Entrevista – Fito Paez: “Se a música foi hit no Brasil ou no México, não é importante. Importante é a relação construída com as pessoas”

por Leonardo Vinhas

À primeira pergunta feita em espanhol pelo repórter, Fito Paez respondeu em um ótimo português – uma entre as muitas evidências da excelente relação que ele mantém com nosso país, mesmo que ele nunca tenha atingido sucesso comercial por aqui.

Tentativas, aliás, não faltaram: há anos, Fito tem a maioria de seus discos editados por aqui, e toca em várias capitais, tendo até participado do pouco verossímil festival M2000 Summer Concerts em 1994, em Florianópolis, cujo line-up conseguiu colocar o argentino entre a cantora teen Deborah Blando e o rock pesadão do Helmet (e você que achava que só o Rock In Rio tinha escalações aleatórias). Isso sem contar que um dos maiores hits dos Paralamas, “Trac Trac”, é versão de uma canção sua. Os Paralamas ainda verteram “ElAmor Después del Amor” para o português no disco “Brasil Afora”, e os Titãs chamaram o rosarino para acompanhá-los na recriação de “Go Back” em seu estourado “Acústico MTV”. Por essas e por outras, Fito Paez ainda é sinônimo de rock argentino nas terras de Anitta e Lulu Santos.

Ao mesmo tempo, é muito difícil encontrar um brasileiro que conheça a obra de Fito, ou mesmo se lembre de uma canção dele. Em 2012, ele trouxe a São Paulo a turnê que celebrava os vinte anos do álbum “El Amor Después del Amor”, o disco mais vendido de toda a história do rock argentino, e o público foi pequeno. Procurar algum de seus 18 discos de estúdio (muitos lançados pela Sony Music Brasil) em lojas físicas não costuma render frutos. E por aí vai.

Por isso, tal paradoxo foi o primeiro assunto abordado na conversa que o Scream & Yell teve, por telefone, com o cantor, compositor e (notável) pianista. Hospedado no Rio de Janeiro para divulgar seu mais recente trabalho, “Yo Te Amo”, recém-lançado no Brasil e disponível na Deezer, Fito não reagiu com a prima-donnice que poderia ser esperada de um dos maiores vendedores de discos do mercado latino. Convenhamos: são poucos os artistas que reagiriam com um riso espontâneo à uma pergunta como: “por que as pessoas não te conhecem?”.

Você já deve ter falado bastante sobre o disco novo…
(risos) Nem tanto…

…então vamos começar nossa entrevista por outro assunto: quando se fala de “rock argentino” aqui no Brasil, talvez pela relação com os Paralamas, é o seu nome que costuma ser o primeiro – e às vezes único – referente para a maioria das pessoas.
(gargalhada) Que vergonha! Não pelos Paralamas, claro, mas por ser eu a imagem que as pessoas têm. Que vergonha…

Bem, é assim que as coisas são (risos). Como você se sente com isso?
É um tanto incomodo para mim, porque a musica argentina tem uma grande visão, então que eu seja mais conhecido que os demais [músicos argentinos] me dá um certo… pudor. Existe essa palavra em português? Então, me dá esse pudor. Mas também é uma oportunidade. Me dá a chance de contar minha história, que faz parte de uma grande tradição da música popular argentina, atravessada por um gênero que foi o rock em espanhol, e que foi muito importante para mim.

E mesmo com esse reconhecimento, as pessoas não conhecem muito sua música. Não conhecem a música dos países vizinhos em geral, na verdade. Mas a sua, que tem essas oportunidades, passa batido. Além da barreira do idioma, o que você acha que impede o público em geral de dar atenção à sua música e à que vem do resto da América do Sul?
É um tema muito complexo, porque primeiro teríamos que pensar na situação geopolítica. O Brasil é ao mesmo tempo uma fortaleza e uma ilha. Bem, já foi uma ilha, isso agora vem mudando, felizmente. Estou há dois dias no Rio, e é impressionante a quantidade de pessoas falando espanhol, ou ao menos portunhol (risos). Dez anos atrás isso seria impensável, impossível! Eu não sou sociólogo, então não posso dar um diagnostico, mas me parece que as coisas estão mais relaxadas entre o Brasil e o resto da América do Sul. Isso é muito importante, porque o Brasil é um poderio fortíssimo e muito necessário para a manutenção da invenção americana, do ponto de vista artístico [nota: Fito usa e usará muitas vezes a palavra “invenção” no sentido de “criação”]. E para manter o dialogo mais relaxado, basta que o Brasil busque mais essa conversa. Isso fará com que todo o continente mude.

