Boteco: As cervejas da Fuller’s (pt 1)

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por Marcelo Costa

A Fuller Smith & Turner Brewery é uma cervejaria independente inglesa que surgiu em 1845 em Chiswick, oeste de Londres, no mesmo local que abrigava a Griffin Brewery desde 1660. John Fuller entrou no negócio em 1829, e quando um de seus sócios o abandonou em 1841, ele começou a procurar novos parceiros. Entram em cena Henry Smith (que então era responsável pela Romford Brewery) e seu cunhado, John Turner, formando assim em 1845 a aliança que até hoje é conhecida por Fuller Smith & Turner. Uma das cervejarias mais importantes da Inglaterra, a Fuller Smith & Turner mantém mais de 380 pubs no sul da Inglaterra (em cidades como Birmingham, Brighton, Bristol e Bromley – 111 deles adquiridos em 2005) e alguns rótulos míticos da cultura cervejeira britânica em cardápio, como as excelentes London Pride, ESB, Organic Honey Dew, India Pale Ale e 1845, todas facilmente encontradas no Brasil com preços indo de R$ 18 a R$ 25 (garrafas de 500 ml). Vamos a elas.

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A Fuller’s London Pride é nada mais nada menos que a premium bitter número um do Reino Unido. Fabricada às margens do Rio Tamisa, é quase um ícone da capital londrina. Em sua receita, notadamente maltada, destaca-se ainda a combinação de três variedades de lúpulos: Target, Challenger e Northdown. De coloração âmbar caramelada e espuma levemente bege de boa formação e baixa permanência, a London Pride é a marca de uma bitter tradicional. No aroma, notas maltadas se desprendem remetendo a caramelo, leve toque resinoso, bala toffee e suave percepção de lúpulo floral. O paladar reforça as impressões aromáticas com o malte comandando toda primeira parte da experiência sensorial (dulçor caprichado remetendo muito a caramelo num tom maltado que se aproxima de uísque) enquanto o lúpulo surge brilhantemente no final, dá uma estocada de amargor, e desaparece, deixando para trás caramelo e um leve toque floral. Um ícone.

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Já a Fuller’s ESB (Extra Special Bitter) parece, à primeira bebida, uma versão encorpada da London Pride. Lançada no inverno de 1971, ela fez tanto sucesso que deixou de ser sazonal para frequentar os barris da cervejaria o ano inteiro, e ganhou ainda mais fama quando levou o prêmio de cerveja do ano no CAMRA (Campaign for Real Ale), em 1978. Sua receita une malte Pale Ale e Cristal, milho (sim, milho) mais lúpulos Challenger, Northdown e Goldings. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar caramelada (mais intenso que a London Pride) e creme bege de boa formação e média permanência. No aroma, a primeira sensação é… porão mofado (risos). Sério. Junte a isso forte presença de caramelo mais resina e bala toffee além das notas da lupulagem, tanto florais como cítricas, sem, no entanto desiquilibrar o conjunto (norte-americanos, aprendam). O paladar é ainda mais maltado que na London Pride, e até o cítrico do lúpulo (laranja) marca mais presença. O final é equilibradíssimo: amargo e maltado. O retrogosto é caramelo e cítrico. Apaixonante.

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A Fuller’s Organic Honey Dew é uma Golden Ale que recebe adição de mel (orgânico) em sua receita (em que todos os ingredientes são orgânicos). O rótulo exibe orgulhoso: “Produzida às margens do Tamisa”. Para uma cervejaria caracterizada por um equilíbrio metódico em suas cervejas, a Fuller’s Organic Honey Dew mantém a característica ao mesmo tempo em que entrega o que promete. De coloração dourada e creme branco de boa formação e média permanência, a Honey Dew destaca no aroma seu ingrediente extra: o mel é perceptível com facilidade, mas não se sobrepõe às notas que remetem a aveia e fermento mais sugestão floral derivada do lúpulo, tudo perfeitamente balanceado. No paladar, por sua vez, as notas adocicadas se sobressaem, com o mel e o caramelado do malte aumentando o dulçor enquanto lúpulo e levedura ficam na retaguarda, observando. Ainda assim, é o padrão inglês de exagero, ou seja, bem suave. Há reforço de sugestão de trigo e aveia enquanto o final, muito refrescante, junta cevada e mel (sem nenhum amargor). O retrogosto é… doce.

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Se a Organic Honey Dew é a cerveja “suave” da Fuller’s, a India Pale Ale é a versão arisca da casa londrina. O engraçado é que entre uma ponta e outra, a distância não é tão longa (talvez para um paladar tradicional, faça diferença, mas a Fuller’s IPA parece uma elegante duquesa britânica perto das exóticas releituras das cervejarias norte-americanas). De coloração âmbar alaranjada e creme bege claro de boa formação e média permanência, a Fuller’s India Pale Ale valoriza os lúpulos Goldings, Fuggles e Target sem que eles saltem para fora da taça. É possível perceber notas florais, herbais e leve cítrico junto a um toque de resina e caramelo. No paladar, o amargor é moderado, e vai aumentando conforme a garrafa esvazia. Essa persistência surge revestida de caramelo, resina e notas cítricas (mais perceptíveis e remetendo a acerola e maracujá), sendo que esta última se intensifica no final, amargo e marcante. O retrogosto é um amargor continuo que irá surpreender quem começou a taça desdenhando uma cerveja elegante e que cumpre o que promete.

