Boteco: Três cervejas da Brouwerij Verhaeghe

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por Marcelo Costa

Da pequena vila de Vichte, na região dos Flanders belgas, próxima de Gent, surge a cervejaria de Paul Verhaeghe, nascida em 1885 e uma das últimas representantes radicais (e sensacionais) do estilo belga de produzir cerveja. A história da cervejaria sobreviveu às duas grandes guerras mundiais: na primeira, Paul Verhaeghe acatou o pedido do governo belga de fechar às portas da cervejaria para não atender o exército alemão que ocupava o país – em represália, o exército desmontou a cervejaria. Quatro anos depois, a Brouwerij Verhaeghe estava de pé novamente, tornando-se líder no mercado local. Já na Segunda Guerra, a cervejaria sofreu com a falta de cevada, que o obrigava Paul Verhaeghe a fabricar bebidas com menos de 1% de teor alcoólico. Passados os períodos difíceis, a Brouwerij Verhaeghe se firmou como uma autêntica representante do estilo flamengo de fazer cerveja, e a estrela da casa, Duchesse de Bourgogne, é considerada por muitos como uma das melhores cervejas do mundo. Abaixo, algumas palavras sobre ela e outras duas cervejas da Verhaeghe.

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Apresentada como uma autentica cerveja flamenga, a Vichtenaar é uma Flanders Red Ale (que os belgas denominam como Red-Brown Ale) maturada em barril de carvalho por 8 meses. De coloração marrom escura e espuma bege de ótima formação e permanência, a Vichtenaar destaca inicialmente um aroma avinagrado que remete a azeite balsâmico, frutas escuras, madeira e resina. A acidez é facilmente perceptível, e assusta o bebedor não acostumado ao estilo, mas é possível ainda perceber algo de adocicado no conjunto, remetendo a caramelo. No paladar, a coisa muda um pouco de figura porque o avinagrado dá o primeiro bote, mas é logo encoberto por uma camada de dulçor ácido que remete a frutas escuras (morango e principalmente ameixa) e espumante. O final é açúcar mascavo com champagne, e fica, fica, fica até se juntar ao retrogosto, que parece não querer deixar que você esqueça uma grande cerveja. Simplesmente deliciosa.

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A Echt Kriekenbier, por sua vez, é uma da Vichtenaar que também é maturada em barril de carvalho por 8 meses, mas tem cerejas frescas adicionadas nos últimos 5 meses de maturação. Ou seja, não tem com base as tradicionais lambics, mas sim uma Flanders Red Ale, e isso altera o seu perfil significantemente. O resultado é uma cerveja de coloração avermelhada puxada para o avinagrado, de espuma de média formação e baixa permanência (a espuma some rapidamente). No aroma, as notas frutadas relativas à cereja estão bem inseridas no conjunto, de forma que não se sobressaem tanto, embora sejam facilmente perceptíveis. O equilíbrio é conquistado com o malte tostado envelhecido no barril, que traz o toque avinagrado a balsâmico da Vichtenaar para o conjunto, enquanto as notas doces da fruta inserida distraem maravilhosamente o olfato. No paladar, a sensação é exatamente a contrária da Vichtenaar: o dulçor da cereja dá o primeiro bote, rápido, enquanto a acidez domina o restante do percurso e segue até o final, seco, levemente frutado e ácido. O retrogosto, ótimo, traz cereja e acidez. Para viciar.

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Fechando o trio, a mítica Duchesse De Bourgogne, uma Flanders Red Ale de fermentação mista que surge do blend entre uma cerveja maturada em barril de carvalho por 8 meses e outra envelhecida por 18 meses (ou seja, é uma versão caprichada da Vichtenaar) e é a mais tradicional cerveja da região dos Flanders Ocidentais, na Bélgica. De coloração âmbar puxado para o caramelo escuro e creme de excelente formação e média permanência, a Duchesse De Bourgogne é a mais delicada das cervejas da Verhaeghe, com um aroma complexo ainda que não tão intenso quanto as duas anteriores. Repetem-se com leveza as notas avinagradas com sugestão de balsâmico, frutas vermelhas e escuras (cerejas e ameixas), mel, madeira, azedume e resina. No paladar, surpreendente, a acidez é bem mais intensa de que na Vichtenaar (versão de 8 meses) pegando no céu da boca e riscando a garganta (enquanto o toque frutado – ameixa e cereja – tenta chamar a atenção do palato ao lado de sugestões de vinho tinto e madeira) até o final do trajeto, levemente azedo e caramelado. No retrogosto, um frutado intenso e envolvente e algo de vinho tinto. Espetacular.

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Balanço
Demorei muito para me enveredar pelas cervejas da Verhaeghe, e agora que comecei, não gostaria de sair tão cedo. A Vichtenaar está muito longe do padrão clássico de cervejas que o Brasil conhece – poderia dizer que ela fica no meio do caminho entre Jerez e champagne – mas é absolutamente arrebatadora. O aroma antecipa uma cerveja ácida e avinagrada, e o bebedor se prepara para a porrada, mas é só um leve toque, que depois será coberto por um dulçor delicado e envolvente, que remete a ameixa e permanece durante um bom tempo. Simplesmente deliciosa. Já a Echt Kriekenbier é uma deliciosa inversão da Vichtenaar, pois parte do ponto inicial da produção de uma Flanders Red Ale e, após três meses, recebe adição de cereja inteiras no barril, que fica maturando mais cinco meses. O resultado é uma cerveja ácida e frutada, em que as duas características brilham em igual proporção. Simplesmente deliciosa (parte 2). Fechando o conjunto, a Duchesse De Bourgogne é quase que um blend entre as duas anteriores, mesmo não recebendo adição de cerejas – a sensação da fruta é nítida no conjunto, um blend de barris maturados de 8 e 18 meses. É uma cerveja espetacular, que provoca o paladar com azedume intenso e dulçor cativante. Um clássico belga.

Vichtenaar
– Produto: Flanders Red Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 5,1%
– Nota: 4,31/5

Echt Kriekenbier
– Produto: Flanders Red Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 6,8%
– Nota: 4,30/5

Duchesse De Bourgogne
– Produto: Flanders Red Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 6,2%
– Nota: 4,79/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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