“Todo o continente” não é um exagero?
Não. O Brasil, fazendo essa conversa, vai mudar tudo, realmente. Porque é um pais muito importante culturalmente.

Eu não sei se você sabe, mas há um circuito de festivais independentes, principalmente no Brasil, no Uruguai e na Argentina, que estão aproximando algumas bandas e seus públicos. Claro, é tudo menor, com artistas fora do mainstream, mas já é um circuito com uma história. Agora mesmo em novembro tivemos em Porto Alegre o El Mapa de Todos, que juntou os uruguaios do La Vela Puerca e os argentinos do Valle de Muñecas a outros músicos da Colômbia, Brasil, Venezuela e outros países. E teremos agora a SIM São Paulo (Semana Internacional de Música), com artistas de países vizinhos e também da Europa.
Era disso que eu falava contigo. Nem tudo o que acontece no mundo é o que acontece no mainstream. Há muitas outras coisas que são mais importantes e talvez sejam menores agora. Mas eu acho que são essas coisas menores que vão fazer uma grande mudança.

Como fã de música, qual é sua visão do que vem sendo produzido, seja mainstream ou independente, na Argentina atualmente?
A Argentina é igual ao Brasil, é um grande produtor de novidades. Continua sendo um grande território de invenção artística. A Argentina tem artistas jovens ótimos, que ainda não são conhecidos, mas essa invenção [do país] tem uma força que vai atravessando o tempo, e que gera mais coisas boas. E lugares como Chile, Colômbia e Peru têm isso também. Tomara que essas coisas nunca se convertam em mainstream! Porque o mainstream nunca aponta uma mudança.

Mas será que não há vantagens em ser mainstream? Do ponto de vista financeiro, por exemplo, há coisas que não se podem fazer de forma independente.

Artisticamente, não acho isso. Artisticamente você tem que ser sempre quem você é. (Pausa). Não acho que o mainstream dê mais possibilidades de fazer coisas que o independente. (Nova pausa) É um tema muito complexo…

Então vamos para outro tema, que é seu disco novo…
(empolgado) Mas esse assunto é ótimo! É a conversa do futuro!

Bom, eu tive uma conversa semelhante com o João Barone, dos Paralamas, numa entrevista que foi feita para nosso site. Ele dizia que o mainstream brasileiro nunca esteve tão popularesco quanto agora. E fica aquela dúvida: é popularesco porque é disso que o público gosta, ou é porque as coisas fora desse esquema não chegam de forma adequada ao público?
As pessoas são as pessoas. Os artistas são os artistas. Você, como artista, não pode depender da chegada da sua obra, de como ela é recebida. Você tem que fazer coisas porque tem a necessidade física e espiritual de fazê-las. E se as suas coisas não chegarem ao público, você não pode se ressentir disso. A produção do artista deve acontecer na intimidade de um quarto, com um papel, uma caneta e uma guitarra ou um piano. E a força que vai ter isso no mundo é outra questão. Não sei se você entende o que estou querendo dizer, mas…

Entendo e concordo. Mas consigo pensar em muitos artistas que não concordariam. Aqui no Brasil, por exemplo, já tivemos o Lobão se ressentindo dos seus últimos discos autorais não terem vendido, e simplesmente parando de lançar discos novos.
Já tive discos que venderam pouco. Eu gostaria sempre que [a criação] fosse uma coisa compartilhada, que chegasse às pessoas, mas chegar a isso não deve ser o único direcional. Porque o sujeito faz coisas para poder compartilhar [com o público], claro, mas se aquilo que você faz não é compartilhado por muita gente… isso não pode ser um drama. O artista não pode fazer sua invenção pensando em como ela vai ser recebida. Se fosse assim, estaríamos mais parecidos com os políticos, que ficam tentando cooptar votos. Não é assim que as coisas são.

Bem, já que estamos falando de criar, me diga: como foi voltar a compor para humanos? (nota: o último disco de inéditas de Fito Paez havia sido “Canciones para Aliens”, em que gravou versões orquestradas de músicas que considera perfeitas. O disco foi transmitido por ondas de rádio ao espaço, na esperança de que outros seres vivos as ouvissem).
(risos) Foi muito melhor, porque não tinha a responsabilidade de ser tão genial. Porque para mandar para o espaço, tinha que ser genial, tinha de ser o que havia de mais lindo. Foi bem difícil gravar aquelas canções.

Eu gostei muito de “Construcción” (versão para “Construção”, de Chico Buarque, presente no disco “extraterrestre”).
Ah, obrigado! Essa ficou linda! Mas não foi fácil.

