Balanço: Porão do Rock 2014, Brasília

Texto por Marcelo Costa
Fotos por Marcelo Costa e equipe Porão do Rock (veja mais)

Na ativa desde 1998, o Festival Porão do Rock, de Brasília, é um dos principais festivais independentes de rock do calendário nacional, e também um dos maiores do país (ao lado do Planeta Atlântida, maior festival da região Sul). Já passaram pelo festival 395 bandas/artistas diferentes, sendo que, deste número, mais da metade do Distrito Federal e seu entorno, mostrando uma preocupação em valorizar a cena local. Isso ficou claro na 17ª edição do festival, que sacudiu Brasília nos dias 30 e 31 de agosto, atravessando madrugadas com público final de 55 mil pessoas.

Dentro do festival, a primeira sensação é de que o Porão é um mini Rock in Rio, algo que a escolha (algumas vezes equivocada) de bandas aproxima ainda mais: se a grife de Roberto Medina aposta suas fichas em nomes consolidados (muitas vezes repetindo o mesmo artista diversas vezes no festival) não se atendo a necessidade de apresentar ao público candidatos a futuros headliners, o Porão abre algumas exceções: este ano, The Baggios, Far From Alaska e Nevilton foram boas surpresas, ainda que apenas três nomes relevantes em 35 do line-up.

Isso porque o line-up do festival – que acontece no estacionamento do estádio Mané Garrincha – se estrutura em três vértices: o dos headliners, que vão levar público e centralizar a atenção (Nação Zumbi, Jota Quest, Pitty, Raimundos, Titãs e Marcelo D2); os representantes da ala pesada, uma das marcas registradas do festival (Ratos de Porão, Cavalera Conspirancy, André Matos e CJ Ramone); e as bandas vencedoras das diversas seletivas no Distrito Federal somando nada menos que 8 atrações na escalação final (mais de 10% do line-up).

Por mais que seja salutar abrir espaço para bandas novas, o resultado final das seletivas (praticamente fechado em metal e punk) não encontra resposta do público no festival: ou seja, as bandas vencedoras se apresentam para, praticamente, nenhum público. Com isso, o espaço para apostar em nomes que podem ser os novos Titãs, Jota Quest e Raimundos das próximas edições fica restrito, e o festival acaba incorrendo na repetição de atrações que faz da grife Rock in Rio uma nulidade no quesito curadoria. E pensar no futuro é vital.

Ainda assim o Porão do Rock se sobressai ao Rock in Rio por não ser uma bancada de publicidade como o festival carioca (uma poluição visual que ofende o espectador) e buscar alternativas interessantes de sustentabilidade e de diversão para o público além dos shows. Sem contar a parte de alimentação, bastante variada e acessível ao público: uma latinha de Budweiser por R$ 6 dentro do festival é aceitável tanto quanto pedaços de pizza por R$ 3 e sanduíches de R$ 7 a R$ 15, principalmente numa das capitais mais caras do país.

No quesito música, três palcos (dois deles, no nível de festivais internacionais, dispostos um ao lado do outro – no modelo do primeiro SWU) dividiam as atrações. No sábado, a primeira banda a chamar a atenção foi o Far From Alaska, com um show pesado e empolgante baseado no álbum “ModeHuman” (2014). Com uma frontwoman carismática, Emmily Barreto, apoiada por Cris Botarelli (synths, vocal e lapsteel) e pela pegada guitarreira de Rafael Brasil, o Far From Alaska foi um dos destaques do festival, e merece ser acompanhado com atenção.

O sábado ainda teve o grindcore de respeito do Facada, combo do Ceará com 11 anos de bons serviços prestados ao barulho, que apresentou no Porão músicas como “Amanhã Vai Ser Pior”, “Apocalipse Agora” e “O Mundo Está Desmoronando”, excelente antídoto para suportar o show seguinte, a bobagem Brothers of Brazil, piada sem graça dos irmãos Suplicy, que além de tomar espaço de bandas que valem a pena, clonam canções na cara de pau e assassinam outras originais – não tente imaginar o que eles fazem com “Imagine”. Perda de tempo.

Enquanto o Jota Quest reunia um bom público no palco principal, o Ratos de Porão abria seu set no palco metal mostrando canções do recém-lançado “Século Sinistro” (“Quem gostou, gostou; quem não gostou vai tomar no cu”, agradeceu João Gordo), como “Conflito Violento”, “Viciado Digital” e “Grande Bosta”, a última com Gordo questionando o uso do estádio a sua frente e atacando: “Futebol é amansa louco”. Hits punks não faltaram: “Crucificados pelo Sistema”, “Igreja Universal”, “Beber Até Morrer” e “Aids, Pop, Repressão” fizeram a festa das rodas de pogo.

