Entrevista: Sini Anderson fala sobre Kathleen Hanna e o documentário “The Punk Singer”

por Juliana Torres

Sini Anderson trabalha com cinema há mais de 10 anos e Kathleen Hanna é uma das maiores ativistas do feminismo dos últimos 25 anos, além de uma lenda da cena norte-americana. “The Punk Singer” (2013), documentário exibido na última edição do festival In-Edit Brasil, é o resultado da união das duas, dedicadas a contar a história da líder da banda Bikini Kill e Le Tigre e uma das idealizadoras do movimento Riot Grrrl. Se ainda não está convencido da importância da “rebel girl” de Portland, outra importante contribuição de Kathleen é o título de “Smells Like Teen Spirit”.

“The Punk Singer” é uma homenagem aos anos 90. É um revival nostálgico que acompanha a formação do Bikini Kill e, automaticamente, do Riot Grrrl, termo criado por Kathleen e que imediatamente ficou associado a bandas feministas que apareceram durante a cena única do noroeste americano. O que elas queriam? “Girls to the front”. Porque muitas vezes a única forma de fazer a sua voz valer é pela arte. Ou gritando a plenos pulmões. Kathleen Hanna escolheu ambos.

Sini Anderson também fez a escolha mais sábia. Nascida em Chicago, a diretora, artista plástica, poeta e produtora é a co-criadora do movimento lésbico-feminista “Sister Spit”, coletivo artístico de São Francisco formado em 1994 que pretendia dar liberdade e voz à comunidade lésbica da Califórnia. O grupo se separou em 2005 e Sini trabalhou como curadora do National Queer Arts Festival e como diretora artística do Nectar Stage at San Francisco’s Pride, ambos importantes órgãos que lutam pelos direitos gays. Foi em 2002, em um festival de música no Brooklyn, onde mora atualmente, que conheceu Kathleen e seu marido, Adam Horowitz (aquele cara do Beastie Boys) e o resto é história muito bem contada.

O filme registra, em tom meio lo-fi e com muita imagem de arquivo, diversos momentos da vida de Kathleen. Das ameaças de morte enquanto vocalista do Bikini Kill, a mudança estética enquanto gravava sozinha o primeiro disco da Julie Ruin até a formação do trio Le Tigre, que durou até 2005, quando Hanna teve que se afastar da música para tratar da Doença de Lyme (uma infecção bacteriana transmitida pela picada do carrapato, e que pode debilitar seriamente a pessoa) em estado avançado.

Kathleen aceitou fazer “The Punk Singer” porque achou que estava morrendo, imaginando o registro como um pós-morte importante para as próximas gerações. Kathleen não morreu e o filme se tornou um grande sucesso além de um modelo importante que retrata o momento que vivemos hoje. Sini Anderson conversou exclusivamente com o Scream & Yell e nos explicou como foi gravar o filme com praticamente nenhum dinheiro e com ambas lutando contra a doença de Lyme. E, claro, sobre feminismo e o que ela acha do machismo entre as mulheres.

Como foi a sua primeira experiência com a Kathleen Hanna?
Nós nos conhecemos em um festival de música em 2002 e nos demos bem logo de cara.

“The Punk Singer” foi o seu primeiro filme? Como surgiu a ideia de fazer esse filme?
Eu venho trabalhando com cinema há aproximadamente 15 anos, mas esse filme foi a minha primeira produção. Kathleen estava me falando muito sobre o documentário sobre o Le Tigre e eu disse a ela que, talvez, fosse o momento de contar a sua própria história. Ela concordou, mas disse que contaria a sua história se fosse eu a pessoa a fazer o filme. Então tudo começou.

Vocês fizeram uma grande campanha de crowdfunding que fez o filme sair do papel, certo? Como foi esse processo?
Nós praticamente não tínhamos dinheiro para produzir o filme e eu sabia que teríamos ainda menos para a pós-produção, então começamos um Kickstarter. Foi incrível ver quantas pessoas apoiavam a gente e então conseguimos começar o processo de edição. O problema foi que não cuidamos dos direitos e muito do retorno financeiro do filme nós ainda não recebemos. É uma longa história que me dá um pequeno ataque cardíaco todos os dias. Para a maioria das pessoas elas só queriam ver o filme ser realizado e ainda estão aguardando pelo pagamento. Outras pessoas ficaram muito nervosas, o que também faz sentido. Eu também fiquei nervosa. Nosso filme foi considerado extremamente bem-sucedido e ainda estamos com as contas no vermelho. Infelizmente eu sou a única que precisa se preocupar com isso.