Mas foi, como tantas outras covers do cancioneiro brasileiro, convertida para o espanhol. Você nunca gravou nada diretamente em português?
Gravei algumas coisas em português… (hesita) Fiz muitas musicas em português ao vivo, mas acho que não gravei… Teve Tom Jobim, Chico, muitas coisas. São parte do meu repertório permanente. Mas acho que não gravei, não… (nota do editor: a versão brasileira do álbum “Circo Beat”, de 1994, traz um CD bônus com três canções cantadas em português por Fito: “Mariposa Tecknicolor”, em dueto com Caetano; “She’s Mine”, em dueto com Djavan; e “Nas Luzes de Rosario”, em dueto com Herbert Vianna).

Voltando às composições “para humanos” de “Yo Te Amo”: o disco parece bem leve, solto. Tem um pouco da leveza de “Confiá” (2010), mas sem aquela cara de estrada para o litoral, meio carioca, que tinha o disco (que teve faixas gravadas no Rio de Janeiro, no estúdio Nas Nuvens). Ele tem um ar mais portenho – indissociavelmente portenho, eu diria.
Claro, claro! Imagina o Chico tentando deixar de ser carioca! É do mesmo jeito. Eu não posso deixar de ser rosarino, nem de ter a influência de Buenos Aires, nem de ser argentino. Alguma coisa disso tudo sempre vai ter.

Me chamou atenção o tom confessional da maioria das canções. Não que isso seja algo raro nas suas letras, mas “Yo Te Amo” abre bastante sua intimidade. Não te preocupa que as pessoas possam te avaliar a partir dessas letras, ou mesmo se sentirem íntimas de você?
Sempre penso que a historia de uma canção passa pela expressão do artista, mas não atravessa sua intimidade. Quando se está feliz, esse é o norte. Se é isso que sai, então está valendo. Eu não estou pensando se o que estou falando é pessoal ou não – me interessa que o que estou dizendo seja uma coisa nobre. É isso que busco.

E você acredita ter sucesso nessa busca?
Acho que sim.

O disco também tem um clima de alto astral, como se as sessões tivessem sido descontraídas.
Foi altíssimo astral no estúdio! Mas mesmo assim, especialmente para este álbum, eu e o coprodutor nos colocamos alguns limites: não ter tantas mudanças de harmonia, ter melodias às quais gostaríamos de voltar muitas vezes, ideias que sejam sempre claras nos textos… Esses foram limites que há muito tempo não me colocava. E assim, foi um período de fazer muitas canções, e também de eliminar outras tantas. Mais eliminar que fazer, aliás.

Como nosso tempo está se encerrando, quero fazer uma última pergunta um pouco mais íntima. A admiração do Herbert Vianna por seu trabalho é explícita. No livro “Letra, Música e Outras Conversas” (em que o músico Leoni entrevista várias compositores brasileiros, como Lobão, Nando Reis e Renato Russo), ele declarou que você é uma influência tão grande para ele quanto Jimi Hendrix. E não são poucos os que dizem que os Paralamas são a “mais argentina das bandas brasileiras”. Olhando tamanha influência, e pensando no seu objetivo há pouco declarado se sempre fazer coisas nobres, gostaria de saber como você se sente em relação à tão grande demonstração de apreço. Te dá uma sensação de missão cumprida, ou algo do tipo?
Não acho que a sensação é essa. Acho que o primeiro de tudo é a grande amizade que tenho com Herbert. Eu tive a sorte de que ele transmitiu uma musica minha (“Trac Trac”) que foi muito popular, mas isso não é tão importante como a amizade que construímos, entende? Depois, a responsabilidade que se tem como artista é uma coisa que tem a ver com fazer seu melhor. Se você vende mais ou menos, ou se a música foi hit no Brasil ou no México, não é importante. Importante é a relação construída com as pessoas, e como você fica com relação ao seu trabalho. E dessa forma, eu durmo bem à noite, sabe? Isso é o que me importa.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel

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10 thoughts on “Entrevista – Fito Paez: “Se a música foi hit no Brasil ou no México, não é importante. Importante é a relação construída com as pessoas”

  1. Pra mim, um gênio, há muito tempo. Acompanho a carreira dele desde meados dos anos 90 e vi uma excelente apresentação dele em Sampa (Sesc Interlagos) em 2003 ou 2004, quando ele promovia seu Naturaleza Sangre. Herbert Vianna e Nando Reis foram convidados a dividir o palco com o rosarino (ainda é conterrâneo do Messi!!) naquela tarde de sol intenso.

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