Três livros: Ellis, Alonso, McEwan

por Adriano Costa

“Máquina de Armas”, de Warren Ellis (Editora Novo Século / Omelete)
John Tallow é um detetive meio cansado de tudo. Não exibe o idealismo e nem a audácia de quando entrou para o Departamento de Polícia de Nova York preferindo ignorar maiores complicações nas ruas. Sua vida social é praticamente inexistente. Esse cenário muda quando seu parceiro recebe um tiro na cabeça e morre. No chamado que causou o assassinato, os dois policiais se depararam com um homem nu e transtornado, portando a espingarda que disparou o tiro fatal, sendo logo após alvejado pelo detetive sobrevivente e morrendo. Na sequência, Tallow invade um dos apartamentos encontrando uma imensidão de armas espalhadas por todos os cantos. Esse é o mote inicial de “Máquina de Armas” (“Gun Machine”, no original, 2013), primeiro livro do britânico Warren Ellis a ser publicado no Brasil. O thriller policial com generosas quantias de suspense tem lançamento pela Editora Novo Século (em parceria com o site Omelete), 312 páginas e tradução de Cinthia Alencar. O escritor, um dos grandes nomes dos quadrinhos das últimas duas décadas e responsável por obras como “Transmetropolitan”, “Planetary” e “Frequência Global”, se arrisca também em um romance. Depois dessa parametrização inicial, o detetive percebe que as armas encontradas estão ligadas a casos não solucionados dos últimos 20 anos. Para conseguir desvendar esses crimes e com a cabeça a prêmio, John Tallow conta com a ajuda de dois peritos forenses meio lunáticos. O trio percorre a cidade atrás de um assassino mortal que também exibe suas próprias demências se vinculando a antigas histórias de povos nativos dos Estados Unidos. “Máquina de Armas” exibe as mesmas qualidades já vistas nos quadrinhos de Warren Ellis: uma boa trama, frases cortantes, conversas sagazes e personagens repletos de loucuras e excentricidades resultando num livro pra ser consumido rapidamente, sem desejo de se deixar para outra hora. Além disso, o trio principal de personagens funciona muito bem e exibe fôlego suficiente até mesmo para uma empreitada futura.

P.S: Entre as boas tiradas do livro está uma simplesmente impagável com a banda Animal Collective. Vale conferir.

Nota: 7,0
Site oficial: http://www.warrenellis.com
Twitter do autor: http://twitter.com/warrenellis

“Egum”, de André Alonso e vários outros (Oroboros)
Neste momento, muitos políticos estão espalhados pelo país praticando atos desonestos e espalhando mentiras para a população. Não são todos, mas dá para arriscar que uma grande parcela se enquadra na primeira frase. A corrupção se espalha por secretarias de municípios pequenos e invade até ministérios. É lama que não acaba mais. Inspirado em um desses políticos, o santista André Alonso forjou “Egum” (2015), seu primeiro álbum em quadrinhos, bancado via crowdfunding. À frente da trama, Rubens Carneiro (cujo rosto foi inspirado no cantor e ator Eduardo Dusek), político boa pinta, de ótima oratória, mas falso e ganancioso. Na campanha para governador de um estado fictício (que poderia ser de qualquer grande capital), ele acaba assassinado por um dos seus “parceiros” de negócio. Mesmo morto ele é “contratado” por uma estranha figura para continuar exercendo a mesma prática duvidosa de quando era vivo. E assim ele continua até se deparar com outros fatos que o fazem sucumbir, por mais que alguma insípida compaixão se alinhe no horizonte. E daí surge o título do álbum, já que “Egum”, em uma das suas possíveis traduções, representa o espírito de um morto. Para compor a parte gráfica, André convidou seis quadrinistas e ilustradores: Anderson Cabral, Silvio DB, Eudetenis, Felipe Moreno, Tila Barrionuevo e Helena Cintra. Se por um lado essa pluralidade é interessante, pois apresenta a mesma história de várias formas, por outro peca no quesito concisão. A revisão também deixa a desejar com alguns escorregões durante as 120 páginas. Do lado positivo destaca-se a boa trama criada por André Alonso, com clara influência de Neil Gaiman e nos moldes de quadrinhos da linha Vertigo, da DC Comics, além do desejo de sair do usual abordando temas raros em HQ’s nacionais. A vasta gama de referências utilizada também vale ser ressaltada, pois é usada sem atropelos da história ou ataques de exibicionismo. Na boa safra de quadrinhos brazucas recentes, “Egum” é mais um bom exemplar.

Nota: 7,0
Site do autor: http://www.ooroboros.com
Leia um pouco da história aqui: http://issuu.com/andrealonso/docs/egum

“A Balada de Adam Henry”, de Ian McEwan (Companhia das Letras)
É difícil distinguir os limites de cada religião, aquilo que se convenciona como permissível ou simplesmente relacionado aos seus próprios dogmas. Esses limites têm as suas consequências legais, sociais e morais e não é nenhuma novidade essa religião ser usada de modo controverso e inexplicável, como também para justificar atos injustificáveis. O autor britânico Ian McEwan é um contumaz crítico do teor medieval de algumas práticas religiosas e deixa isso bem claro no mais recente trabalho, “A Balada de Adam Henry” (“The Children Act”, no original, 2014) com edição nacional pela Companhia das Letras, 200 páginas e tradução de Jorio Dauster. A personagem principal é a juíza Fiona Maye, que trabalha na vara de família e decide casos que envolvem divórcios, guardas de filhos, heranças e coisas do tipo. Ou seja, vive diariamente com uniões destruídas e brigas constantes. Próxima de completar 60 anos, Fiona tem um casamento normal, pelo menos até onde ela enxerga. Porém, seu marido a surpreende com a decisão de ter uma aventura amorosa com uma mulher mais nova. Em outra esfera da trama surge Adam Henry, um jovem ainda menor de idade, com leucemia, e que precisa urgentemente de uma transfusão de sangue. O problema é que tanto Adam quanto os seus pais são Testemunhas de Jeová, e sua religião não permite a transfusão de sangue, pois isto fere os preceitos de Deus e é melhor que se cometa o sacrifício e morrer do que burlar esses preceitos e “sujar” o sangue e por consequência a própria alma. O hospital não acata a decisão dos pais e parte para uma briga judicial na qual Fiona é a juíza. Em “A Balada de Adam Henry”, Ian McEwan confronta os absurdos religiosos com o poder de cada um de decidir o que é melhor para si. Contrapõe desejos reprimidos (maternais e sexuais) e o conforto ilusório (ou não) de uma relação duradoura. Temas espinhosos que o autor domina com destreza e requinte na escrita, o que só confirma o talento e sua posição como um dos grandes romancistas da atualidade.

Nota: 8,5

A Companhia das Letras disponibilizou um trecho gratuitamente para download. Passe aqui.

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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