Entrevista: Lupe de Lupe

por Bruno Lisboa

Integrante da autoproclamada Geração Perdida mineira, movimento formado por bandas que resgatam a política do “Faça Você Mesmo”, a Lupe de Lupe é, hoje, uma das maiores provas de resistência musical em solo brasileiro.

Formada por Vítor Bauer, Renan Benini, Cícero Nogueira e Gustavo Scholz, a banda vem desde 2011 fazendo barulho (literalmente) e apostando numa sonoridade orgânica, suja, crua, alta, associada com letras marcadas pela pessoalidade.

Aos poucos, o quarteto mineiro foi conquistando atenção e elogios por parte de público e mídia graças tanto aos ótimos discos “Sal Grosso” (2012), “Distância EP” (2013) e “Quarup” (2014) (todos disponíveis no http://lupedelupe.bandcamp.com/) quanto aos shows intensos.

Em entrevista concedida por e-mail, Vitor Bauer fala da busca pelo próprio espaço no competitivo do cenário musical brasileiro, do tom crítico e pessoal das composições e manda o recado para bandas novas: “Levanta a bunda da cadeira, pare de ficar reclamando no Facebook e vá produzir alguma coisa”. Com você, Lupe de Lupe.

Musicalmente vocês soam um tanto quanto amadores (no bom sentido), transpirando paixão, energia e crueza ao invés apostar numa produção técnica e limpa, padrão largamente adotado hoje. Por que remar contra a maré?
Cara, to cansado de responder sobre isso. Vou tentar responder da forma mais breve possível, pois respondemos isso direto. Tocar na Lupe de Lupe é ir contra todos os conceitos de mixagem boa, masterização boa, técnica, cantar bem, etc. Se a galera ainda está presa em conceitos antigos (até arcaicos) de que a música tem de ser gravada assim e alguém tem de cantar assado, essa galera não serve pra ouvir música, na moral. Alguns chamam de amadorismo, alguns chamam de música mal gravada, outros chamam de honestidade e de paixão. E sempre foi uma escolha nossa ser assim e fazer isso. Remar contra a maré faz parte da nossa natureza arredia porque desde o início da banda a gente sempre achou que tudo quanto é mixagem e produção estava soando muito parecido aqui no Brasil, tudo no seu lugarzinho e todo mundo fica satisfeito. A gente não quer isso. A gente vai cantar mal na música pop, a gente vai fazer black metal no CD de shoegaze, a gente vai gritar e desafinar toda hora. A última coisa que a gente quer é que a nossa música soe como “um cara gravando num estúdio profissional”, porque isso soa artificial demais pra gente. Às vezes a gente quer que pareça que a banda está tocando ao vivo no seu ouvido, às vezes a gente quer que pareça que a banda está tocando do outro lado da porta da casa do vizinho, às vezes a gente quer que pareça que ela está tocando pra você num ensaio, com os erros e acertos naturais disso. Numa época que todo mundo grava mais devagar, a gente vai gravar mais rápido, numa época em que todo mundo grava baixo, a gente vai gravar mais alto. Porque o resultado, pra gente, soa mais real, intenso e honesto. E pra muita gente que ouve a gente é assim também. Espero que no futuro as pessoas não se encontrem tão presas a coisas como mixagem tradicional, música bem gravada, bem cantada, essas coisas. Porque isso pra mim soa como cagação de regra, e cagação de regra acaba tornando tudo mais parecido e mediano, com menos personalidade e ímpeto.

Recentemente assisti uma apresentação de vocês em BH e o que mais impressiona é que além da visceralidade associada com uma energizante presença de palco, canções extremamente pesadas aparecem ao lado de outras cujo som é pop palatável. Há limites sonoros para vocês?
Não, estamos sempre tentando empurrar os limites de nós mesmos e até da nossa música. Ainda tem muita coisa e experimentos para se tentar e fazer.

Habitualmente bandas brasileiras que optam pelo lado “alternativo” do rock cantam em inglês, mas vocês primam pelo português. No início ou em algum momento da carreira vocês cogitaram mudar?
Não cogitamos mudar. Hoje em dia tem muita banda cantando em português por aí. Não é uma regra cantar em inglês mais. Algumas bandas escolhem cantar em inglês, outras em português. A língua portuguesa é mais complicada, é claro, com mais sílabas e tudo mais. Mas também porque é mais transparente, mais direta. É uma escolha de cada banda, tem muita banda boa cantando em inglês no Brasil, assim como em português, assim como sem voz também.

