Bruno Honda e a Turma da Monica Toy

por Leonardo Vinhas

Uma menina nervosinha de vestido vermelho é alvo de trotes, zombarias e brincadeiras de seu amiguinho de escassos cabelos espetados; irritada, ela se vinga dele usando um coelho de pelúcia como instrumento de vingança, punição agravada pelo fato de a garotinha ter uma força descomunal. Você conhece essa história, claro – provavelmente, cresceu lendo variações dela. Mas provavelmente não lê mais porque, ao contrário do que acontecia há umas décadas (o tempo passa, você sabe), o foco exclusivamente infantil (e não mais infanto-juvenil) e o excesso de correção política dificultam demais a leitura para quem não se manteve infantilizado.

Porém, uma geração de adultos parecia sentir falta daquelas crianças que brincavam muito nas ruas do bairro do Limoeiro, entre provocações, pichações, xingamentos e coelhadas. E foi a partir dessa ausência que a Mauricio de Sousa Produções lançou duas iniciativas de sucesso: as séries “MSP 50” e “Graphic MSP”, em que artistas “de fora” dão sua leitura dos personagens de Mauricio. Bruno Honda Leite, designer-chefe da Maurício de Sousa Produções, é o responsável pela criação dessa versão Toy. Ele a havia criado como um projeto pessoal, antes mesmo de trabalhar na MSP. Contratado, passou a elaborar melhor o conceito com uma equipe ao resultado que se vê no YouTube.

Temos, então, os quatro personagens fundamentais da Turma – Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali – desenhados num traço que mescla o estilo chibi nipônico com toy art. Assim eles estrelam animações de meio minuto que circulam em seu canal oficial no YouTube, cujas visualizações somavam mais de 6,5 milhões no início de abril (isso sem contar os usuários que postam em seus próprios canais). Nos episódios, voltam as características originais dos personagens: o Cebolinha é terrivelmente sacana, Cascão foge da água como os políticos da verdade, Magali come muito e sem culpa, e Mônica é geniosa e briguenta – além de baixinha, gorducha e dentuça, claro, mas também cabeçuda, como os demais.

José Marcio Nicolosi, diretor artístico do Departamento de Animação da MSP, foi parceiro de Bruno Honda Leite na elaboração do conceito. Em sua opinião, o sucesso da Turma da Mônica Toy é “pelo visual diferente de uma turminha já muito famosa, que foge inocentemente de forma criativa e bem humorada do politicamente correto”. Além de dirigir a produção dos episódios, Nicolosi foi o responsável por criar outra característica divertida e cativante das animações: os sons onomatopeicos que pontuam as ações dos personagens. Inicialmente, eram apenas marcação para os animadores, mas Honda Leite achou o resultado tão perfeito que defendeu que a sonorização final fosse daquela forma. Tornou-se um hit perfeito, mesmo sem melodia. Ou nas palavras do próprio Nicolosi, ”são ‘partituras’ de uma minissinfonia de passos, corridas, gritos, coelhadas, beijos etc”.

O Scream & Yell conversou com exclusividade com Bruno Honda Leite para conhecer melhor a gênese dessa nova versão de velhos conhecidos, que nasceu tão simpática e bem-sucedida que já dá mostras de que vai perdurar por muito tempo – talvez tanto quanto a versão “tradicional”. E mais que isso, o papo serve para lembrar o quanto é fundamental saber se reinventar quando se fala de criação artística, do quanto ela é capaz de se manter atual e também financeiramente viável.

Podemos dizer que a Turma da Monica Toy é uma “volta às raízes”, recuperando o quarteto central de personagens e suas características essenciais?
Acho que o ponto principal dessa pergunta é também o ponto crucial da estratégia de Mônica Toy. Quando planejamos a série animada, o principal objetivo era criar um conteúdo de entretenimento que agradasse diretamente jovens e adolescentes. Estávamos nas mentes e corações de brasileiros de zero a 100 anos, mas produzíamos, basicamente, conteúdo para o público infantil (com toda a responsabilidade que é dever inerente a essa produção). Mônica Toy foi um belo desafio, porque não queríamos alcançar apenas os fãs que já liam nossos gibis, mas os adultos que um dia se relacionaram com nossos personagens e que ainda não tiveram filhos para compartilhar o gosto pela Turminha. E ainda mais: queríamos também atingir um público que em geral é completamente avesso a personagens, os adolescentes. Depois que chegamos em um formato que consideramos promissor, foi a hora de colher as vantagens de conversar com um público mais velho: menos amarras e mais liberdade. Por isso, uma das primeiras decisões foi a de abolir o quadrinho do ‘POF’, que esconde as coelhadas. Em Mônica Toy, o Cebolinha é encoelhado de verdade, em full HD e até câmera lenta, como acontece em alguns episódios.

