdade que a sequência das faixas não favorecia a fruição (coisas de uma era pré-digital, quando os discos eram escutados tal como eram concebidos), e que ninguém precisava de “Tribunal de Bar”, um mea culpa sobre um vexame público de Herbert Vianna, que subiu trêbado ao palco num show da Midnight Blues Band e, entre outras baixarias, mostrou a bunda para a plateia e caiu em cima de um bolo de aniversário. Mas convenhamos que isso é muito pouco para estragar um disco tão bonito, e que traz em seu meio “Ah, Maria”, canção tão épica quanto esparsa, digna de merecer a designação de obra-prima.

Sucessos: “Trac-Trac”, “Tendo a Lua”.
Ouça: “Ah, Maria”, “A Outra Rota”, “O Rouxinol e a Rosa”.

Severino (1994)

Seu último disco vendeu menos que os outros, o que você faz? No caso dos Paralamas, a resposta foi arriscar ainda mais (e vender ainda menos), combinando Tom Zé, Linton Kwesi Johnson, Brian May e Egberto Gismonti, em carne e osso, no mesmo álbum. Pop na essência, experimental na estética, “Severino” já anunciava sua estranheza no projeto gráfico, que se valia de ilustrações de Artur Bispo do Rosário (que, diagnosticado com esquizofrenia, passou anos em um manicômio) para dar aparência à sua música. Os quatro convidados citados resumem bem a proposta do disco: o lado mais experimental do tropicalismo, os caminhos mais sinuosos do dub, a sofisticação técnica – valorizando o poder da palavra cantada. “Dos Margaritas” e “Vamo Batê Lata” (grandes hits na Argentina), em especial, são notáveis por fazer as palavras circularem reafirmando a melodia. “Músico” hipnotiza com graves e um arranjo quase dissonante, enquanto “Não Me Estrague o Dia” provoca o corpo e pede movimento. Parceria de Herbert com Fito Páez trazendo um solo “estilo Queen” de Brian May, “El Vampiro Bajo el Sol” comove. E falando em versões, fecham o disco duas em espanhol: uma esquisita reinvenção de “Go Back”, dos Titãs, e “Casi un Segundo” – sim, aquela, com Egberto Gismonti ao piano. Ambas refletiam a excelente fase que a banda atravessava no mercado latino-americano, especialmente na Argentina, em oposição à indiferença das rádios brasileiras (ainda que os shows seguissem lotados por aqui). Gravado em Londres e produzido pelo ex-Roxy Music Phil Manzanera, “Severino” tivesse atingido uma sonoridade mais assimilável com um produtor brasileiro o álbum, mas sua bela estranheza merece ser ouvida de qualquer forma.

Sucessos: nenhum (pelo menos no Brasil).
Ouça: “Cagaço”, “Dos Margaritas”, “El Vampiro Bajo el Sol”.

9 Luas (1996)

Se os dois anteriores de estúdio tinham tido vendas decepcionantes, Herbert, Bi e Barone fizeram as pazes com o sucesso de massa através de três hits num EP de quatro faixas que acompanhava o álbum vivo “Vamô Batê Lata”, de 1995 – “Saber Amar”, “Luis Inácio e “Uma Brasileira” – e que serviu de embrião para este grande disco. Renato Russo que nos perdoe, mas este pode ser chamado de “o disco mais Paralamas dos Paralamas” com maior justiça. Produzido novamente por Carlos Savalla e trio, “9 Luas” consolidou a identidade da banda para fãs antigos e novos, e conseguiu isso principalmente ao deixar claro que a banda compunha, mais que nunca, olhando para dentro: de si, de seu país, de seu continente e dos muitos universos sociais onde vivia. Por isso, é sintomático que estejam aqui versões (“De Música Ligeira”, do Soda Stereo, “Lourinha Bombril”, recriação de “Párate y Mira”, de Los Pericos; e “Capitão de Indústria”, de Marcos e Paulo Sergio Valle) e parcerias (“Outra Beleza”, com Lulu Santos; “Um Pequeno Imprevisto”, com Thedy Corrêa; e “O Caroço da Cabeça”, com Nando Reis e Marcelo Fromer, também gravada pelos Titãs no álbum “Domingo”). Elas surgem como uma maneira de transformar o mundo exterior em algo muito próprio. Musicalmente, as cores se multiplicavam, trazendo corais de pastoras, ska acelerado, rock de guitarras, baladas caribenhas e pop sonhador, entre outras coisas. Tematicamente, vinham a sensação de inocência perdida, a inevitabilidade do tédio e do apalermamento na vida adulta, o otimismo e o escapismo dos sonhos, a luta para fazer algo bom com isso tudo. Nesse sentido, “Busca Vida” resume todo o ideário do disco com louvor. Mas pra que resumir? “9 Luas” é uma viagem que, ao contrário de nós, ouvintes, e da própria banda, não envelhece.

