Cinema: Obsessão, Lee Daniels

por Marcelo Costa

Lee Daniels é um cara diferenciado. Sua pequena filmografia mostra momentos brilhantes como produtor de filmes como “A Última Ceia” (2001), de Marc Foster, e “O Lenhador” (2003), de Nicole Kassell, e diretor produtor de “Preciosa” (2010), que alavancou seis indicações ao Oscar, sendo laureado com duas estatuetas (Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado). “Obsessão” (“The Paperboy”, 2012) é seu primeiro filme após o reconhecimento com “Preciosa”, e a sensação é de que Daniels foi engolido pela expectativa.

“Obsessão” se passa na Flórida, em 1969, terra natal do repórter Ward Jansen (Matthew McConaughey), que trabalha no jornal Miami Times e retorna à cidade da família para investigar a da execução de Hillary Van Wetter (John Cusack, irreconhecível), condenado à morte pelo assassinato do xerife local. Mais do que investigar, Ward Jansen quer provar a inocência de Van Wetter, e, para isso, reunirá uma equipe além dos padrões interioranos da pacata cidadezinha: a vulgar Charlotte Bless (Nicole Kidman de tiazona brega) e o amigo repórter Yardley Acheman (David Oyelowo), além do irmão, Jack (o perdido Zac Efron).

Para contar a história, a empregada Anita (Macy Gray, divertidíssima) rememora os fatos que desencadearam os acontecimentos daquele ano brutal (que viu dezenas de outras tragédias sepultarem o verão do amor norte-americano). Anita relembra a chegada de War e a postura bagaceira sedutora de Charlotte, que provoca a libido do moleque Jack enquanto aguarda a libertação de Van Wetter. De quebra, um pântano macabro se transforma em personagem da trama, que em alguns momentos soa tão caricata que parece um desenho com pessoas reais.

Ward Jansen, acompanhado do parceiro Yardley Acheman, começa uma caça às bruxas na cidadezinha tentando unir os pontos que possam libertar Hillary Van Wetter. A busca causa um ligeiro mal-estar na família (o pai de Ward, WW, é editor do jornal local Moat Count Tribune), e incomoda a justiça local, que não quer colaborar, mas Ward está decidido – não só ele, Charlotte também, mesmo que continue distribuindo charme para o garoto, que está apaixonado por ela.

A sensação, porém, é de inverossimilhança, mérito do carregado sotaque interiorano dos personagens e das roupas exageradas (principalmente de Charlotte). Pior: Lee Daniels cria uma trama provocativa e inteligente, mas não consegue fazer com que sua equipe de atores torne os personagens reais. Se o diretor tivesse escolhido um elenco novato, talvez o resultado fosse outro, e melhor, porque não há como levar a sério os personagens de Nicole Kidman (apesar de sua entrega absurda ao papel) e Matthew McConaughey, pois eles mais parecem dois atores em dois papeis absurdos do que Ward Jensen e Charlotte Bless.

“Obsessão” parece um pequeno conto absurdo cujo maior intento e tornar vulneráveis grandes atores – e o próprio público através de cenas dispensáveis arquitetadas para provocar gratuitamente o freguês. A história, de ótima premissa e conclusão, acaba ficando em segundo plano diante de tantos exageros, e quem sai perdendo é o próprio filme. Vale pela curiosidade de ver Matthew McConaughey e Nicole Kidman interpretando personagens polêmicos, mas deixa a desejar como obra fechada, pois soa muito barulho por nada.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Leia também:
– “A Última Ceia” é difícil, surpreendente e belo. Como a vida. (aqui)
– “O Lenhador”, uma das mais discretas surpresas do cinema atual (aqui)

2 thoughts on “Cinema: Obsessão, Lee Daniels

  1. O tipo de filme que vale por certos momentos, certas cenas ousadas e interessantes, mas que no geral é algo bastante irregular. Ainda assim, Nicole kidman estar ótima num papel diferente.

  2. gostei de algumas cenas, mas no geral, não é grande coisa.
    estou lendo o livro agora, que tem como principal diferença do filme o ponto de vista, enquanto que no filme é a Anita (que narra eventos em que ela nem estava presente, como pode isso???), no livro o personagem do Efron é o narrador/protagonista.
    e no livro não tem praticamente nada do racismo que o filme tanto retrata.

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