A gênese do Die Antwoord

por Eduardo Henrique Lopes

No ano de 2010, a banda Die Antwoord surge para o mundo. Alcançando fama através do clipe da música “Enter the Ninja”, single do disco “$O$”, que foi lançado na internet no ano de 2009 e colocado para download gratuito. O clipe, que atualmente soma mais de 18 milhões de visualizações no Youtube, é uma introdução ao estilo da banda (Zef Style) e impressiona pelo conteúdo visual.

Eles classificam o som que fazem como “Rap Rave”, colocando rimas em cima de um som eletrônico característicos das festas Rave, e se definem como um grupo de Rap da África do Sul, trazendo na bagagem tudo o que significa ser sul africano. Além de contar com Ninja e Yo-Landi Vi$$er – os vocalistas do Die Antwoord – atuando, conta também com a presença não usual do pintor e DJ Leon Botha, que sofre de progeria, doença na qual a pessoa envelhece prematuramente, causando certas deformações no corpo.

Isto virá a se tornar característico do grupo: mostrar os excluídos, aqueles a quem a sociedade de um modo geral vira as costas. A influência é do artista Roger Ballen, que fez dos excluídos sua matéria prima de arte, e chegou a co-dirigir alguns clipes da banda.

O mundo até então estava adorando a “bizarrice bonitinha e fashion” de Lady Gaga, Nicki Minaj e afins, mas ainda não estava preparado para o estilo verdadeiramente “freeky” do terceiro mundo dos sul africanos. O clipe chocou as pessoas, que chegaram a perguntar se aquilo que elas estavam vendo era real, ou uma piada de mau gosto. Na verdade era só o começo. A banda viajou o mundo e fez outros clipes chocantes, tão bons quanto “Enter the Ninja”.

Die Antwoord significa “a resposta” em africâner, idioma derivado do holandês que é uma das principais línguas do ramo germânico do grupo indo-europeu falada na África do Sul e na Namíbia, juntamente com o inglês. É o idioma comum de 16 milhões de pessoas e o mais comum nas periferias de Cape Town. O fato é que a história do grupo começa muito antes deste sucesso recente. Uma história que é consequência do processo evolutivo de um artista chamado Watkins Tudor Jones.

Nascido em Johanesburgo no ano de 1974 e conhecido pelos mais íntimos como Waddy, Watkins Tudor Jones já foi chamado de Destructo, MC Totally Rad, The Man Who Never Came Back, Max Normal, e hoje atende pelo nome de Ninja. Personagens são parte vital do processo criativo do cara. Com mais de 10 discos na carreira, Watkins é um artista bem conhecido na cena de hip hop sul africano, atuando desde meados dos anos 1990 quando era membro do grupo The Original Evergreen, uma espécie de Cypress Hill africano.

Após o lançamento do primeiro disco do grupo em 1995, Waddy deixa a banda e passa a se dedicar a seu projeto solo, lançando o excelente disco chamado “Memoirs of a Clone” (2001), e ao primeiro disco como o personagem Max Normal. Quando assume a personalidade de Max Normal, Watkins Tudor Jones se veste como se fosse trabalhar num escritório.

Como o próprio nome “Max Normal” sugere, ele é um cara normal, de classe media, com trabalho, esposa, contas no fim do mês que custam a serem pagas, enfim, um estilo não muito usual para um cantor de hip hop. Seu nome foi tirado de um personagem da historia em quadrinhos do Juiz Dredd. O disco chama-se “Songs From The Mall” (“Músicas de Shopping”) e é um excelente disco de hip hop. Deixa claro a versatilidade e o talento de Tudor Jones.

Nesta época a banda contava com instrumentistas além do usual DJ, o que concede uma sonoridade orgânica para algumas musicas. Fazendo também com que as musicas passeiem por diversos estilos como rock, jazz, RnB, trip hop, entre outros. A banda obteve um relativo sucesso nesta época chegando a fazer turnês pela África e também uma bem sucedida turnê europeia. Porém, não satisfeito com a direção criativa que o grupo estava tomando, Watkins deixa a banda e se muda de Johanesburgo para Cape Town, e lá transita por diversos novos projetos.

Até que em 2005 ele decide retornar com o personagem Max Normal. Trazendo novos integrantes para o conjunto, elementos multimídia – bonecos, vídeos e power point – e mudando o nome da banda para Max Normal.Tv. Esta sim virá a ser a gênese do Die Antwoord. Ali estavam os três integrantes principais da futura banda “freeky”: Watkins Tudor Jones (Ninja), Yolandi Visser (Yo-Landi Vi$$er) e Justin De Nobrega (Dj Hi Tek).