Existe alguma chance de vermos outros personagens nessa terceira temporada, ou nas novas que virão? Por ora, só vimos o Bidu e o Mauricio, em participações especiais…
Em 2015, o seu Mauricio completa 80 anos de vida, então já posso adiantar que teremos um episódio especial sobre ele. E também posso dizer que já desenhamos, em versão Toy, mais alguns personagens que não fazem parte da Turma do bairro do Limoeiro. Mas ainda não dá para falar quem são, vai estragar toda a surpresa.

Com o alto custo da produção de longas para a TV, e com a crescente redução dos números de venda e faturamento no mercado de quadrinhos, a internet é uma aposta forte para as criações e os negócios da MSP, ou é melhor não se empolgar tanto com as possibilidades digitais?
Ao longo da minha carreira, sempre acreditei que o entretenimento sempre encontra seu caminho. É como a água, que descobre um lugar para vazar. Hoje, sabemos que há muito mais pontos de contato do que veículos tradicionais. Nas últimas duas décadas, com a internet e avanço de tecnologia, houve uma explosão que borrifou novos pontos de contato em praticamente todos os lugares. Para cada um desses pontos, existe uma solução para criação e exibição de conteúdo de entretenimento. Dê para mim 2.000 páginas, dou-lhe uma odisseia. Dê-me o verso de uma figurinha de chicle, dou-lhe um haikai. Dê-me 30 segundos na fila do banco, dou-lhe um episódio de Mônica Toy. A vantagem de se trabalhar com um universo tão rico de personagens, com construção tão vívida, é que eles (os personagens) nos apresentam soluções para cada formato maluco inventado. Assim, quando estamos criando novos conteúdos, já pensamos diretamente em quantas maneiras e formatos podem ser compartilhados. Praticamente tudo que é pensado, é para funcionar multimeios, porque o mundo é multimeio. Pode-se, inclusive, adaptar nossos mais de 50 anos de conteúdo, mas é função nossa pensar assim em tudo que é criado de novo. Mônica Toy é um bom exemplo. Queríamos uma Turminha que agradasse adultos e adolescentes, certo? Para atingi-los, adiantaria apostar em uma série tradicional, com programas de meia hora, para ser exibida em um canal? A maioria de adultos e adolescentes não se relaciona com esse formato (exceto os adultos que já são fãs de desenhos animados e os papais e mamães que assistem por inércia com os filhos). Assim, pensamos em um formato de desenho animado que pudesse ser assistido a qualquer hora, em qualquer lugar. E sem diálogos, para não competir com o barulho do ônibus ou do aspirador e, também, para ter internacionalização quase que instantânea. Com esse raciocínio, o espaço de manobra da criação de conteúdos aumenta consideravelmente na hora de veicular e, consequentemente, na hora de buscar o retorno do dimdim. O grande desafio, aqui, é manter os episódios em alto nível, já que o briefing é bem específico. Mas essa é a parte que a Mauricio de Sousa Produções faz muito bem, obrigado! Se o mundo migrou para dentro da janelinha (ou melhor, a barreira entre o físico e virtual é cada vez mais abstrata), nada mais natural que aproveitemos esse visto permanente lá e cá. Nossos maiores investimentos nos últimos anos foram olhando para o mundo virtual e o resultado é que, nos últimos três anos, lançamos um novo portal, canais oficiais no YouTube, mídias sociais que produzem entretenimento, jogos para mobile e, recentemente, um leitor de HQs especial da Turma da Mônica, cujo objetivo é ter grande parte de nosso acervo disponível por uma assinatura mais que justa (se o dólar deixar, né?). Nós, sinceramente, estamos empolgados com os resultados.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Entrevista: Sidney Gusman -> “Tem quadrinho para todos os públicos”.  (aqui)
– Três perguntas: Gustavo Duarte -> “Temos que criar o costume da leitura aqui” (aqui)
– Vitor Caffagi: “Me identifico com Charlie Brown, Peter Parker e Rocky Balboa” (aqui)
– Entrevista: Estevão Ribeiro -> “Estamos deixando o amadorismo de lado” (aqui)
– Olavo Rocha fala sobre a HQ “Cidade das Águas” (aqui)
– Três HQs: “Vingança”, “Casanova: Gula” e “Justiceiro MAX: Mercenário” (aqui)
– “Astronauta – Magnetar”, de Danilo Beyruth, conquista pelo traço detalhista (aqui)
– “Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, faz releitura emocional e delicada (aqui)
– “MSP Ouro da Casa”: personagens de Maurício de Sousa ganham releitura (aqui)
– Três HQs: “Happy”, “Astronauta: Singularidade” e “Sandman” (aqui)

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