Dois shows que não conseguiram se acertar com a mesa de som do festival: mesmo com Lucio Maia endiabrado na guitarra e a novidade de cinco canções do ótimo disco novo lançado em 2014 presentes no set list, a Nação Zumbi soou sem impacto no palco do Porão, ainda que hinos como “Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada” e “Da Lama ao Caos” tenha sido cantados em coro. Quem também sofreu com o som foi o duo sergipano The Baggios, que matou a pau em metade do show, até que os graves surgissem do inferno e prejudicassem a segunda parte.

Para encerrar o primeiro dia do festival, com um público excelente (entre 15 e 20 mil pessoas) a aguardando impávido à 1h30 da madrugada, surge Pitty com a canção que nomeia seu disco novo, “Sete Vidas”, cantada a plenos pulmões pelos fãs apaixonados, e, sem dar pausa para o público respirar, apresentando dois grandes sucessos: “Anacrônico” e “Admirável Chip Novo”. Durante a apresentação, Pitty irá acenar mais quatro vezes para o disco novo, com as canções entremeadas a hits como “Me Adora” e “Equalize” – para fã nenhum botar defeito.

O domingo começou com uma decepção: a Zignal infelizmente provou ao vivo ser uma banda do cast de Rick Bonadio ao gastar seu pouco tempo no palco com covers óbvias de Red Hot Chilli Peppers e Beatles além de citação de Charlie Brown Jr. e Gabriel O Pensador, sem contar faixas “originais” retiradas de discos do Pearl Jam. A sorte foi que Nevilton, sem Tiago Lobão no baixo e com Bruno Castro (da banda Pessoal da Nasa) na bateria, mostrou inteligência pop e entrega na sequencia, ainda que para um público menor ao do mesmo horário no sábado.

Em meio a tanta testosterona rock, a bela apresentação de Érika Martins soou um oásis em meio à secura do deserto planaltino (será que, por isso, garoou no domingo?). Mostrando canções do bom disco “Modinhas” (2014), Érika (com o ex-Raimundos Fred na bateria) trouxe Nevilton ao palco para tocar “Fundidos”, mostrou como escolher covers espertas sem soar óbvia (“Namorinho de Portão”, de Tom Zé, gravada pela Penélope, e “Ainda Queima a Esperança”, de Rauzito, presente em seu primeiro disco solo) e encantou o público com um grande show.

Mantendo a chama ramonistica acesa, CJ Ramone mostrou um bom número de boas canções de sua carreira solo, autênticos emblemas do punk rock norte-americano entrincheirados entre clássicos da banda que integrou por sete anos. Seria picaretagem se o show fosse só Ramones, mas como a banda toma “só” metade do repertório, digamos que é metade picaretagem. Os fãs não estavam nem aí com o saque ao defunto e gritaram hey ho, let’s go como se esse fosse o último grito a ser ecoado no mundo – mas valeu pela parte solo.

Cercados por desconfiança, mas com um grande álbum nas mãos, “Nheengatu” (2014), os Titãs surgiram mascarados e enfiaram goela abaixo do público seis excelentes porradas do disco novo de forma irrepreensível. As máscaras caíram na sétima canção, “Polícia”, tirando o público do transe causado pelo ataque potente do disco novo (“Vocês perceberam que já tocamos 10 canções do nosso último disco hoje?”, festejou Paulo Miklos em certo momento). A galera aprovou e os Titãs saíram coroados como o indiscutível (veja ranking no final da página) melhor show do festival (com direito a Érika Martins presente no palco duetando em “Flores”). É bom tê-los de volta.

A conta já estava fechada, mas ainda havia dois shows interessantes a serem vistos: quebrando um silêncio de dois anos, os irmãos Cavalera mostraram em primeira mão no Porão do Rock duas canções do disco novo, “Pandemonium”, que chegará às lojas dia 04/11: “Banzai Kamikaze” e “Babylonian Pandemonium” adiantam um disco brutal, ainda que o show fique no meio do caminho, apoiando-se exageradamente no repertório do Sepultura (11 canções da ex-banda dos Cavalera ecoaram na noite, algumas em medley). Feliz, o público respondeu com rodas de pogo (até na área vip) e uma saudação ensurdecedora aos irmãos.

