1970-2013: A volta de Linda Perhacs

por Fabiana Caso

O baú pop rock de álbuns e talentos perdidos no tempo prendeu por mais de 30 anos uma voz de veludo, que ecoava folk psicodélico em harmonias vocais etéreas e letras confessionais através de paredes estreitas demais. O privilégio de ouvir o timbre macio se restringiu aos pacientes de certo consultório odontológico de Beverly Hills, em Los Angeles, e de amigos, e da família – ou de pouquíssimos e sortudos colecionadores muito bem informados. Com a alavanca das facilidades digitais para descoberta e compartilhamento de música – e um bem-vindo empurrão de Devendra Banhart – finalmente uma legião de jovens e não-tão-jovens descobriu a joia folk em forma de álbum: “Parallelograms”.

Lançado originalmente em 1970 pelo selo Kapp e solenemente ignorado pelo mercado norte-americano, “Parallelograms” foi relançado com extras consecutivamente em 2005 (selo Wild Places) e 2008 (Sunbeam Records). A cantora, compositora, arranjadora e violonista do disco magnífico é Linda Perhacs, uma senhora alçada ao status ‘cult’ na Europa e Estados Unidos, depois de ter abandonado a carreira artística há mais de 40 anos devido à falta de reconhecimento comercial e se retirado à sua vida como dentista. Ela está de volta e vai lançar um novo álbum previsto para sair em março, “The Soul Of All Natural Things”, pelo selo Asthmatic Kitty, e com colaborações de revelações da cena atual de Los Angeles como a cantora/ compositora Julia Holter, e ao que tudo indica, do próprio Devendra. E está confirmada no Primavera Sound 2014.

Assim como o magnífico “Cold Fact”, de Sixto Rodriguez (talvez não por acaso, lançado no mesmo ano de 1970, de compositor de folk também americano, apesar de ele seguir por uma vertente diferente, mais próxima ao “trovadorismo” de Bob Dylan), é um mistério a falta de reconhecimento de “Parallelograms” na época do lançamento, porque o disco de Linda tanto conserva a pegada da época como inova em padrões vocais, com sobreposições harmônicas em camadas, que colocam o ouvinte em uma espécie de câmara coral de sereia, como na faixa-título, que contém ainda texturas sonoras experimentais em uma suíte de folk psicodélico. As letras seguem a linha confessional deflorada por Joni Mitchell, com uma visão feminina, psicológica, íntima, corajosa em demonstrar fragilidades e emoções (“Hey now, who really cares / Hey, won’t somebody listen / Let me say what’s been on my mind / Can I bring it out to you / I need someone to talk to / And no one else would spare me the time”, por exemplo, na canção “Hey, Who Really Cares”). Os fãs da cantora Judee Sill, outra cria da cena folk de Los Angeles que lançaria o seu primeiro álbum solo no ano seguinte (1971), e até do grupo Cocteau Twins provavelmente vão identificar ecos de inspiração que podem ter vindo do álbum de Linda Perhacs.

Em 2013, Linda Perhacs se apresentou em Berlim, em show único, como parte da pequena (primeira) tour europeia que realizava depois de 43 anos do lançamento de seu primeiro álbum. Esse “espetáculo” folk aconteceu no “templo-cool” do Techno na capital alemã, o Berghain, no bairro de Friedrichshain, numa segunda-feira de 5 graus. Na frente do imponente prédio do Berghain, o nada absoluto. Nenhum movimento, nenhuma pessoa, nenhuma luz, nenhuma voz. O show parecia ter sido cancelado, mas em uma pequena casa do lado direito da propriedade, chamada de Berghain Cantina, um universo paralelo estava em curso, com o calor do sistema de aquecimento e das pessoas sorridentes que lotavam a (pequena) casa. O show já começava, com Linda, vestida de rosa, desculpando-se por estar rouca na fria Berlim por ter vindo de um lugar ensolarado como Los Angeles – mas garantindo que no novo álbum isso estará resolvido. Ao vivo, a voz continua soando como veludo acariciante.

A banda tem mais duas vocalistas de apoio, um guitarrista/ violonista / tecladista e mais um violonista e guitarrista (respectivamente, Chris Price e Fernando Perdomo, coprodutores do álbum que será lançado em março). Eles passam a limpo muitas das canções de “Parallelograms”, levando a plateia a aplausos entusiásticos. Talvez pela rouquidão, Linda conversa mais do que canta, e quando o faz, é plenamente apoiada pelas outras vocalistas. Ela fala sobre os seus pacientes durante o show, exalta Devendra e apresenta uma música que ele compôs para ela. Tece loas a outros jovens artistas da cena de Los Angeles como Holter e faz longas apresentações dos membros (também jovens) de sua banda. Em dado momento, abre o microfone para cada um deles mostrar as suas composições, eficientes, mas não muito impressionantes no sentido criativo.

As músicas do novo álbum cheiram a incenso, retomando o tom da virada dos anos 1960 para os 70 em letras sobre a natureza, a energia pessoal, o amor. Em uma primeira audição no show, parecem algo deslocadas do momento presente, fazendo-nos lembrar que estávamos na Berlim de 2013. Mas são essas novas composições que trarão Linda Perhacs ao mundo dos “vivos” no pop rock, fazendo a sua voz soar, finalmente, em um álbum fresquinho a sair em breve. No meio tempo, vale a pena ouvir e render-se aos encantos do registro de sereia de 1970. Fique de olhos e ouvidos abertos. Linda Perhacs está de volta.

Fabiana Caso é jornalista e curadora do projeto Rádio Hussardos, com shows e debates no Hussardos Clube Literário, no centro de São Paulo

Leia também:
– Primavera Sound anuncia o line-up completo da edição 2014 do festival (aqui)

2 thoughts on “1970-2013: A volta de Linda Perhacs

  1. Sensacional conheci Judee Sill e depois a Linda Perhaps, INCRÍVEL como essas duas joias só foram reconhecidas depois de tanto tempo e pra infelicidade da Judee nem ao menos esta viva pra desfrutar desse reconhecimento tardio, mas antes tarde do que nunca

  2. Fabiana, conheci Linda Perhacs por acaso há 1 ano – nada a acrescentar sobre o que falou, beleza de texto. Judee Sill conheci há uns 4 meses. Cheguei a sonhar com ela, tamanha a impressão que me causou. Acho que há uma diferença entre as duas, Perhacs é um pouco mais original, difícil contextualizá-la, a sonoridade e sobretudo as composições, canções lindíssimas, não me reportam a nenhum compositor que conheço antes dela. Já Judee Sill, reconhecemos influência erudita e folk. Mas acima de tudo, dois milagres da natureza.
    Um abraço,
    Hélio
    (há uma francesa que vale a pena conhecer: a desconhecida Catherine Ribeiro)

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