Em entrevista concedida tempos atrás vocês afirmavam se sentir renegados na atual cena belo horizontina. Passado dois anos vocês ainda se sentem distantes do que é feito por aqui?
Sim, mas a cada dia aparecem mais pessoas parecidas com a gente. Não vemos problema sério nisso de ser renegado, você só tem de abraçar o fato de ser renegado e usar isso a seu favor. Criar seu próprio trono e não competir pelo trono que os outros estão competindo, isso já te enobrece e te faz ver as coisas de forma diferente, de uma forma mais tranquila.

Falando em trono próprio, recentemente um jornalista, Marco Antonio Barbosa, referiu-se a vocês como a “salvação do rock nacional” (o que rendeu uma grande discussão no grupo Sinewave). Vocês compactuam com esta análise?
Não, acho que não. Mas é um passo pra frente, talvez alguém que tenha a gente como influência possa dar mais um passo pra frente, até em relação à mixagem, produção, cantoria, essas coisas tudo que já disse. Falem o que quiserem. O rock brasileiro já morreu há muito tempo. A gente já é a missa de sétimo dia. O corpo já tá podre e enterrado.

Por mais que exista uma competição natural por espaço no cenário musical independente, quais seriam as bandas pares ao Lupe de Lupe?
Não sei, nunca parei pra pensar nisso. Mas tem muita banda que está no mesmo estágio que a gente. Bandas novas lançando e produzindo eles mesmos essas coisas. Quase Coadjuvante, Ventre, Young Lights, Paola Rodrigues, chegando até Carne Doce, Séculos Apaixonados, Baleia e Cadu Tenório (que nunca tocaram com a gente, mas que sei lá). Nenhum deles tem a ver demais com a gente, mas cada um tem um pouco de irmão pra gente. A gente se espelha e se inspira em muita coisa que eles fazem.

Em toda entrevista que li com vocês, as comparações ao My Bloody Valentine e ao Sonic Youth são latentes. Por mais que vocês tenham sonoridade própria, comparações recorrentes como esta incomodam?
Não incomodam. São bandas que a gente sempre gostou muito e até fazemos algumas músicas parecidas com as deles de propósito, como forma de homenagem. Não é como se quiséssemos roubar o estilo deles. É bem descarado quando estamos os homenageando. Não tentamos esconder nossas influências.

Numa descrição simples, reducionista e capenga, a Lupe de Lupe se resume a guitarras altas e letras melancólicas . No processo de composição o que vem primeiro: a letra ou a música?
Música. Mas as letras vêm o tempo todo, andando pela rua você pensa numa frase ou num tema. Mas aí você senta, faz a música e depois adequa esse monte de frases que você tem anotadas, quais combinam com a música ou não.

O tom crítico das letras renderam canções como a polêmica “Há algo de podre no Reino das Minas Gerais”. A visão tristonha e pessoal da cidade de Belo Horizonte gerou ou ainda gera desafetos bairristas?
Sem dúvida. Tem muita gente que odeia a gente em BH, que se recusa a trabalhar com a gente, etc. Não é à toa que a gente fez “Eu Já Venci” e tal. Mas deixamos muito claro que não é uma simples visão tristonha e pessoal. É só ver nas letras, dá pra ver que a gente tem muita autocrítica. A gente fica se perguntando se tá certo ou errado o tempo todo. Nas próprias letras dá pra ver isso.

Falando ainda das letras, são perceptíveis visões de mundo muito pessoais. O quão autobiográficas elas são? Com três compositores na banda, como vocês coordenam esta parte?
É como ver o mundo por três pares de olhos diferentes. Cada um escreve meio que baseado na sua existência aqui na Terra. A gente tem muita música que tem muito da nossa vida real sim. Mas acho que não é algo que as pessoas precisam se fixar pra interpretar ou tirar algum entendimento da música, ou mesmo criar teorias. Mesmo assim as pessoas acabam criando teorias, tal música é pra sei lá quem, ou elas se identificam com a música porque parece pessoal, mas talvez nem seja tanto.

“Quarup” rendeu uma série de elogios da crítica e do público geral. Como foi o processo de gravação do disco?
Foi simples. Nos juntamos no início de 2014 pra pensar no conceito. Queríamos fazer algo espiritual, ou que se assemelhasse a uma experiência espiritual e longa. Aí cada um foi pra sua casa e começou a fazer as canções pensando em um disco longo e com dois lados. Vida e morte, algo do tipo. Gravamos as baterias no Estúdio Casa Antiga aqui em BH e o resto foi gravado por nós mesmos em casa, mixagem e produção também. Foi muita coisa, mas foi como lavar a alma, e a nossa impressão é que a gente passou isso para o disco. Quem consegue ouvir tudo deve sair com a alma lavada, é muita coisa.