Você fez o filme com a equipe quase exclusivamente feminina. Isso é importante para você?
Sim, isso é importante com absolutamente tudo o que eu faço. E quero que siga dessa forma para sempre.

Como mulher, eu fico confusa cada vez que encontro uma mulher machista. Nós nos julgamos muito e não tratamos muito bem outras mulheres que trabalham conosco, criativamente falando. É exatamente o oposto do que o Riot Grrrl defendia, certo?
Eu acho que o primeiro problema que impede as mulheres de irem ao topo de suas profissões é se auto denigrir. Nós esperamos a perfeição, mas a verdade é que ela não existe. Se nós continuarmos a nos prender – e a prender a outras mulheres – a esse padrão destrutivo então nós continuaremos apenas observando os homens dominarem tudo, todo o poder e eles continuarão a nos colocar para baixo. Nós temos que nos desprender dessa ideia de perfeição, e fazer o feminismo dar certo. Nós aprendemos enquanto agimos, não esperando pela perfeição. E eu tenho certeza disso. Estou cometendo erros publicamente a torto e à direito e eu jamais vou deixar isso me envergonhar e me impedir de tentar. Estou destinada a cometer erros e fazer arte.

Você acredita que a definição de feminismo mudou desde 1992?
Eu acho que ainda estamos lutando aquelas mesmas batalhas e agora ainda conseguimos adicionar algumas outras na guerra.

O punk é mais que um rito de passagem, mas um estilo de vida para muitas meninas mais novas que estão aprendendo sobre música e encontrando seu caminho. Seu filme é muito importante para mostrar esse movimento de mais de 20 anos atrás.
Eu também acredito que sim. Muitas meninas mais novas estão descobrindo o trabalho da Kathleen a partir desse filme e todas elas parecem estar muito impressionadas com tudo o que estão aprendendo.

O filme também é importante porque lança uma luz sobre o problema da doença de Lyme. Como está a Kathleen agora e como o filme a ajudou a combater a doença, psicologicamente falando?
Essa doença é um problema imenso nos Estados Unidos. Eu também tenho a doença de Lyme e tive que passar por um tratamento intenso para conseguir terminar o filme. Isso é muito, muito sério. Kathleen estava muito bem por um período e a doença parecia estar regredindo. Infelizmente eu ouvi recentemente que ela teve que cancelar seus próximos eventos por 9 meses para poder voltar para o tratamento.

Você está trabalhando em outro filme sobre a Doença de Lyme, certo? Você pode falar um pouco sobre ele?
Sim. No momento eu estou trabalhando em outro documentário sobre mulheres com estágio avançado de Lyme. Se chamará “So Sick”. Desde o dia que começamos o filme (“The Punk Singer”) até o dia que terminamos de filme, Kathleen e eu conhecemos outras 17 feministas e artistas que tinham a doença e que ficaram extremamente doentes durante o processo do filme. Eu não sei porque o nosso governo não fala sobre isso.

Nós estamos tendo outra grande onda de feminismo ao redor do mundo. O que é muito importante, principalmente para países como o Brasil, onde ainda temos problemas primários encrustados na nossa sociedade. Em sua opinião, quais são os próximos passos?
Eu acredito que existem outras pessoas, envolvidas na quarta onda de feminismo que está acontecendo agora, que talvez possam responder essa pergunta melhor do que eu. Mas eu só gostaria de dizer para continuarem lutando essa luta, mas não gastem seus tempos lutando entre si.

Você tem algum conselho para as meninas que querem seguir a carreira cinematográfica?
Encontre outras mulheres que possam ser suas mentoras. Lute de verdade contra todas as paredes que serão construídas na sua frente. Serão muitas. Tente não levar nenhum absurdo dessa carreira para a sua vida pessoa. Porque pode ser muito nojento. Nós precisamos das nossas vozes, então eleve-se acima de tudo e faça acontecer.

– Juliana Torres (@jukiddo) é jornalista e assina o http://jukiddo.tumblr.com/

Leia também:
– In-Edit Brasil: “The Punk Singer” deixa um gosto imensamente amargo na alma (aqui)

2 thoughts on “Entrevista: Sini Anderson fala sobre Kathleen Hanna e o documentário “The Punk Singer”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.