Cinema: Whiplash, de Damien Chazelle

por Marcelo Costa e Bruno Lisboa

Há quem o diga que sem ambição a vida não tem sentido, tornando-se vazia, monótona e carente de desafios. Porém, o que fazer quando os desejos mais profundos extrapolam os limites da razão, envolvendo grandes sacrifícios para sua realização? Este é o mote de “Whiplash – Em Busca da Perfeição” (“Whiplash”, 2014), filme do diretor e roteirista Damien Chazelle que deu o Globo de Ouro de ator coadjuvante para a excelente atuação de J.K. Simmons (desde já, forte concorrente ao Oscar na categoria).

Partindo de uma premissa autobiográfica, “Whiplash” nasceu das próprias experiências de Chazelle, que tentou seguir a carreira de músico de jazz tocando bateria no ensino médio, mas desistiu desestimulado por um professor exigente. Apostando na relação conflituosa entre professor e aluno, Chazelle escreveu o roteiro (elogiado no Festival de Sundance em 2012) e dirigiu um curta de 18 minutos, que foi premiado no ano seguinte novamente em Sundance, atraindo o investimento de pouco mais de US$ 3 milhões (custo total do filme).

“Whiplash” traz em seus 106 minutos um autêntico embate entre forças digno de filmes de ação e superação. Como num ringue de boxe, de um lado se vê Andrew Neiman (Miles Teller em ótima atuação), um ambicioso estudante que almeja ser um grande baterista de jazz, tal como seu grande ídolo Buddy Rich. Do outro lado, Terence Fletcher (J.K. Simmons, magnifico), professor da melhor escola de música dos EUA, famoso tanto pelo conhecimento musical quanto por abusar moralmente de seus alunos.

Ainda que seus métodos sejam reprováveis, grande parte dos alunos sonha em estudar com Terence Fletcher, e Andrew não é diferente. À medida que Fletcher seleciona Andrew para sua classe, e os dois começam a trabalhar juntos, o filme ganha em força. O professor ataca ferozmente a cada erro cometido por algum aluno integrante da banda (com palavrões e frases humilhantes típicas de uma escola militar), e o jovem baterista é atacado por sua falta de atenção e técnica.

Em tom de resposta, Andrew inicialmente se esquiva demostrando ser um estudante metódico, observador e capaz de atender as mais difíceis solicitações de seu tutor, devotando a bateria dezenas de horas de estudo, sangue e o fim de um namoro, para num momento subsequente, confortado em sua autoconfiança, exigir reconhecimento do temido professor. Aparentemente ilimitados energeticamente, aluno e professor desafiam seus próprios limites resultando em momentos angustiantes de tensão.

Chazelle filma de maneira rítmica, alternada, levando ao espectador detalhes próximos, geralmente em close, das belas performances musicais, carregadas de suor e sangue, provando que a escola promovida por Martin Scorsese em “Touro Indomável” ainda é referência. A trilha sonora é um espetáculo a parte: clássicos como “Caravan” (de Juan Tizol e Duke Ellington) e a faixa título, composta por Hank Levy, são acompanhadas por ótimos registros inéditos de Justin Hurwitz, compositor e parceiro de Chazelle.

Mais do que uma justa homenagem ao jazz (a espetada na Starbucks é magnífica), “Whiplash” discute tanto metodologia de ensino quanto abuso de poder num mundo cada vez mais cerceado pelo politicamente correto. Quanto um professor deve exigir de um aluno? É correto dar palmadas? Gerar competição é benéfico ou maléfico ao estudo? Uma escola que não reprova alunos (e pais que não dizem “não” às crianças) está criando pessoas acostumadas a ter tudo nas mãos sem esforço e que irão sofrer no mercado de trabalho?

Damien Chazelle não faz juízo de valor, e amplia a discussão colocando o destino de três alunos de Fletcher em foco (Andrew e outros dois que desistiram da carreira, um optou ser médico, o outro…) como que perguntando: um profissional que não é tão bom no que faz está no lugar certo? E quantos Andrew devem estar neste momento no lugar certo? Por fim, qual o limite entre incentivo e abuso? Mais do que um filme, “Whiplash” é um tratado sociológico moderno sobre educação (embalado numa bela trilha sonora). Para ver, batucar e discutir.

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– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com

10 thoughts on “Cinema: Whiplash, de Damien Chazelle

  1. Até agora, dos filmes dessa temporada de premiações que eu vi esse foi o que mais me prendeu. Com 5 minutos já fiquei aflita com o professor haha e a cena com os três bateristas é sensacional e até agora está grudada na minha cabeça. Miles Teller estava incrível, se a competição na categoria de melhor ator não estivesse tão bem representada queria ele fosse nomeado em alguma premiação.
    Ótimo filme. Ótimo texto

  2. O filme é interessante, mas acho que ele se sustenta só na tensão provocada por um “chefe” carrasco e nisso não é muito diferente de tantos outros filmes, como até mesmo O Diabo Veste Prada. Também achei que as tramas paralelas não se desenvolvem. A relação do baterista com a namorada é praticamente nula, ela aparece umas quatro vezes no filme e mal dá pra gerar uma empatia com o casal. Talvez a intenção fosse justamente essa, mostrar como só a bateria é que importava, mas eu achei cansativo.

  3. Concordo com o Guilherme acima… A sensação ao terminar de ver Whiplash é que mudaram a temática de outros 10000 filmes existentes por ai. Técnico durão que trata o prodígio (ou tentativa de) da pior forma possível, com um desejo “íntimo” de fazer a “gana e brilho” ganharem vida e fazer do tal jogador o melhor possível… Neste meio tempo, um namoro que não dá certo. Uma família que não dá o valor ao esforço. A solidão da vida…

    Tudo mais do mesmo. A temática apenas diferente…

  4. É válido desmerecer um filme sob argumento da temática já explorada em outras obras?
    Por que me pergunta qual percentual da cultura que se produz hoje é totalmente original.
    Bato palmas pra Whiplash simplesmente por não ter medo de mostrar que mesmo com todo esforço do mundo as vezes você simplesmente perde. O protagonista teve atritos com a família e amigos, teve seu trabalho árduo questionado por eles, deixou escapar uma garota bacana, não se formou na escola que estudou… Quem aqui em diversos momentos não achou que tudo daria certo e não deu?

    Atuações ótimas, tema excelente, trilha sonora espetacular, edição precisa… Já vi história parecidas? Sim. Mas tive a sensação de ser o mesmo filme e ser enganado? Nunca.

    Abraco,
    @Vinimzo

  5. Só um ponto que esqueci de comentar:

    Pra mim o ponto alto do filme é justamente o professor e aluno encontrarem da maneira mais improvável (e fodida) possível uma maneira de se relacionar (um tentando foder o outro.

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