Em 2008 sai “Good Morning South Africa”, álbum que exibe uma revolução na carreira de Waddy. Como o cara certinho vestido com trajes sociais se torna o gangster com tatuagens de cadeia espalhadas pelo corpo? Independente se consciente ou não, tudo o que é dito e feito pelo artista neste disco culmina para a criação do personagem Ninja e da banda Die Antwoord.

Logo na primeira faixa, ele já anuncia o momento em que se encontra na carreira. Pra se ter uma ideia, a faixa chama-se “Total Fuckup” (“Totalmente Fodido”). Ele começa dizendo que no fundo ele ainda se acha patético, que nunca irá conseguir se tornar um grande astro do hip hop, não aguenta gente lhe dizendo o que fazer e nunca teve um trabalho “sério” desde que saiu da escola em 1992.

A vida de músico realmente não é fácil. E essa primeira música é um grande desabafo de um cara que está na cena há mais de 15 anos e ainda não se sente valorizado. E essa vida “normal” acaba cobrando. Ser casado e ter filhos exige responsabilidade, tanto pessoal quanto financeira. É algo muito difícil conseguir se concentrar na carreira (que ainda não obteve o sucesso desejado) e também ter que administrar uma família.

O segundo som do álbum, “Rap Fantasy”, usa o sampler da musica tema do filme “Flash Gordon” (1980), criada pelo Queen. Só que ao invés de entoar “Flash Gordon” o grupo entoa “Max Normal”. A canção começa com Yolandi Visser introduzindo Max Normal como se fosse uma apresentação motivacional. É possível imaginar “Rap Fantasy” sendo exibida numa apresentação motivacional de empresa com um bando de engravatados entediados assistindo a um show de rap.

Nesta música, Max se olha no espelho e não se reconhece, não entende o motivo de seu fracasso, sem dinheiro pra comprar nem papel higiênico, como ele mesmo diz. Então ele passa a fantasiar o dia em que será adorado, com garotas jogando calcinhas no palco, uma mansão exótica e ter diversas metralhadoras debaixo da sua cama. Ele só interrompe a fantasia quando lembra que precisa pagar o aluguel.

O que temos até agora é um musico que se sente frustrado – apesar de ser talentoso. Que paga seu aluguel com dificuldade. Mas que apesar de tudo não se enxerga fazendo outra coisa que não seja musica, fantasiando o dia queo tão aguardado sucesso bata a sua porta. A faixa “Ons Is Hier” é a primeira faixa do grupo completamente rimada em Africaner. No Die Antwoord, o uso do idioma é mais frequente.

Max estava indo pra casa após mais um dia de trabalho, quando se perde e vai parar no meio do gueto de Cape Town. Lá ele passa por uma experiência que virá mudar sua vida completamente. Isto é o que acontece na musica “Laf Nag”.

Max é roubado, drogado, perde suas roupas e passa uma noite inteira vivendo a vida do gueto. Lá ele tem contato com a cultura Zef, que mais tarde eles viriam a explicar como um modo de vida onde não se tem dinheiro, mas se tem estilo. Esse é o modo de vida em que vivem os integrantes do Die Antwoord.

“Love is…” é praticamente uma declaração dos valores artísticos de Watkins. A musica começa com a frase “I do it for my health” (“Eu faço isso pela minha saúde”), como se a música fosse o que mantém sua cabeça saudável. E se desenrola muito mais como monólogo do que rima, com frases de autoajuda, coisa e tal. Algo bonito de se ler. Talvez a falta de sucesso de Max Normal seja por conta dessa série de princípios que ele insiste em seguir.

Essa música também é a que divide o álbum. A partir desse momento, Max Normal (banda) passa a soar muito mais como Die Antwoord. O personagem se transformou, mas ele ainda não se deu conta. As musicas “Tik Tik Tik”, “Rap Rave Megamix” (que aparece no disco “$O$” como “Beat Boy”, e no clipe como “Zef Side”), “Hipnwidit” e “Angel Claw” são canções que já não tem o estilo de Max Normal. Tanto é que o sotaque típico de Ninja já está nelas.

Meses após o lançamento de “Good Morning South Africa”, Watkins decide encerrar de vez a fase Max Normal para começar a fase Ninja e Die Antowoord. Em uma entrevista para a Rolling Stone, Ninja disse que tudo o que ele fez antes foi experimentação, uma tentativa de encontrar o Die Antwoord. Até que encontrou, e deixou todo o seu passado para trás.

– Eduardo Henrique Lopes (Facebook) assina o blog Juventude Sônica

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