Sucessos: “Lourinha Bombril”, “La Bella Luna”, “Capitão de Indústria”, “Busca Vida”.
Ouça: “Capitão de Indústria”, “De Música Ligeira”, “Outra Beleza”, “Busca Vida”.

Hey Na Na (1998)

Com produção de Chico Neves, o nono álbum de estúdio dos Paralamas chegava quando a banda completava 15 anos de carreira. Parecia um bom momento para pensar sobre si mesma a partir da maturidade artística e pessoal conquistada, e assim foi, desde sua abertura: “Por Sempre Andar”, dilacerante ao enunciar os prazeres e alegrias que são perdidos conforme se envelhece, apresentada como um rock intrincado em sua trama de metais, batidas programadas, cozinha “groovada” e guitarras à Santana. Na sequência, “Depois da Queda, o Coice”, um “hit-que-não-foi-mas-poderia-ter-sido”, outro rock, mais suingado, cujo refrão batiza o disco, e que amadurece a proposta de “9 Luas”. “O Trem da Juventude” celebra o novo em formato quase acústico (e com um toque de Beck), e faz bom par com “Brasília 5:31”, sobre o tédio e a melancolia da vida na estrada, e conta com Dado Villa-Lobos na guitarra. O legionário ainda participa do reggaezinho meio sem sal e sem corpo de “O Amor Não Sabe Esperar” (em duo com Marisa Monte) e de “Um Dia Em Provença” enquanto o pop volta a se assumir sem meios-termos na poderosa “Ela Disse Adeus” e a estranheza mostra sua beleza em “Scream Poetry”, última composição inédita de Chico Science, entregada postumamente à banda e aqui musicada como uma “toada schizo”, com direito à voz e ao violino de Jorge Mautner. “Viernes 3 AM” é a transformação roqueira de uma canção jazzística dos argentinos Seru Giran sobre suicídio, e é simplesmente avassaladora. E “Santorini Blues” rivaliza com “Ah, Maria” no quesito obra-prima.

Sucessos: “Ela Disse Adeus”, “O Amor Não Sabe Esperar”.
Ouça: “Scream Poetry”, “Por Sempre Andar”, “Viernes 3 AM”, “Santorini Blues”.

Longo Caminho (2002)

Lançado cerca de um ano após o acidente de ultraleve que deixou Herbert Vianna paraplégico e vitimou sua esposa Lucy Needham, “Longo Caminho” trazia a banda reduzida ao formato trio na maioria das músicas – uma proposta que vinha sendo planejada desde antes da tragédia, tanto que a maior parte das faixas havia sido composta previamente a ela. Resgatando a sonoridade de power trio (com um teclado aqui e ali) que aparecia em “O Passo do Lui” e “Selvagem?”, Herbert, Bi e Barone convocaram Carlo Bartolini para a produção, o guitarrista que gravou alguns dos maiores sucessos do primeiro disco do Ultraje a Rigor nos anos 80, e deixou a banda antes do segundo disco para ir estudar o instrumento nos EUA. Desta forma, o álbum já abre mostrando a que veio com o riff zepelliniano (e a bateria à The Who) de “O Calibre”. Arrepiante, como também era a delicadeza de “Seguindo Estrelas” e seu doloroso clipe, dor que se repetia em “Amor em Vão”. Guitarras falavam alto novamente na lenta “Flores do Deserto” (letra de Marcelo Yuka), na acelerada “Soldado da Paz” (que redimia a piegas versão gravada originalmente pelo Cidade Negra em seu “Acústico MTV”) e na cover de “Running on the Spot”, do The Jam, a única com o naipe de metais. A melodia entre Kinks e Beatles de “Hinckley Pond” fechava o disco e sublinhava que a vida seria, sim, diferente, mas seguiria, com a mesma força e a mesma gana musical de sempre.

Sucessos: “O Calibre”, “Cuide Bem do seu Amor”, “Seguindo Estrelas”.
Ouça: os sucessos, “Soldado da Paz”, “Amor em Vão”, “Running on the Spot”.

Hoje (2005)

