O que há de mágico n’O Terno?

por Marcos Xi

Há muito que falar de “O Terno” (2014), novo disco do trio paulista que, mesmo exibindo pouco apelo pop em doze faixas diretas, sem solos ou refrãos repetitivos e palatáveis, prende a atenção do ouvinte de forma surpreendente, deixando no ar uma (quase) incógnita do que há de mágico nos delays e acordes com terça do grupo formado por Victor Chaves (bateria), Guilherme d’Almeida (baixo) e Tim Bernardes (guitarra, voz, piano, órgão e assinatura de todo o repertório do disco).

Com a chancela de Tom Zé (que gravou uma canção de Tim no EP “Tribunal do Feicibuqui”, de 2013, e participa aqui de “Medo do Medo”), Mulheres Negras (Maurício Pereira é pai do jovem compositor), Marcelo Jeneci (que toca órgão na faixa “Quando Estamos Todos Dormindo” e já havia participado do álbum de estreia), quase 400 mil views em dois clipes de extrema qualidade e R$ 35 mil doados pelo público para a concepção de seu novo álbum (R$ 5 mil a mais que o pedido originalmente), “O Terno” deixa de lado o humor e do rock diretivo do álbum de estreia (“66”, de 2012) e parte em busca de temas mais profundos, sociais, além de dar um grande salto de qualidade sonora, chegando ao ponto do ‘disco dos sonhos do Tim’ citado no vídeo de divulgação do crowdfunding da banda.

O diferencial nasce porque a banda ‘ousa ousar’, tratando o rock como uma via de expressão sincera e de contestação do que é cotidiano, como originalmente o estilo nasceu há mais de 70 anos. Se o funk e o rap falam diretamente das mazelas e problemas da vida das classes D e E, com este novo disco, O Terno se torna a única voz eloquente e direta sobre a classe média jovem nacional (e isso é um elogio!), principalmente paulista, criando identificação, dando-lhe voz, um líder e um representante. Isso porque não há, na música, um nome para assumir essas mazelas, como já vemos com larga gama de exemplos na TV e no Cinema. Eis a brecha para a novidade não explorada, bem no meio do movimento “tudo se copia, nada se cria”.

A fragilidade de sentimentos ditos de forma descolada de “Ai, Ai, Como Eu Me Iludo”, a revolta adolescente aos pais de “Bote ao Contrário”, o drama da classe C mimada de “Eu Confesso”, a mensagem crítica em forma de poema generalista e estereotipado em inglês de “Brazil”; tudo isso é, ao final, um retrato do próprio Martim Bernardes e sua vida jovem de classe média paulista. A diferença entre ele e o público alvo de suas canções é que o compositor tem consciência do mundo que vive sendo capaz de assumir, assimilar e ainda transformar essa realidade em música – fazendo com que os próprios criticados gostem, cantem e ainda assumam inconscientemente suas contradições.

As músicas do álbum causam uma pressão social interessante, parecendo que a própria banda antecipa a crítica ao seu nicho, seu público, suas músicas e seu estilo, se protegendo ao mesmo tempo em que desarma o crítico de suas opiniões, chegando antes dele próprio no ponto. “Filhos da Vanguarda” torna-se ainda mais deliciosa se for feita uma busca no Google pelas palavras “O Terno” e “Vanguarda” e entender a quantidade de matérias onde estes dois termos se encontram. Soa como uma ameaça velada e cômica na hora de falar sobre a banda, além de uma música diretamente crítica contra a própria imprensa que um dia já os elogiou. Versos como “Quem vai ouvir não sabe bem distinguir / O que é bom do que é ruim / E o que não entenderem vão dizer/ Vanguarda!“. Será que o crítico estará abastecendo a banda com o tema para uma nova música ao definir o disco com a palavra “amadurecimento”?

Causar esse incômodo e esse suspense é um dos diferenciais que faz qualquer pessoa olhar de maneira diferente o trabalho, além de forçar um real entendimento ao álbum. Se em seus vinte e poucos anos, Martim questiona – com tanta propriedade – grandes meios e jornalistas além de sua própria banda e seus fãs sem perder o sorriso, o humor e a eloquência, alguma coisa esse moleque tem que ter de especial. E cabe a nós, críticos e ouvintes, tentar descobrir.

A proposta maior reside na poesia das letras esconderem um foco no cotidiano/mente adolescente baseado nos fãs, e engolida sob salva de palmas por um público adulto que já passou por isso e toma as pílulas da ironia das palavras através de arranjos que buscam, em Pink Floyd, Clube da Esquina, Tom Zé e Tame Impala, uma forma de embalar suas mensagens para várias idades. E o som se multiplica cada vez mais para mais ouvidos.

Nessas poucas junções, este disco d’O Terno se conecta com diversas gerações e estilos sem, contudo, atingir a massa, mantendo seu critério artístico e sua sonoridade sem se preocupar diretamente com o bolso no fim do mês – o que, cá entre nós, não é nenhuma surpresa no cenário atual. Eles sabem bem com qual público falam, com qual linguagem devem se dirigir e como se apresentar. Não à toa, ainda provocam (na faixa “Eu Confesso”): “Eu não quero deixar ninguém ver que eu sou mesmo / O que pensam de mim quando me veem na rua / Classe média enjoada com pinta de artista / Será que eu sou tão previsível assim?”. Será?

