por Marcelo Costa
Os três primeiros textos foram escritos para o Scream & Yell em papel, março de 2000
“Délica”, 1985
O disco de estreia solo de Dulce Quental exibe uma personalidade diversificada. Convivem neste vinil uma abertura hendrixiana (“Délica”), bossa nova (“Pra Nós” e “Bossa de Bayard”), blues (“Diferentes”) e pop songs como “Natureza Humana”, hit radiofônico de Michael Jackson excelentemente traduzido pelos irmãos Jorge e Waly Salomão. Entre os destaques ainda estão a versão leve e deliciosa de “Pros Que Estão em Casa” (clássico underground do Hojerizah com Flávio Murrah na guitarra), o blues “Diferentes” (parceria de Branco Mello e Ciro Pessoa com Branco no baixo, Tony Belloto na guitarra e Charles Gavin na bateria), a participação de João Donato (em “Pra Nós” e “Bossa de Bayard”) e o dueto com Cazuza (acompanhado dos Ronaldos) em “Tudo é Mais”, que diz “no fundo o que eu quero é ser amado”. Todos nós.
“Voz Azul”, 1987
A mudança de tom já percebida na arte de divulgação do disco que trazia uma frase famosa de Nietzsche: “Quem ama o abismo precisa ter asas”. Apoiada em músicos produtores de peso (Herbert Vianna, Celso Fonseca e Mayrton Bahia), Dulce lança seu melhor trabalho solo. De Herbert ela ganhou o sucesso “Caleidoscópio” (que depois ganhou uma versão bluesy do Paralamas). Celso Fonseca lhe deu a roqueira “Stoned”, mas os destaques são as composições da própria cantora: “Voz Azul”, que abre o disco, é delicada e mágica, atestando que “quem canta o blues não tem nada a perder, de quem canta o blues nada pode ser tirado”. Também soam inspiradas “Não Atirem no Pianista” e “Luz e Sombras”. De Beto Fae e Aldo Meolla vêm o outro sucesso do disco, “Viver”, mas a navalhada se chama “Essa Gravação Se Auto Destruirá em 5 Segundos”, de Marcelo Ramer, em que a espera pelo telefone, que não toca, enlouquece.
“Dulce Quental”, 1988
A produção, por vezes forçada, tenta tirar o brilho e a beleza de algumas canções, em vão. Assim, pequenas pérolas surgem desambientadas, teimosamente belas. A primeira grande diferença é que Dulce assina menos canções, focando mais no lado interprete. “Onde Mora o Amor?”, de Frejat e Arnaldo Antunes, traz teclados demais, mas é uma ótima canção. Os parceiros Fae/Meolla surgem com “Qualquer Lugar do Mundo”, uma canção movida a brisa. “Terra de Gigantes”, dos Engenheiros do Hawaii, aparece com arranjo modificado, e linda. “Quinze Minutos”, de Cecelo, defende que esse é o tempo necessário para provar um amor. Talvez. Há ainda versões para canções de Itamar Assumpção (“Mulher Dividida”) e Arrigo Barnabé (“Numa Praia do Brasil”), mas a navalha ficou nas mãos de Cazuza: “A Inocência do Prazer” (parceria com George Israel) chegou a ser gravada pelo bardo nas sessões do álbum “Burguesia”, mas o resultado ficou aquém do esperado. Na bela versão de Dulce a poesia flui entre olhos molhados e novos amores. Fim do verão tropical.
“Beleza Roubada”, 2004
Quebrando um silêncio de 16 anos surge “Beleza Roubada”, um álbum suave que privilegia a bossa embalada por batidas eletrônicas, maresia de Ipanema, cinema e literatura. “Capuccino” abre o disco resumindo em seu refrão que “somos pó e chantilly, creme e café, chocolate e canela”. A faixa título flagra Dulce filosofando que existem coisas que não podem ser aprendidas nas páginas dos livros, nem de Foucault, nem de Shakespeare. Há parcerias com Paulinho Moska (“Bordados de Psicodélia” e “Fino e Invisível”) e Frejat: “No Topo do Mundo” havia aparecido em versão roqueira no disco “Puro Êxtase”, do Barão Vermelho, e “Conferência Sobre o Nada” é uma parceria antiga, porém inédita, que no disco conta com “participação especial” de Allen Ginsberg recitando “Nota de Pé de Página para Uivo” – Fernando Sabino lê trecho de “O Grande Mentecapto”, com acompanhamento de Francis Hime, ao fim da melodia de “O Escritor”. “Quando” foi gravada em 2001 para a coletânea “Para Sempre” e traz belos achados poéticos.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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