Boteco: Baladin e as cervejas de Teo Musso

por Marcelo Costa

Teo Musso é uma lenda no universo cervejeiro. Segundo o jornal Gazeta de Parma, “ele é um gênio da cerveja”. O Corrierre Della Serra diz que “Teo é o homem que inventou a cerveja artesanal”. E em bate papo em São Paulo na noite de 01/10 para apresentar as oito cervejas da Baladin, sua cervejaria, que retornam ao Brasil através de importação da Bier & Wein, ele mesmo bate no peito e diz que, em 1986, quando comprou o único bar que existia em Piozzo, cidade de 800 habitantes em que vive na região do Piemonte, e começou a produzir cervejas, só havia cervejas mainstream na Itália.

A história cervejeira de Teo começa quando ele prova uma Chimay Blue, e se encanta. O brewpub, chamado Baladin (contador de histórias em francês) foi o primeiro investimento, e Teo enfrentou uma longa batalha para inserir cerveja no cotidiano de um povo acostumado ao vinho. A fabricação artesanal começou em 1997, quando os dois primeiros rótulos da Baladin (e, segundo ele, os dois primeiros rótulos de cerveja artesanal da história da Itália) foram colocados no mercado: Isaac e Nora (as duas cervejas da linha com especiarias da casa levam o nome e personalidade de seus filhos).

Na excelente conversa, acompanhada por cerca de 30 pessoas, Teo defendeu que cervejeiro artesanal é artesão, questionando aqueles que fazem cerveja pensando apenas no mercado, como grande parte das micro cervejarias norte-americanas. “Quem faz IPA usando lúpulo Cascade não está fazendo nada novo, está pensando só no lado comercial”, observou. As IPAs norte-americanas, inclusive, foram bastante criticadas por Teo, exatamente por endeusar (de forma exagerada) o lúpulo. “É preciso deixar um pouco de lado esse conceito alemão (de lei da pureza) porque é possível produzir cerveja artesanal com outros ingredientes”.

Teo leva tão a sério a questão de ingredientes que criou em uma fazenda a “Sociedade Agrícola Cervejaria Baladin”, para envolver-se diretamente em toda etapa de produção visando criar uma “cerveja genuinamente italiana”, segundo ele. A cevada que ele utiliza vem, principalmente, dos campos de Melfi, da região da Basilicata. Parte do lúpulo vem de uma plantação experimental no Piemonte, gerido em cooperação com a Faculdade de Ciências Agrarias de Cussanio. O cervejeiro busca autonomia porque quer tornar a Baladin “100% artesanal e independente”.

Das 30 cervejas que a Baladin produz na Itália, 8 retornam ao Brasil nesta primeira etapa da parceria de distribuição da Bier & Wien: Isaac, Wayan, Nora, Super, Leön, Nazionale, Super Bitter e Open Rock & Roll. Destas, eu só havia experimentado anteriormente a Wayan, uma Saison condimentadíssima e deliciosa – outras duas que já passaram por este espaço não entraram neste primeiro lote: Mama Kriek, uma experiência maluca de Teo. e Open Noir, versão especial de um dos hits da casa, a Open, com alcaçuz Calábria na receita tentando acalmar uma IPA rebelde.

Teo dividiu a apresentação das cervejas em três grupos: Isaac, Wayan, Nora representam o grupo das cervejas com especiarias, e foram, para mim, o destaque da noite. Super e Leön são do grupo cervejas Puro Malte, seguindo uma tradição belga com bastante fidelidade. Já a Nazionale, Super Bitter e Open Rock & Roll é o pacote de cervejas lupuladas da Baladin, e, em seu tratando de Teo Musso, não espere amargor acentuado (a Open Rock & Roll tem o IBU mais alto do octeto: 43), até porque o cervejeiro defende a harmonização de suas cervejas com comida, e as cervejas altamente lupuladas atropelam qualquer prato, diz ele.

Abaixo, um pouco sobre cada uma das oito cervejas da Baladin que chegam ao mercado brasileiro. Segundo a Bier & Wien, os preços sugeridos ao consumidor são R$ 22 para as versões de 330 ml em empórios (R$ 28 em restaurantes) e R$ 50 as versões de 750 ml (R$ 66 em restaurantes).