No dia em que o cover foi institucionalizado (com RHCP, Ramones e Sepultura abastecendo repertórios), já na alta madrugada de segunda-feira, o Raimundos foi escalado para encerrar o festival mostrando canções de seu mais recente álbum e covers daquele velho e saudoso Raimundos. Melhor dar a mão a palmatória: esta apresentação em Brasília (na falta de chuva) lavou a alma dos fãs, e só pecou por ser exageradamente longa, como se Digão quisesse estender o bom momento o mais tempo possível. Destaques: a participação (de novo) de Érika Martins em “A Mais Pedida”, Marcelo D2 (que se apresentou no mesmo horário que os Cavalera) mostrando estar em forma ao dar longos sprints pelo palco, e uma imensa galera no palco cantando “Puteiro em João Pessoa”.

O saldo final do Porão do Rock 2014 foi bastante positivo, mas (mesmo na 17ª edição) há muita coisa a ser melhorada, de inaceitáveis problemas no som (uma constante nos dois dias do festival) ao line-up, um diamante que precisa ser mais bem lapidado: headliners não são apenas importantes, mas obrigatórios, porém é preciso valorizar o miolo da programação com novos artistas que tenham potencial para conquistar o espectador e voltar em melhores horários nos anos seguintes (até, quem sabe, serem headliners).

A abertura que o Porão do Rock tem com o público – e que foi conquistada merecidamente pelo festival ao longo de quase duas décadas – precisa ser ampliada, porque o festival segue sedimentado como um dos principais do calendário nacional, mas pode (e deve) fazer mais pela cena independente do que povoar os primeiros horários com oito bandas de seletivas que pouca gente vê. A música brasileira precisa de novos headliners, e, enquanto rádios e TVs “dormem”, festivais podem auxiliar decididamente nessa renovação. Basta escolher os artistas certos. É preciso mostrar para o público tudo que a música brasileira anda produzindo realmente de bom. E, acredite, há muita coisa. Que o futuro seja o presente, não o passado.

TOP 5 DE SHOWS DO PORÃO DO ROCK 2014
19 pontos – Titãs (4 votos)
16 pontos – Far From Alaska (4 votos)
13 pontos – Ratos de Porão (4 votos)
8 pontos – Pitty (2 votos)
6 pontos – Raimundos (4 votos)

Lucas Breda, Rolling Stone Brasil (leia a cobertura)
1 – Titãs
2 – Far From Alaska
3 – Ratos de Porão
4 – Cavalera Conspirancy
5 – Raimundos

Marcelo Costa, Scream & Yell
1 – Titãs
2 – Ratos de Porão
3 – Far From Alaska
4 – Erika Martins
5 – Cavalera Conspirancy

Marcos Bragatto, Rock em Geral (leia a cobertura)
1 – Titãs
2 – Ratos de Porão
3 – Pitty
4 – Raimundos
5 – Cavalera Conspiracy

Maurício Amendola, Billboard Brasil
1 – Far From Alaska
2 – Titãs
3 – Nação Zumbi
4 – Ratos De Porão
5 – Raimundos

Thales de Menezes, Folha de São Paulo
1 – Pitty
2 – Far From Alaska
3 – Adriah
4 – Raimundos
5 – Nevilton

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Todas as fotos por equipe Porão do Rock / Divulgação exceto as imagens dos shows de Far From Alaska, Ratos de Porão, The Baggios, Érika Martins, Titãs e Cavalera Conspirancy, por Marcelo Costa / Scream & Yell

Leia também:
– Quatro dias em Belém: Festival Se Rasgum 2014 segue um modelo inspirador (aqui)
– La Route du Rock 2014: muita lama e Portishead na Bretanha francesa (aqui)
– Em Oslo, Øya Fest: esses sabem fazer um festival de música de qualidade (aqui)
– Festival Casarão 2014 promove duas noites de boa música em Porto Velho (aqui)
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11 thoughts on “Balanço: Porão do Rock 2014, Brasília

  1. Eitaaaaaaaa….Titãs……como é bom ver que eles estão de volta…..o novo disco já tinha me pegado em cheio, com essa crítica positiva do MAC, aí acabou de entornar o caldo….tô afinzão de ver o novo show desses caras…..putz……..

  2. Nunca me conformei com esse caminho triste e decadente percorrido pelo Titãs ao longo do tempo, era simplesmente inacreditável! Fico muito feliz com esse retorno, de certa forma surpreendente, e de outra forma não, pois os que são um pouco mais velhos sabem bem do que estou falando. 🙂

  3. Far From Alaska (Wowwwww! 1), Cavaleira Conspiracy (Wowww! 2), Ratos de Porão, Raimundos com Fred na bateria, e Pitty (vá-lá) foram os pontos altos. 🙂

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