Três anos depois de “Longo Caminho” chega o primeiro disco com composições inéditas de Herbert, as primeiras compostas na cadeira de rodas. E a condição de cadeirante é tema de muitas delas, direta ou indiretamente. De uma sinceridade brutal, as letras são sublinhadas por um instrumental encorpado, denso (às vezes denso demais, devido à ousadia de Carlo Bartolini, que divide a produção aqui com Liminha). Aqui os Paralamas soam como uma unidade – não apenas o trio, mas os demais músicos (João Fera, o percussionista Eduardo Lyra, o saxofonista Monteiro Jr. e o trombonista Bidú Cordeiro), todos profundamente entrosados. O clima de união se estende aos convidados. Exemplos perfeitos disso são a grandiosa “Pétalas” (com o violão de Nando Reis, também parceiro na composição), a paulada emocional e rítmica de “Ponto de Vista” (com a guitarra de Andreas Kisser) e o suingue urbano de “Soledad Cidadão / Me Llaman Calle”, com Manu Chao. Quando buscava o pop, acertava em cheio, como se nota em “De Perto”, “Na Pista” (tal qual “Meu Erro”, com o arranjo “feliz” mascarando uma poesia cheia de dor) e a já citada “Pétalas”. Os ritmos jamaicanos eram incorporados a essa nova sonoridade em “Ao Acaso” (que também tinha uma versão dub como bônus) e “2A”. Por outro lado, a faixa-título, “Passo Lento” e a versão de “Deus lhe Pague”, de Chico Buarque (escolhida pelos fãs através de votação na internet) traziam um Paralamas mais sombrios que jamais se escutaria. Um excelente disco, quase ignorado em seu tempo, e que merece uma reavaliação.

Sucessos: “Na Pista”, “De Perto”.
Ouça: os sucessos, “Ponto de Vista”, “Soledad Cidadão”, “Pétalas”

Brasil Afora (2009)

“O disco foi feito sem contrato com gravadora. Com a EMI, tivemos apenas um contrato de distribuição (…). Fomos nós quem bancamos. Eu acho que não vendeu nem 20 mil cópias. É estranho, tem músicas bem pop lá”, declarou João Barone a respeito deste disco em uma exclusiva para o Scream & Yell em 2013. E de fato, os Paralamas não soavam tão radiofônicos desde o EP de estúdio de “Vamo Batê Lata”. Mas onde estavam as rádios em 2009? No mesmo lugar que estão hoje, sem espaço para o que não é popularesco. Assim, desperdiça-se hits como “Meu Sonho”, “Sem Mais Adeus” (Carlinhs Brown e Alain Tavares), “A Lhe Esperar” (de Arnaldo Antunes e Liminha), “Aposte em Mim” (apesar da letra simplesinha) e “El Amor” (regravação de “El Amor Después del Amor”, de Fito Páez), que possivelmente teriam cravado presença nas FMs se lançadas no passado. Apesar disso, não é um disco datado: em produção e em espírito, “Brasil Afora” soa fresco e moderno, e faz um felicíssimo resgate das raízes nordestinas dos Paralamas com “Mormaço” (com o melhor vocal de Herbert em anos, e uma bela participação de Zé Ramalho). Merecem destaque ainda o groove cálido e downtempo (quase psicodélico) de “Tempero Zen” e as guitarras altas da faixa-título (“sendo 100% honesto / eu só sonho em ter acesso / em ter como chegar perto / sem chamar tanta atenção”) e de “Tão Bela”.

Sucessos: nenhum.
Ouça: “Mormaço”, “Sem Mais Adeus”, “Tempero Zen”, “Brasil Afora”.

AO VIVO

Até o acidente de Herbert, os shows eram famosos pelo pique incessante, pela excelência instrumental e pelo repertório imprevisível, que podia conter lados B, recriações, dubs e outros improvisos. “D” (1987), o primeiro registro, não é o melhor exemplo disso: com João Fera recém-incorporado à banda e com o trio sentindo o peso de gravar um disco ao vivo em Montreux, a execução fica um pouco amarrada, e a mixagem embolada tampouco colabora. Apesar disso, contém uma versão de “Alagados” mesclada com “De Frente pro Crime” (João Bosco) que ficou famosa – e a inédita “Será que Vai Chover?”, um reggae rock cheio de graves, também teve boa execução nas rádios (está presente no disco também uma versão em estúdio, bem inferior). “Selvagem?” recebeu citação “Policia”, dos Titãs, e o grupo ainda gravou uma versão de “Charles Anjo 45”, de Jorge Ben. É bom? Sim, mas poderia ter sido muito melhor.

“Vamo Batê Lata” (1995) é “muito melhor”! Reflexo da excelente fase da banda nos palcos, com shows poderosos que podiam superar as três horas de duração, cheios de reinvenções do repertório, covers, citações e muita energia bruta. Quatro faixas de “Severino” apareciam em releituras empolgantes, e duas delas (“Dos Margaritas” e “Vamo Batê Lata”) enfim se tornaram os hits que mereciam sê-lo desde o início. O medley do repertório de Tim Maia, “Você/Gostava Tanto de Você” e a versão de “A Novidade”, que reaproveitava elementos introduzidos por Gilberto Gil em seu “MTV Unplugged”, também mantiveram os Paralamas em alta rotação nas rádios, impulsionando uma inesquecível turnê e abrindo caminho para uma nova fase da banda – caminho esse que já se insinuava no EP de estúdio que vinha junto com o disco, trazendo quatro faixas, das quais três (!) foram hits: a balada “Saber Amar” (novamente com Charly García ao piano), o rap “Luis Inácio (300 Picaretas)” (que rendeu polêmica ao reciclar uma fala de Lula na qual ele dizia haver no Congresso Nacional “300 picaretas com anel de doutor”) e a luminosa “Uma Brasileira”, parceria com Carlinhos Brown cantada a duo com Djavan, estouradaça nas rádios e na então influente MTV.

