CD: Sete Vidas, Pitty

por Bruno Lisboa

A maturidade musical é, na grande maioria das vezes, um trabalho árduo de anos onde vivência, erros e acertos resultam em algo plenamente satisfatório. Porém, há aqueles que subvertem a lógica natural e, de forma surpreendente, já nascem prontos artisticamente e são capazes de produzir algo digno de nota, altamente agradável logo em sua estreia. Nesta rara seara, o primeiro disco de Priscila Novaes Leone, popularmente conhecia como Pitty, é um belo exemplo.

Após seis anos de dedicação à banda Inkoma, Pitty estreou solo em 2003 com “Admirável Chip Novo”, um álbum que conciliava letras bem trabalhadas (e inspiradas em escritores como Thomas Hobbes e Aldous Huxley) com uma sonoridade rock que recebeu uma produção precisa de Rafael Ramos. Praticamente todo escrito por Pitty (das 11 canções, apenas “Equalize” traz um coautor, Peu Sousa), “Admirável Chip Novo” vendeu alcançou a surpreendente marca de 370 mil cópias.

Com o súbito sucesso em uma época já não caracterizada por vendas exorbitantes de discos, principalmente de rock nacional, Pitty foi adotada como porta voz pelo público adolescente, e, seguindo a máxima de que “em time que está ganhando não se mexe”, manteve a lógica de trabalho nos discos subsequentes confirmando seu nome como um dos destaques no novo cenário brasileiro: “Anacrônico”, de 2005, alcançou 700 mil cópias; “Chiaroscuro”, de 2009, vendeu 200 mil exemplares.

Em 2011, buscando explorar novas texturas musicais, Pitty criou o projeto Agridoce ao lado de Martin Mendonça, ex-Cascadura e guitarrista da banda de apoio da cantora. A base do som era o folk, com uma sonoridade distante do rock visceral que vinha marcando sua carreira, e quem temia a receptividade do projeto pelos fãs mais antigos de Pitty foi surpreendido: o Agridoce foi tão bem recebido que a dupla lançou dois singles e excursionou por dois anos.

Após hiato de cinco anos de sua fase solo, Pitty volta aos holofotes com “Sete Vidas”, um trabalho que surge marcado por um turbilhão de experiências ruins – que incluem a morte de Peu, guitarrista (e amigo) que a acompanhou em sua primeira fase solo, o processo trabalhista movido por Joe, ex-baixista, e, principalmente, a internação na UTI devido a uma disfunção hormonal – que influenciaram decididamente a maneira da cantora olhar (e trabalhar) seu próprio som.

Produzido novamente por Rafael Ramos, “Sete Vidas” exibe forte influência de Queens of The Stone Age (presente também em discos anteriores da cantora) em canções como “Pouco”, “Pequena Morte” (sobre orgasmo) e a ótima “Deixa Ela Entrar”. O habitual tom de crítica social ressurge em “Boca Aberta” e em “A Massa” enquanto a pesada faixa título, primeiro single do álbum, exibe o refrão mais pegajoso de 2014: “Só nos últimos cinco meses / Eu já morri umas quatro vezes / Ainda me restam três vidas para gastar”.

Na ala das novidades, muitas delas oriundas da experiência adquirida com o projeto Agridoce, a faixa “Lado De Lá” surpreende com uma abertura delicada conduzida ao piano num arranjo que cresce absurdamente tornando-se explosivo nos seus minutos finais – bem aos moldes do Muse. Elementos percussivos (tocados por Pitty) se destacam na cadenciada “Um Leão” enquanto um tom adocicado e predominantemente acústico marca “Serpente”, uma canção otimista ante a vida, tema que permeia todo o álbum.

A sensação é de que Pitty conseguiu dosar muito bem as influências roqueiras exibidas em seus três primeiros registros solo com a experiência vivida ao lado do Agridoce (não a toa, ela toca instrumentos de teclas em 8 das 10 faixas assumindo a guitarra apenas em “Olho Calmo”) e ainda que “Sete Vidas” tenha nascido sob uma nuvem de experiências ruins, o tom otimista que marca o álbum resulta no melhor trabalho da cantora, um grande disco que marca o início de uma nova fase em sua carreira.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com

Leia também:
– Pitty sobre o Agridoce: “Sempre acho que vale a pena experimentar” (aqui)
– Pitty: “A visão das pessoas fica meio turva quando você vai pra grande mídia” (aqui)

7 thoughts on “CD: Sete Vidas, Pitty

  1. Mesmo mais pesado e mórbido que “Anacrônico”, “SETEVIDAS” apresenta equilíbrio entre harmonias e letras, entre peso e sutileza; passa a imagem de que a banda se achou e se encontra no melhor momento de sua carreira.

  2. A banda da Pitty é boa. Só. Letras tristes (tristeza pelo rock nacional), voz enjoativa, pedantismo e oportunismo resumem o resto.

  3. Quando vi o clip não me impressionei, mas quando ouvi o álbum me impressionei. Ouvi várias vezes no repeat. Disco homogêneo, que mesmo nos momentos mais calmos não larga mão do peso ( com exceção talvez a última Serpente, estradeira com levada de procissão e levada surpreendente coral world music) e letras densas, fazendo surgir a musica Sete Vidas como uma espécie de renascimento e uma levada mais otimista, mesmo os versos iniciais serem dos mais pesados do disco.

    Na musica Lado de Lá, não vejo essa influência do Agridoce, a não ser pelo uso do piano. A musica têm uma levada de cabaret macabro, longe do folk, que cai bem com a letra que trata de uma espécie de dança com a morte.

  4. Demorei um pouco a gostar das musicas desse álbum, mas depois de ouvi-lo inteiro por pelo menos 2 vezes simplesmente viciei, letras incríveis, melodias especiais, a banda está de parabéns e conseguiu se superar, até hoje posso dizer que nunca me decepcionei.

  5. O álbum mais maduro dela. Fora a treta com o Joe, não me decepcionou. O álbum é viciante, a musicalidade é impressionante, a voz casa perfeitamente com as melodias, nunca sobe para notas agudas mas dança bem em seu tom e sabe se posicionar em seu limite. Já comprei o CD e quero um LP pra ver o som que vai ficar a ”Olho Calmo”.

  6. Que pena a ausencia do grande baixista Joe…..Faz muita falta pelo músico e pessoa que é…..Pitty perdeu muito sem ele….Anacronico e Chiaroscuro continuam sendo os melhores discos dela…..E, pelo pouco que sei, pisaram feio na bola com o Joe……

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