– Marcos Xi (@marcosxi) é editor do site Rock in Press

Leia também:
– Ainda que cercado por cacoetes sessentistas, “66”, d’O Terno, é bacana (aqui)

16 thoughts on “O que há de mágico n’O Terno?

  1. Dos grandes discos numa decada de grandes registros. Falta um crowdfunding para pagar jabá para as rádios e tvs, assim essa geração atingirá o público que merece.

  2. Pois é,concordo com o Carlos,por que não um crowfunding pra pagar as rádios e TVs,hahaha?Mas,sério,ficar botando em download gratuito não vale nada se pra quem gosta do disco e do vinil não puder achá-los.Ai fica foda demais,ainda mais pra banda crescer.Espero que pensem nisso.

  3. Gostei muito do texto do Marcos Xi ,talvez porque ele me ajudou um pouco a entender o motivo desse novo disco ter prendido tanto minha atenção.
    O Terno me surpreendeu com esse álbum ,pensei que seria algo parecido com o que foi feito em “66” mas felizmente não foi,e a banda nos entregou o que é na minha opinião um dos melhores discos do ano.

  4. Vou jogar na roda: vocês ainda acham que Jabá de rádio e tv resolve alguma coisa? Não acham que a abertura da Globo para artistas independentes no Altas Horas, Som Brasil, Encontro com Fátima Bernades e novelas não tem resultado em basicamente nada para os artistas e, além disso, as rádios não tem mais espaço no gosto jovem?

    Em resumo (e pro Mac encaixar bonitinho num tweet): Jabá não resolve nada nem para O Terno e nem ninguém no mercado atual.

    *ninguém do nosso cenário independente, vale acrescentar.

  5. Jabá dá certo sim pra música realmente vendável (vide Skank que lança hit após hit há quase duas décadas). Essas músicas indies “cool” demais não há jabá que faça bombar.

  6. Gringo sim, Mac. E não precisa ir muito longe, provavelmente a banda que levou o maior público no Lollapalloza de São Paulo esse ano foi o Imagine Dragons, que há dois anos atrás ninguém conhecia, mas que bombou na volta da 89 Fm com uns 4 hits. Agora nacional o que consegue aparecer é Skank, Pitty, Rappa, que não são novos. Mas não acho que é uma música como 66 (o maior hit do Terno) vá mudar alguma coisa. É música pra crítico, pra curador, pra galera da Augusta. Mas não é pro povão. Então não é pagando jabá que vai emplacar.

    Acho até que tem músicas do cenário independente nacional que com alguma “divulgação” (jabá) poderia dar uma sacudida no mercado. Mas não acho que bandas como o Terno sejam o caso.

  7. Pra não dizer que não acho que o mercado independente têm potencial para atingir um grande público. Três exemplos de músicas que se tivessem grande “divulgação” com certeza poderiam fazer sucesso:

    Marcio Tucunduva – Antimoderno
    http://www.etanoise.com.br/musica

    Vento Solar e Babilônios – Pra cá de bagdá
    http://www.youtube.com/watch?v=S96eiF0jU18

    Denny Caldeira – A chuva em pingos de canhão
    http://www.youtube.com/watch?v=JL5tStt5F8A

  8. Se serve de comparação, o Móveis tentou agradar o povão com o CD novo, bancado por uma major, mas não colou com o povão e desagradou grande parte dos fãs de longa data (tirando os xiitas que curtem qualquer coisa que uma banda lançar).
    Do cenário indie atual, acho que Nevilton tem músicas que dariam certo não com o povão, mas com o público das rádios 89 fm da vida. Imagina Pressuposto com seu “O ô ô ô ôoooo” tocando 5 vezes por dia lá? Sucesso fácil.

  9. Boa lembrança, Roberto. O Nevilton realmente tem potencial radiofonico. Só precisam de uma ajudinha na divulgação.

  10. Mas se tem na Globo (que é muito maior que qualquer jabá) e não emplaca, porque nas rádios (em decadencia, com público sem costume de ouvir o novo) vai emplacar? Já viram a lista de artistas que já tocaram em programas e novelas da Globo? No nosso mercado independente que cito, acho que a questão é muito mais profunda do que só pagar para tocar.

  11. Acho que o problema é a tal da “curadoria”, digamos. O problema de quem lança sem gravadora, sem selo, totalmente independente é que não tem ninguém que dê as diretrizes, ajude o sujeito a fazer algo que alguém vá ouvir. Resultado:ninguém ouve. Então, seria mais legal isso. Mas não quer dizer que O Terno não vá render um dia, depende, ninguém sabe de nada neste momento. Não tem teoria que segure isso.

  12. Po, eu achei essa banda sensacional depois que ouvi 66, Zé e Eu bebi coca, você encheu a cara. Só que não botava tanta fé assim, já que é complicado manter o ritmo, porém esse disco aí achei melhor que o primeiro, de longe.

    As que mais gostei foram Enquanto estamos todos dormindo, Tic tac e Eu confesso, mas achei todas boas, o que não aconteceu no 66.

    Gostaria muito que a banda entrasse no mainstream.

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