Não constante na discografia oficial, os Paralamas se juntaram aos Titãs para fazer algo que nem mesmo Humberto Gessinger poderia imaginar: virar uma banda numa propaganda de absorventes. “Sempre Livre Mix –Titãs e Paralamas Juntos ao Vivo” foi fruto de uma ação de marketing da Johnson & Johnson, que patrocinou uma turnê conjunta das duas bandas por 13 cidades do país. A apresentação do Rio de Janeiro virou um CD com oito canções (quatro de cada banda), executadas por ambas em conjunto, mais uma entrevista com elas. A mistura é mais divertida que boa, porém funciona muito bem em “Nem 5 Minutos Guardados” e “Pólvora”. Em 2008, a dobradinha se repetiria, dessa vez de forma “oficial”, em “Paralamas e Titãs – Juntos ao Vivo”. Acredite: o disco do absorvente era melhor… Na verdade, “Paralamas e Titãs…” faz parte da infeliz tendência de mercado para o período pós-2000 no pop brasileiro, em que discos ao vivo rivalizavam (ou superavam) em número os lançamentos de inéditas. Saíram, então, dois discos sob o selo “Multishow ao Vivo”: o ótimo “Brasil Afora” e o previsível “Os Paralamas do Sucesso – 30 Anos”. O primeiro entrega vigor, criatividade, boas participações de Pitty (em “Tendo a Lua”) e Zé Ramalho (numa “Mormaço” mais veloz) e um repertório menos óbvio; o segundo é mais uma coletânea de hits com participação do público, que não traz muitas novidades.

“Rock in Rio ao Vivo – Os Paralamas do Sucesso 1985” foi lançado apenas em 2007, e pega a banda na consagratória apresentação no primeiro grande festival do Brasil. Ao contrário de “D”, tem um som muito bem cuidado, no qual inclusive aparece a limitação do equipamento da banda. Ainda muito influenciada pela new wave, mas já buscando (e dando mostras) de sua identidade, é um registro histórico valoroso, e uma bela fonte de diversão. De curiosidade, a versão de “Inútil”, do Ultraje a Rigor (pivô da antipatia gratuita de Roger Rocha Moreira, que se incomodou – e se incomoda até hoje – por não ter sido citado como autor da canção no palco). No mesmo espírito revisionista, “Legião Urbana e Paralamas Juntos” (2009) resgata um especial que a Rede Globo levou ao ar uma única vez, em 1988, trazendo um concerto das duas bandas no Teatro Fênix (RJ) que culminou com as duas bandas juntas no palco. Bastante recomendável!

Antes destes todos, “Uns Dias ao Vivo” (2004) celebrava a recuperação de Herbert com um repertório bem selecionado de 25 canções, entre grandes sucessos e faixas menos conhecidas, mas dignas de estarem na festa. Porém, o entra-e-sai de convidados (nove ao todo, de Gustavo Black Alien a Edgard Scandurra) e o fato de que Herbert ainda estava se readaptando aos palcos deixa o disco com um valor mais sentimental que artístico. Se é para celebrar o presente, o já citado “Multishow ao Vivo: Brasil Afora” é uma festa mais animada e duradoura.

ACÚSTICO

A edição presente na caixa limou o “MTV” do nome, mas o disco existe por causa do programa da emissora. Na época (2000), o formato acústico já dava sinais de desgaste, mas mantinha sua fama de “revitalizador de carreiras” (ou “ressuscitador”, diriam os mais maldosos). Nem tanto o céu nem tanto a Terra: a carreira dos Paralamas, embora não estourada, estava longe de estar mal, assim como o disco não teve a repercussão massiva que tiveram iniciativas semelhantes assinadas por Titãs e Capital Inicial. Fugindo da obviedade no repertório e nos arranjos, que privilegiavam os metais e a percussão, os Paralamas entregaram um disco econômico, bonito, que está em sintonia com o resto de sua discografia e se sustenta independentemente de tendências ou apresentações gravadas em vídeo. É verdade que a mixagem e a masterização têm pecados: o produto final soa alto, quase saturado, com vozes muito à frente. Porém, não dá pra chiar depois de ouvir a renovação operada em “Vai Valer”, com os sopros substituindo as cordas; ou a transformação de “Meu Erro” em uma balada jazzy, adequadamente interpretada por Zizi Possi (a única convidada da empreitada– o legionário Dado Villa-Lobos seria incorporado à banda para este disco e a subsequente turnê). Havia novidades de monte: a balada pop “Um Amor, Um Lugar” (composição de Herbert gravada primeiro por Fernanda Abreu), covers impecáveis de Beto Guedes (“Feira Moderna”), Chico Science (“Manguetown”) e Talking Heads (uma “Life During Wartime” que supera a original), a salsa urbana “Sincero Breu” (que Pedro Luis entregou, inédita, â banda), versões corretas de Tim Maia e Legião Urbana (“Que País É Este?” viraria hit, assim como a da Nação Zumbi) e muitas faixas esquecidas na discografia da banda, a maior parte delas bem recriada (“Vulcão Dub” introduzindo “Fui Eu”, “Bora Bora”, “Navegar Impreciso”, entre outras). Não fosse a produção e a sequência esquisita das faixas, que não flui bem, seria um clássico.