Baladan Isaac – Witbier – 5% de álcool – 10 IBU
A primeira cerveja produzida por Teo Musso é a mais aromática do conjunto que chega ao Brasil. No aroma, bastante cítrico, coentro e casca de laranja. Na boca, levíssima, com um azedinho cativante e muito cítrico. A receita une água, malte de cevada, trigo, levedura, semente de coentro, lúpulo, casca de laranja e xarope de cereais. “É 99% italiana”, diz Teo. “Só o lúpulo, que usamos em pouquíssima quantidade, é importado”.

Baladin Wayan – Saison – 5,8% de álcool – 9 IBU
A mais maluca do trio de especiarias reúne cinco cereais (trigo, cevada, centeio, espelta e trigo sarraceno) e nove especiarias (cinco são pimenta, mas ainda há camomila, canela, raiz de genciana e semente de coentro) além de casca de laranja e bergamota. No nariz, muito cereal e cítrico, mas não senti tanto o conjunto de pimentas. Na boca, porém, a pimenta aparece em destaque (e conquista). Há azedume na garganta e efervescência na língua. Bem provocante.

Baladin Nora – Traditional Ale – 6,8% de álcool – 14 IBU
Teo buscou referencias na história cervejeira egípcia para produzir uma receita que traz grãos Khorasan Kamut (uma espécie de trigo pré-histórico), mirra (para substituir o lúpulo), casca de laranja, gengibre, levedura e xarope de cereais. O resultado é outra cerveja doidinha, que num primeiro momento lembra lambic, mas também traz sugestão de mel, banana e gengibre no aroma. O paladar é terroso, levemente azedo, com percepção de gengibre e bergamota. Muito boa.

Baladin Super – Belgian Strong Ale – 8% de álcool – 17 IBU
É da linha mais tradicionalista e, apesar de ser apresentada como Amber Ale, parece mais uma Dubbel – a denominação correta e Belgian Strong Ale. Há muita percepção – tanto no nariz quanto na boca – de melado e caramelo além de leve sugestão de ameixa e toffee.

Baladin Leön – Strong Dark Ale – 9% de álcool – 21 IBU
A outra da linha tradicionalista destaca um aroma que paga tributo às melhores Strong Dark Ales belgas, tanto com sugestão de frutas escuras quanto lembrança de vinho do Porto. Na boca, porém, ela surge mais terrosa que a versão tradicional.

Baladin Nazionale – Belgian Blond Ale – 6.5% de álcool – 29 IBU
Teo a denomina como “Italian Ale” por ser feita exclusivamente com ingredientes italianos (malte dos campos de Melfi e lúpulo de Piemonte), e adiciona na receita semente de coentro e bergamota. O resultado é uma cerveja levíssima, de belo aroma frutado e herbal e paladar suave que a transforma quase numa India Blond Ale, devido a um amargozinho pronunciado e bastante agradável.

Baladin Super Bitter – Belgian Strong Ale – 8,5% de álcool – IBU 35
Feita para tirar sarro da piração de alguns nas cervejas altamente lupuladas norte-americanas, a Super Bitter carrega na inserção de lúpulo Amarillo (incluindo no dry hopping) sem perder a doçura da tradição belga. O aroma é excelente e o paladar valoriza algo como amargor maltado (ou caramelo amargo). Nada agressiva, pelo contrário, muito equilibrada e saborosa. Uma das minhas preferidas na noite.

Baladin Open Rock ‘n’ Roll – 7.5% de álcool – IBU 43
A cerveja mais amarga deste lote não é tão amarga assim, o que revela a proposta de Teo Musso: valorizar todos os ingredientes retirando de cada um o que tem de melhor. Numa receita tradicional que recebe apenas adição de pimenta, a Open Rock ‘n’ Roll exibe no nariz um aroma condimentado e picante enquanto o paladar traz amargor assertivo sem ser agressivo ao lado de caramelo de malte.

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