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Fechando este primeiro passeio pelas cervejas da Fuller’s com a 1845, uma Old Ale produzida pela primeira vez em 1995 para comemorar os 150 anos da Fuller Smith & Turner. A receita reúne três tipos de malte – Pale Ale (num mix de Pipkin, Maris Otter e Halcyon), Cristal e Amber – com um de lúpulo (Golding), mais uma segunda refermentação na garrafa. Levou por duas vezes o prêmio de cerveja do ano da CAMRA (Campaign for Real Ale). De coloração âmbar puxado para o caramelado escuro e creme bege de alta formação e boa permanência, a Fuller’s 1845 destaca no aroma o conjunto caprichado de malte em notas que remetem a caramelo, passas, bala toffee, nozes e açúcar queimado. Há leve percepção tanto dos 6.3% de álcool quanto da presença do lúpulo, com sugestão cítrica. De textura suave, o paladar, incrível, exibe o melaço do malte trazendo consigo no primeiro ataque uma pitada de álcool e presença de lúpulo, tentando equilibrar o conjunto – e, por momentos, conseguindo. A sensação é caramelada, mas o amargor aumenta no final (com ajuda do álcool). No retrogosto, caramelo e resina. Amor sincero.

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Balanço
Minha primeira Fuller’s London Pride foi bebida na primeira vez que estive em Londres, anos atrás. Assim que cheguei na cidade, o amigo que me abrigou em sua casa me levou para um pub e recomendou: “Essa é a cerveja de Londres”. Foi um susto: o pint veio morno, quase em temperatura ambiente (uns 15 graus), e na época não soube aproveitar o melhor desta cerveja. Agora, uns sete anos depois, já com as pazes devidamente feitas com a escola britânica, só posso dizer que gostaria de ter umas cinco caixas de Fuller’s London Pride em casa – eu a beberia um pouco mais gelada que no Reino Unido, mas de forma alguma tentando esconder com gelo seu excelente paladar. Um ícone londrino, que cai maravilhosamente bem nos dias de infernais de verão que estamos vivendo. E a Fuller’s ESB? É a Fuller’s London Pride encorpada com mais malte e mais lúpulo. Ou seja, ainda melhor! Uma cerveja para se apaixonar. O mesmo pode ser dito da Fuller’s Organic Honey Dew, a versão orgânica e com mel da cervejaria inglesa. Fãs de lúpulo se afastem. Não que o dulçor seja agressivo, mas não há traço de notas de amargor no conjunto. O dulçor se sobressai, ainda que de forma suave e refrescante. Uma bela cerveja para acompanhar um prato leve em um dia de verão.

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Da cerveja suave da casa para a mais arisca: Fuller’s India Pale Ale é uma English IPA que mostra ser possível vencer pelo amargor, mas com muita elegância. Nada de porradas lupulomaniacas aqui. O equilíbrio volta a dar o tom em uma receita cuja estrela (o lúpulo) amplia seu brilho conforme a garrafa esvazia. O amargor, então moderado, se intensifica com o tempo, e a cerveja engrandece. Uma aula. Última desse primeiro passeio pelas cervejas da beira do Tamisa, a Fuller’s 1845 é, também, a que mais gostei dessa seleção: paixão pelo malte, uma pitada de álcool (que, em alguns momentos, remete a uísque – são só 6.3%, mas perceptíveis) e o lúpulo chegando na hora certa, para fazer com que a gente busque uma outra garrafa. Vale demais a pena conhecer uma cervejaria que prima pela elegância: sem abandonar a paixão pelo malte, eles variam as receitas sutilmente e conseguem excelentes resultados. Em abril de 2013, a cervejaria decidiu remodelar o design de rótulos e garrafas, e a tendência é de que toda a linha da Fuller’s passe a usar o modelo da Honey Dew e IPA, acima (mais fino e mais alto – eu prefiro ainda a estilosa garrafa antiga).

Fuller’s London Pride
– Produto: Special Premium Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4,7%
– Nota: 3,41/5

Fuller’s ESB
– Produto: Extra Special Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5,9%
– Nota: 3,65/5

Fuller’s Organic Honey Dew
– Produto: Golden Ale
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,39/5

Fuller’s India Pale Ale
– Produto: English India Pale Ale
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5,3%
– Nota: 3,70/5

Fuller’s 1845
– Produto: Old Ale
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 6,3%
– Nota: 3,79/5

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Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)
– Sobre todas as cervejas da Fuller’s postadas aqui (aqui)

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