COMPILAÇÕES

São três as coletâneas oficiais dos Paralamas do Sucesso: “Arquivo” foi lançada em 1990 e era uma festa dos hits da primeira fase (até “Big Bang”), incluindo ainda duas inéditas: a fenomenal “Caleidoscópio” (composta originalmente para Dulce Quental) e “Vital e sua Moto (Versão 90)”, em que o primeiro hit era despido dos elementos que tanto incomodavam a banda em seu primeiro registro. Ambas acabaram por se tornar grandes hits também. Já “Arquivo II” era mais modesto na seleção (apenas 12 faixas) e privilegiava baladas românticas – inclusive as faixas inéditas, “Aonde Quer que Eu Vá” e “Mensagem de Amor (2000)”, se encaixavam neste rótulo. A ausência de “Capitão de Indústria”, de qualquer faixa de “Severino” ou dos hits ao vivo de “Vamo Batê Lata” é injustificável. “Arquivo 3“ foi lançado em 2010 e contém músicas de todos os álbuns lançados entre 2001 e 2010, sendo o primeiro “Arquivo” a não conter músicas inéditas ou regravações (exceto uma versão ao vivo de “Selvagem”). Há ainda os dois volumes da “Perfil”, série de coletâneas-padrão lançada pelo Som Livre, mas não constam da discografia oficial.

1982 – 2015 é a caixa lançada em 2015 (e que deveria ter saído em 2013) com 18 relançamentos (o ao vivo comemorativo dos 30 anos ficou de fora) e mais dois CDs que compilam material raro. O primeiro deles junta material tirado dos discos que a banda gravou em espanhol: “Severino” (com o título “Dos Margaritas”) “9 Luas” e “Hey Na Na” tiveram versões diferentes para o mercado latino, com outras capas e algumas canções vertidas para o idioma dos Hermanos.

Além disso, em 1992 lançaram uma coletânea em que regravavam, com letras mal vertidas para o espanhol e Herbert ainda desconfortável no idioma, seus maiores sucessos. Desta caixa, o disquinho “Paralamas en Español” faz um apanhado justo desse material todo, e ainda traz duas covers inéditas: “Que me Pisen” (do Sumo) e “Hablando a Tu Corazón” (Charly García), gravadas especialmente para a ocasião. Entre as ausências, “Ella Dice Adios” e “Una Brasilera” fazem falta, mas vale prestar atenção na comicidade de “Cancion Del Marinero”, no arrepiante acento Motown acrescido em “Inundados” e na homenagem a Charly Garcia em “Dos Margaritas” (que entra na letra no lugar de Vital).

Já “Raridades” faz jus ao nome, tomando faixas de tributos, programas de TV (como a poderosa parceria com a Legião Urbana em “Ainda é Cedo”, com citação de “Jumpin’ Jack Flash”, dos Stones) e participações em outros discos (de Lulu Santos, Ira!, Gilberto Gil e outros), além das faixas exclusivas do dois “Arquivo”. Um brinde precioso aos fãs, com ótimas versões de Jorge Ben, Djavan e Wilson Simonal, entre outros. Mas poderiam ter incluído “Rap de las Hormigas” (presente em “Parte de la Religión”, álbum de Charly García), “Brasileiro em Tóquio” (no “É Tudo 1 Real”, de Pedro Luis e a Parede) e “Ai Quem Me Dera a Mim Rolar Contigo Num Palheiro” (do tributo ao músico português Rui Veloso). Não se pode ter tudo…

HERBERT VIANNA SOLO E CURIOSIDADES

Bi Ribeiro e João Barone são “autossatisfatórios”, nas palavras deste último. Mesmo assim, não negam convites para tocar em discos de amigos, ou mesmo produzi-los (Barone pilotou a mesa em discos de Los Djangos, sua esposa Katia B e até Supla, entre outros). Porém, nenhum dos dois gravou algo, fosse sob seus próprios nomes ou travestidos como projeto paralelo.

