CD: Turn Blue, The Black Keys

por Bruno Lisboa

Em meados dos anos 90, o desenho “Pinky e Cérebro”, criado por Steven Spielberg e Tom Ruegger, foi uma febre entre crianças e adolescentes. Para os de boa memória, um dos momentos célebres da obra era o seu encerramento, no qual Pink questionava ao amigo: “O que faremos amanhã à noite?”, e Cérebro em tom sinistro respondia: “O que sempre fazemos todas as noites. Tentar conquistar o mundo!”. A alusão aqui se faz necessária para se entender um pouco da carreira do duo americano The Black Keys.

Com trajetória iniciada em 2001, a banda formada por Dan Auerbach e Patrick Carney surgiu em meio a um revival da cena blues garage na terra do Tio Sam tendo como concorrente o também duo White Stripes. Desta fase foram produzidos quatro álbuns, “The Big Come Up” (2002), “Thickfreakness” (2003), “Rubber Factory” (2004) e “Magic Potion” (2006), todos produzidos pela própria banda em caráter lo-fi, mas que garantiram a exposição merecida, seja pelos elogios da crítica, seja pela abertura de shows de artistas do calibre de Beck, Sleater-Kinney e Dashboard Confessional. Mas uma grande parcela do público ainda não havia se rendido ao duo e para tanto uma guinada sonora foi necessária.

Em 2008, a mudança gradual começou a ser pavimentada via “Attack & Release”, primeiro disco com um produtor de fato colaborando no processo criativo: o hoje elogiadíssimo Danger Mouse, que na época colhia os louros inicias da fama devido ao estrondoso sucesso de projeto Gnarls Barkley. Mouse soube dosar a essência suja da sonoridade da dupla casando de forma ímpar com uma produção polida resultando num dos discos daquele ano.

A parceria deu tão certo que para os álbuns seguintes, o ótimo “Brothers” (2010) e o multiplatinado “El Caminho” (2011), o trabalho seguiu em plena forma resultando no então sonhado sucesso mundial. Tanto barulho fez com que o duo virasse uma banda, saísse das pequenas arenas e migrasse para ser headliner de festivais mundo afora. Os brasileiros, inclusive, vivenciaram parte deste fenômeno quando o Black Keys foi atração principal na segunda noite do Lollapalooza Brasil 2013.

Pois bem, ao que parece a experiência de estar no centro das atenções não foi algo valoroso para o duo e a prova disso é “Turn Blue”, álbum lançado em maio de 2014 pelo duo. A aposta agora é o retrocesso em todos os sentidos. Produzido novamente por Danger Mouse, em sua quarta parceira com a dupla, aqui é visível a saída da proposta de criar hinos a serem entoados em estádios (tanto “El Camino” quanto “Brothers” pareciam coletâneas com dezenas de hits) em prol de algo mais intimista e audível em seus detalhes.

A canção de abertura, “Weight of Love”, já entrega de bandeja a nova sonoridade: em seus quase sete minutos, a canção mais longa criada pelo duo, “Weight of Love” apresenta uma longa introdução instrumental, um solo de guitarra e certo ar progressivo setentista, herança do Pink Floyd. O ar retrô, aliás, é o que conduz o disco. “In Time” é carregada de suingue beirando o funk. A faixa título é uma balada que promove o encontro de blues de outrora com um toque de soul. Com potencial radiofônico, a pegajosa “Fever”, primeira single do rebento, soa melodicamente como sobra de “Brothers”.

Em “Year in Review”, a bateria ligeiramente acelerada dá o tom para que Dan solte o verbo sobre o seu doloroso processo de divórcio, tema este que circunda todo o trabalho. Destacam se ainda a psicodélica “Bullet in The Brain” e “It’s Up To You Now” faixa que consegue unir a lado rock do velho Keys com o balanço setentista. “10 Lovers” é um funk literal enquanto “Gotta Get Away”, faixa de encerramento, é uma pérola pop que encerra brilhantemente o trabalho.

Por mais que o plano de dominar o mundo aparentemente tenha sido deixado de lado (o álbum debutou em primeiro lugar na Billborad), há de vangloriar a ousada nova proposta escolhida pelo Black Keys. Afinal, mesmo que o resultado talvez não agrade aos fãs de primeira e última hora, a qualidade impressa faz com que “Turn Blue” seja valorizado pelos detalhes, que saltam aos ouvidos quando se ouve o disco por várias e várias vezes, um teste cada vez mais difícil, e pelo qual o Black Keys passa com louvor.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com

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5 thoughts on “CD: Turn Blue, The Black Keys

  1. Achei Turn Blue lastimável. Sinto falta das guitarras e me canso com o excesso de teclados, coros fajutos e a bateria sempre marcada. Me parece um disco planejado em excesso, assim como El Camino, tanto que as músicas mais novas ficam vazias ao vivo. Acho que é um disco que vai agradar mais os fãs de David Guetta do que os fãs mais antigos da banda.

  2. Turn blue não chega a ser um excelente disco como foram Brothers e El camino, mas por vezes é até natural uma certa “queda” até porque após dois álbuns esplêndidos as expectativas são altas, mas é um bom disco tanto quanto Attack & Release por exemplo.

  3. Turn Blue é um dos piores discos do ano. Na verdade, eu não ouvi nada pior que isso em 2014. Simplesmente não consigo passar do refrão de música nenhuma. Uma grande merda, pra minha tristeza…

  4. “Turn blue” não desce de primeira. Mas após várias audições entendi a proposta e gostei do resultado final. : )

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