Entrevista: Sérgio Dias, Os Mutantes

por Bruno Leonel

O nome Os Mutantes continua ativo e angariando plateias por onde passa. Depois de um hiato de praticamente três décadas, em 2006 a banda voltou aos palcos com um show elogiado no museu Barbican, em Londres, e não parou mais. Mesmo sem Rita Lee e Arnaldo Baptista (que participou da primeira fase da volta), a banda lançou mais dois discos de estúdio.

O primeiro disco de inéditas da banda em 35 anos, que atualmente tem apenas o guitarrista e vocalista Sérgio Dias da formação inicial, foi “Haih or Amortecedor” (de 2009 e ainda com baterista Dinho Leme no grupo). O segundo, “Fool Metal Jack”, saiu em 2013 pelo selo norte-americano Krian Music Group, e não ganhou edição nacional. Em 2014, um box com toda discografia da banda e um CD de raridades chegou ao mercado, reacendendo a chama do mito.

Sérgio Dias segue carregando o nome do grupo pela estrada, e neste bate papo após um show em Londrina, no mês de junho, falou sobre o retorno (“Jamais esperava a recepção que foi”), a fase atual da banda, relembrou histórias e explicou porque continua lançando discos novos: “Ficar em uma banda morta? Deus me livre isso!”. Fala, Sérgio Dias.

Depois de quase 30 anos longe dos palcos, o primeiro registro da “volta” da banda foi o disco ao vivo em Londres, em 2006, feito fora do Brasil. Mesmo depois de tanto tempo, a recepção dos shows tem tido a mesma intensidade?
Sim… Tem sido impressionante onde quer que tenhamos passado. A gente tocou de Singapura até a Austrália, Europa inteira, Estados Unidos e é uma coisa louca. Jamais esperava a recepção que foi. No Barbican, em 2006, eu mesmo achei que seriam um ou dois shows, mas o negócio cresceu… Havia gente de todas as idades, gente muito mais nova. Desde então eu não parei.

Essa volta d’Os Mutantes” também foi alvo de críticas. Muita gente disse que era oportunismo e que vocês só voltaram pelo dinheiro. Isso ainda afeta vocês de alguma forma?
Nem a pau! Eu adoro quando isso acontece, porque o tempo passou e eles têm que calar a boca, né? Quantos passaram por isso, até a Rita Lee… Ela chegou a falar que estávamos fazendo show para pagar a conta do geriátra! Pegou mal isso né? Pegou mal pras pessoas que não acreditam. O nome Os Mutantes é muito forte ainda. As críticas nossas lá fora, dos últimos discos, são sempre de 5 a 4 estrelas. Tem sido uma recepção positiva e é uma situação bonita.

Depois do Barbican vocês lançaram mais dois discos – “Haih or Amortecedor” (2009) e “Full Metal Jack” (2013). Criar se torna mais fácil depois de tanto tempo??
Pra mim é a mesma coisa. Eu mesmo nunca parei de compôr e tocar, e mesmo sendo Os Mutantes não é tão diferente. Eu sei onde estou pisando. Sei o que significa o nome e a mágica está presente. Quando voltamos, a primeira coisa que pensei era em fazer discos novos, senão nem haveria o menor sentido. Ficar em uma banda morta? Deus me livre isso!

Das bandas e artistas nacionais de hoje, tem alguma em especial que te chama atenção?
Acabei de ouvir o trabalho de uma cantora chamada Michelle Pucci, e gostei muito. Muito bonita a intenção que ela colocou lá, achei bem “avant-garde”. Mas não têm ouvido muitas bandas atuais. Não moro no Brasil, então é um pouco complicado.

Hoje em dia, com a Internet e esses novos canais pra compartilhar música, ficou muito mais fácil pra um artista divulgar seu trabalho. Como você o momento atual, com a internet?
Eu vejo o contrário: é muito mais difícil hoje! Seu trabalho fica muito diluido em um grande mar de músicas. Antigamente a indústria existia e nela trabalhavam pessoas que gostavam de música. Então era uma coisa que funcionava, os empresários eram pessoas que tinham música no sangue. Uma gravadora na qual o presidente goste de música, hoje em dia, é raro de achar. Existem muitas “labels” e selos, mas acho mais difícil, principalmente porque, economicamente, não há retorno. Se você gasta dinheiro pra fazer um disco e não tem retorno disso, como você consegue grana pra fazer um próximo disco? O próprio público acha legal compartilhar as músicas, mas não sabe que o artista precisa ter um retorno disso.

Em 1973, o Mutantes participou de um festival em Cambé (cidade do Paraná com pouco mais de 100 mil habitantes e 67 anos de fundação). Há alguma história que você lembra desse dia?
Lembro sim… Como não lembrar! (risos) Acho que foi a única “bad trip” que tive na minha vida. Tomei um ácido preto antes do show, passei mal, sofri pra caramba. Mas antes de subir ao palco deu uma energia muito legal, fiquei ótimo. Era um dia bem quente, as pessoas estavam todas “em transe”. Lembro-me de um momento em que eu estava “fora do ar”. Ai veio um cara e me deu um beijo na boca (risos). Eu não entendi nada. Mas, assim, o amor que ele me passou me colocou de volta no centro. Muito grato a ele pela energia…

Você é um cara saudosista, Sérgio?
Nem a pau. Eu odeio esse pensamento. Quero viver o agora. O futuro não me pertence, a gente não tem controle sobre o tempo. E essa coisa de ficar olhando pra trás, não é comigo. Eu sou o resultado de tudo o que aconteceu, o que está sendo feito hoje. Está tudo bem.

E para o futuro? Algum novo álbum de estúdio ou algo previsto?
Com certeza. Nós faremos um próximo álbum provavelmente em 2015. No próximo semestre irei para o meu estúdio em Las Vegas e começaremos a fazer alguma coisa. O processo geralmente é mais coletivo, é preciso ter um “input’. As coisas vão acontecendo a partir dai…

Bruno Leonel é jornalista e já entrevistou Márcia Castro e Siba para o Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Liliane Callegari, no SWU 2010.

Leia também:
– Em 2009, Mike Patton elogia novo CD d’os Mutantes (aqui)
– Discos perdidos: Cilibrinas do Éden, de Rita Lee e Lucia Turnbull (aqui)
– “Loki” é um documentário que vangloria o cinebiografado, mas de forma sincera (aqui)

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