Até hoje, somente “Sal Grosso” ganhou lançamento físico. Há a intenção de lançar outros discos em formato físico?
Vamos lançar o “Quarup” em vinil triplo esse ano, se der tudo certo. Mas só ele por enquanto.

Por fim, no cenário independente atual, muitos artistas procuram fórmulas de sobrevivência artística. Para os que buscam e batalham por espaço, tal como vocês, quais são as dicas que vocês podem oferecer?
Procure fazer as coisas do seu jeito, não fique pensando em se adequar ou agradar todo mundo. Alguém por aí vai gostar da sua música e de você pelo jeito que você é. Como eu digo sempre, a única mensagem que eu quero passar com a nossa música é: “Você tem de acreditar em si mesmo”. É só isso. A Lupe de Lupe ter chegado aonde chegou sem produtora, nem contatos, nem porra nenhuma, é uma prova de que qualquer coisa pode acontecer. Tem que acreditar que você pode ser foda. E, se bobear, você já é. Levanta a bunda da cadeira, pare de ficar reclamando no Facebook e vá produzir alguma coisa. É o que fizemos. Isso já é mais do que muita gente.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com

Leia também:
– Entrevista com Luan Nobat: “Eu não vejo uma cena em Belo Horizonte” (aqui)
– Entrevista com Thales Silva:  “A cena musical mineira são vários nichos diferentes” (aqui)
– Download gratuito: baixe “De Lá Não Onde Só”, novo disco do Transmissor (aqui)
– Download: baixe “Impossível Breve”, o disco de Jennifer Souza, gratuitamente (aqui)
– Jennifer Souza: “Minhas composições são quase sempre confessionais” (aqui)
– Luiz Valente: “Me sinto completamente ligado a esta geração (de bandas mineiras)” (aqui)
– Transmissor ao vivo em Belo Horizonte: “Renovado e com lenha para queimar” (aqui)
– Graveola: “Nascemos independentes e autônomos e assim morreremos” (aqui)

12 thoughts on “Entrevista: Lupe de Lupe

  1. Toda a força das palavras do Vitor Brauer na entrevista pode ser sentida em uma audição de qualquer disco da banda. As músicas e os discos da Lupe de Lupe são muito intensos. Realmente é uma das melhores bandas de rock em atividade no país hoje.

  2. “Cara, to cansado de responder sobre isso. Vou tentar responder da forma mais breve possível, pois respondemos isso direto”. Só eu achei isso arrogante pra diabo? Tão dando quantas entrevistas por dia? Quanto assédio hein? muita marra pra pouco som.

  3. Essa banda é ruim demais, jesus amado. Não é qualquer outsider que pode bancar o Pixies não, avises esses moleques que com ou sem conceitinho, o som deles é só ruim e igual um milhão de outras bandas. Cheio de si na entrevista pra pouco som, concordo com o Lucas

  4. Lupe de Lupe é a banda com mais atitude da parada. E a mais propensa a ter haters iguais vocês que só gostam de musiquinha bem gravadinha e de gravatinha. Aceitem pois são vocês, os odiadores, que mais fazem essa banda bombar. Lupe de Lupe, ame ou odeie, mas continue comentando sobre ela desse jeitinho, cambada de pinto mole.

  5. Existem duas formas de se lidar com a opinião alheia: uma, digna. é exemplificável na resposta do Fernando. A outra, adolescente, se limita a acusar quem não segue a mesma linha de raciocínio de integrar uma “cambada de pinto mole”, num provável clamor por cambadas de pintos duros…

    No mais, adoraria ter tempo pra ser hater de uma banda cuja música mais popular não chega a 15 mil visualizações no youtube…

  6. Acho que popularidade não quer dizer muita coisa em um país que idolatra o gênero sertanejo universitário. Os caras da Lupe de Lupe sabem do risco que correm, eles querem trafegar na margem. A música “Eu já venci” é bem elucidativa a respeito das expectativas da banda.

  7. Até onde sei, Romulo, a Lupe de Lupe tem recebido boas críticas em diversos sites especializados em música, não só aqui. Há quem não goste, o que é muito natural e até bastante esperado. Então, creio que ninguém está tentando transformar nada em ouro, apenas informando os interessados.

  8. Lucas Rocha, meu broder, você não sabe o que é ter 15 mil visualizações sem gravadora, sem contatos, sem dinheiro, fazendo música boa que faz muita gente pensar e discutir (estamos discutindo aqui), música que não eh nada comercial, e ainda por cima, saindo do interior do estado mineiro. Pra muita gente isso já é muita coisa, pra você acho que não, pra você o que é bom é contado em visualizações. No mais, haters vão ser haters por achar que é “muita marra pra pouco som”, mas mal sabem eles que tem muito som por aí.

Deixe um comentário para Lucas Rocha Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.