Juntos, os três foram banda de apoio de Eduardo Dusek no lado A (o lado brega) do cult “Brega e Chique”, de 1984. Não só: Herbert cedeu duas músicas suas inéditas para Dusek, as ótimas “Recebi seu Bilhetinho” e “O Crápula”, esta última registrada ao vivo com os Paralamas no episódio “Hoje é Dia de Rock”, da série Armação Ilimitada, cuja trama focava no sumiço de sua guitarra. Sem seu instrumento, Herbert é flagrado (com os outros Paralamas) tocando música brega (“O Crápula”) numa churrascaria. Além das duas, os Paralamas acompanham Dusek em “Maldito Dinheiro” (sobre uma professora que se prostituia) e “Oh! My Darling Bezerrão”, hino vegetariano dos Miquinhos Amestrados (Leo Jaime, Claudio Killer e Selvagem Big Abreu) sobre um rapaz que vê em um bezerro, que será assado pelo pai, um “amigo de ouro”.

Outra curiosidade: “So Lonely” é uma canção do Police lançada no álbum “Outlandos d’Amour”, de 1978. A versão “Solange” (“homenagem” a uma famosa censora federal), assinada por Leo Jaime e Leoni, aparece no álbum “Sessão da Tarde”, lançado por Leo Jaime em 1985. “Solange” traz Herbert Vianna na guitarra, Bi Ribeiro no baixo, João Barone na bateria e o então casal Leoni e Paula Toller nos backings…

Herbert, por sua vez, tem quatro álbuns solo. “Ê Batumaré” (1992), com seus acenos a Tom Zé, João Cabral de Mello Neto e Television, é praticamente um ensaio para “Severino” – e portanto, muito bom (procure as canções “A Nova Cruz”, Lição de Astronomia” e “Mobral”, está última com citação de Zé Ramalho. “Santorini Blues” (1997) recupera canções que ele fez para os Paralamas e para outros artistas (como “Speed Racer”, gravada por Fernanda Abreu), além de covers de Eric Clapton (“Annie”, do disco gravado por Pete Townshend e Ronnie Lane) e Fito Páez (“Por Siete Vidas”) – tudo registrado ao violão (tem uma guitarra aqui, um piano ali e uma percussão acolá). Soa aborrecido, mas na verdade é um disco belíssimo, tão viciante quanto subestimado.

“O Som do Sim” (2000) era colaborativo: feito com uma penca de músicos e cantores convidados, traz momentos inspirados (“Mr. Scarecrow”, em dueto com Cássia Eller, “Partir, Andar”, com Zélia Duncan, e “O Muro”, com Black Alien), mas carece de organicidade. “Victoria” (2012) podia ser um “Santorini Blues volume 2”, já que o conceito é parecido, mas o resultado não encanta na mesma proporção: parece apressado em seus andamentos, quase atropelando a melodia e a duração natural de algumas canções. Assim, se misturam excelentes oportunidades desperdiçadas (“Nada por Mim” e “Junto ao Mar” mereciam mais cuidado) com surpresas (“Se Eu Não te Amasse Tanto Assim”, despida da grandiloquência de Ivete Sangalo, é uma pérola). Como “D”, um disco bom que ficou aquém de seu potencial.

VÍDEOS

Quase todos os álbuns ao vivo do Paralamas tiveram sua versão em vídeo: “D” foi lançado em VHS com a apropriada renomeação “V – O Vídeo”, hoje indisponível. “Vamo Batê Lata” não só é tão bom quanto o CD como traz ainda faixas bônus: “Cagaço” (com “Heroína”, do Sumo, citada no meio) e “Navegar Impreciso”, além de um trechinho de “Whole Lotta Love”, do Led Zeppelin. Outros registros do tipo são os DVDs de “Acústico”, “Uns Dias ao Vivo”, “Rock in Rio ao Vivo –Os Paralamas do Sucesso 1985”, “Legião Urbana e Paralamas Juntos”, “Paralamas e Titãs Juntos ao Vivo” e” Multishow ao Vivo – Brasil Afora”, sem maiores surpresas. O DVD com a Legião, aliás, peca em oferecer extras apenas simpáticos (clipes, aparições em playback no programa Globo de Ouro) em vez de resgatar coisas que apareciam apenas em trechos no programa original, como “Purple Haze” (de Jimi Hendrix), “The Song Remains the Same” (Led Zeppelin) e “Get Back” (Beatles), além de faixas executadas durante os ensaios. “Longo Caminho” e “Hoje” viraram DVDs. O primeiro tem tom documental, e mistura entrevista a trechos de gravações e ensaios para o disco homônimo. O segundo pega a banda ao vivo em estúdio, sem firulas, executando na ordem as faixas do disco de 2006, mais versões renovadas de “Busca Vida” (mais “rockificada”) e “O Muro” (do disco solo de Herbert, “O Som do Sim”), formando uma apresentação poderosa. Há ainda “Arquivo de Imagens”, que compila todos os clipes lançados até 2003. Por fim, dois itens que vale muito ir atrás: o documentário dolorido “Herbert de Perto”, de Pedro Bronz, lançado em 2008 (com alguns momentos delicadíssimos) e um filme para a TV feito em 1998, “Paralamas em Close Up”, que pode ser assistido abaixo, e soa como um documentário sobre a geração 80 do rock brasileiro.

DUAS LISTAS

Considerando o impacto para a época em que foram lançados, as circunstâncias para a banda e também o inevitável passar do tempo, elaboramos uma lista dos discos por relevância, o que também serviria como um guia para aqueles que querem mergulhar fundo na obra dos Paralamas. Logo abaixo, a lista de discos favoritos do autor.

POR ONDE COMEÇAR
1) Selvagem?
2) Bora Bora
3) Severino
4) Nove Luas
5) O Passo do Lui
6) Vamo Batê Lata
7) Longo Caminho
8 ) Os Grãos
9) Hoje
10) Brasil Afora
11) Big Bang
12) Hey Na Na
13) Cinema Mudo
14) D

OS FAVORITOS DO AUTOR
1) Hey Na Na
2) Hoje
3) Selvagem?
4) Bora Bora
5) Nove Luas
6) Vamo Batê Lata
7) Big Bang
8 ) O Passo do Lui
9) Os Grãos
10) Longo Caminho
11) Severino
12) Brasil Afora
13) D
14) Cinema Mudo

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– João Barone: “É lógico que a gente já quebrou o pau algumas vezes” (aqui)
– Herbert Vianna apoia o projeto “Somos Todos Latinos” (aqui)
– “Brasil Afora” mostra um Paralamas inspirado e inspirando-se (aqui)
– “Legião Urbana e Paralamas Juntos” é retrato exemplar de época (aqui)
– Raridades dos Paralamas do Sucesso chegam na web (aqui)
– “De Musica Ligeira”: Soda Stereo, Paralamas e Capital Inicial (aqui)
– Especial: Herbert Vianna encontra Mestre Vieira (aqui)

Outras discografias comentadas
– Discografia comentada: Pin Ups, por Richard Cruz (aqui)
– Discografia comentada: Ramones, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Discografia comentada: The Clash, por Marcelo Costa (aqui)
– Discografia comentada: Sinéad O’Connor, por Renan Guerra (aqui)
– Discografia comentada: Babasonicos, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Discografia comentada: Suede, por Eduardo Palandi (aqui)
– Discografia comentada: Alanis Morissette, por Renata Arruda (aqui)
– Discografia comentada: Pato Fu, por Tiago Agostini (aqui)
– Discografia comentada: Mogwai, por Elson Barbosa (aqui)
– Discografia comentada: Wander Wildner, por Marcelo Costa (aqui)
– Discografia comentada: Foo Fighters, por Tomaz de Alvarenga (aqui)
– Discografia comentada: Morrissey, por Marcelo Costa (aqui)
– Discografia comentada: Bob Dylan, por Gabriel Innocentini (aqui)
– Discografia comentada: Paul McCartney, por Wilson Farina (aqui)
– Discografia comentada: Elvis Costello, por Marco Antonio Bart (aqui)
– Discografia comentada: Echo and The Bunnymen, por Marcelo Costa (aqui)
– Discografia comentada: The Cure, por Samuel Martins (aqui)
– Discografia comentada: Leonard Cohen, por Julio Costello (aqui)
– Discografia comentada: Midnight Oil, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Discografia comentada: Nick Cave, por Leonardo Vinhas (aqui)

28 thoughts on “Discografia: Os Paralamas do Sucesso

  1. Parabéns. Merecida essa discografia comentada do Paralamas. Para mim o melhor album dos anos 80, não só do Paralamas, é o Selvagem e a melhor música Alagados.

  2. Caro Leonardo,

    Obrigado por este texto, um dos mais completos e bem escritos sobre a carreira paralâmica.No entanto, permitar uma única incorreção no mesmo, na citação da letra de Sanfona. O correto seria:”Quem sabe algum dia / Numa rua da Bahia / Tudo tenha solução” na primeira parte da letra e “Quem sabe algum dia / Numa praça da Bahia / Nada mais esteja mal” na parte final.

    Abraço !!!

  3. Cap Troz e Rodrigo Barbosa Melo, obrigado pelos comentários. Especial agradecimento ao Rodrigo pela correção.

  4. Otima materia, sou muito fã da banda mas so tenho 5 discos deles: Bora Bora, Passo do Lui, Selvagem, Severino e Longo Caminho, tenho tbm dois Arqeuivos, mas vou ver se pego os outros tbm.

    Seria legal notas pros albums pra se situar, mas vc tbm fez uma lista então ta valendo.

  5. Gostei do texto,muito bom.Eu fiquei pensando aqui,que tava faltando na minha opinião um Discografia Comentada dos Titãs,visto do sucesso de publico e critica do Nheengatu.Mas,tudo bem,não se pode ter tudo,hehe.Eu gostei,achei que tava faltando algo dos Paralamas mesmo,só alguns adendos:

    1)Dos Margaritas chegou,sim,a tocar em rádio.Quando morei em SP,ouvia sempre na 89 e outras quando pequeno.Aliás,foi uma das primeiras musicas que ouvi da banda.

    2)Poderia ter dito que “Luiz Inácio(e os 300 picaretas) chegou a ser censurada em rádios,sendo um dos ultimos casos de censura a discos e execuções no Brasil.

    3)Realmente faltou notas nos discos,seria uma boa pedida pra quem gostaria de acompanhar melhor porque justamente pode se acompanhar nessa ordem de pontuações.Ficaria mais divertido e interessante.

    De resto é uma boa escavação e matéria.Gostei muito 😀

  6. Fernando, “Dos Margaritas” e “Cagaço” chegaram a tocar, mas não emplacaram. “Dos Margaritas”, como disse no texto, só virou hit na versão do “Vamo Batê Lata”.

    “Luiz Inácio” gerou polêmica, teve um pedido de censura, mas não chegou a ser deferido. De qualquer maneira, é algo que eu poderia ter incluído. Limei algumas informações – como essa e outras – na edição final porque o texto já estava enorme! (rs) Mas fico feliz em ver que texto grande não é problema para muita gente.

    Sobre as notas: sei que tem muita gente que gosta, e eu até tinha colocado, mas no fim, sempre sinto que elas são injustas. Além disso, muita gente olha só a nota e não lê o texto, e sentimos, eu e o Marcelo (que colaborou bastante com este texto, mesmo não tendo colocado o merecido crédito), que no fim minhas notas não estavam de acordo nem mesmo com as opiniões expressas no texto, e aí foi melhor deixá-las de fora e substitui-las pelas listas.

    No mais, obrigado pelos apontamentos e pelos elogios.

  7. Cleber, eu gosto muito do “Bora Bora” inteiro, e o lado B tem um força incrível, mas, assim como você, curto muito a estranheza do “Severino”

  8. Na opinião pessoal de vocês, Leo Vinhas e Mac, dá pra afirmar que Bi e Barone é a melhor cozinha do rock pop nacional? Os caras são monstros, o Vamo Bate lata ao vivo é uma aula de groove.

  9. Sempre acho uma temeridade essa história de “melhor”, Cap Troz, mas digamos que eu teria muitos problemas para desmentir tal afirmação… Eu voltei a vê-los de novo ao vivo em abril, e saí de queixo caído, como de todas as outras vezes.

    O que posso te dizer é que, sem qualquer demérito ao Herbert, sonho com o dia em que Bi e Barone decidam gravar um disco de dub, e chamem vários convidados para cada faixa, à la Sly & Robbie. Podiam convidar quem quiserem, mas o Lucio Maia obrigatoriamente teria que estar em uma faixa…

  10. Marcel, a gente conversou bastante sobre as notas, porque ficamos com receio dos leitores se concentrarem nelas e esquecerem do texto, que pra gente é o mais importante. Dai decidimos sair com esse modelo de “Por Onde Começar” (que é quase um guia de notas) e “Favoritos” para dar uma certa base para quem lê.

  11. Muito completa a discografia, parabéns! Mas da próxima voltem com as notas, por favor!

    Sobre “Luiz Inácio”, se não me engano os Paralamas não puderam tocá-la num show em Brasília por uma ordem judicial. A polêmica nasceu aí.

  12. É verdade, Vinicius. A canção nem estava no set list, mas um deputado conseguiu proibir a execução dela no tal show de Brasília. Com a pendenga judicial se arrastando, só em 1995 se definiu que a canção poderia ser executada em shows, mas não nas rádios – o que não impediu as FMs de tocarem. Acabou sendo mais um dos (muitos) hits do “Vamo Batê Lata”.

    Curiosamente, em 2003 os Paralamas foram ao Congresso em 2003 a convite do então presidente Luis Inácio, e tocaram um trecho da canção ali mesmo, hehe.

  13. Há um bom tempo atrás eu achava que ” Capitão de Industria”, era do Paralamas, depois descobri que era do Marcos Valle!!!, Selvagem e um dos meus preferidos do pop/rock nacional.

  14. Quero parabenizá-lo e agradecer por essa matéria…. Estou (re)descobrindo essas bandas de rock que começaram nos anos 80. Nasci em 81 e na minha adolescencia eu caí nas graças do rap e em seguida do eletrônico.Conhecia apenas os hits dessas bandas mas esse ano comecei a me aprofundar na Legião e agora estou na viagem de paralamas e titãs… Aliás, uma discografia comentada de Titãs seria fantástico !
    obrigado !

    1. Olha, Fabio, eu já pensei em escrever uma dos Titãs, mas essas discografias comentadas consomem – sem exagero – meses de pesquisa. Mas pode ter certeza que estou com isso na cabeça. Obrigado pelas palavras e pela sugestão!

Deixe um comentário para Paulo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.