Boteco: As quatro cervejas da Chimay

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por Marcelo Costa

A Abadia de Notre-Dame de Scourmont foi fundada em 1850 por um grupo de monges de Westvleteren, mas recebeu status de Abadia apenas em 1871, pelo Papa Pio IX. Localizada na pequena aldeia de Forges, que faz parte da cidade de Chimay, uma hora e meia de Bruxelas e menos de 15 minutos da fronteira com a França, a Abadia de Scourmont ganhou fama quando começou a produzir queijos e cerveja sob o nome Chimay, sendo atualmente uma das oito abadias autorizadas a usar o logotipo “Authentic Trappist” em seus produtos. Para uma cerveja ser designada trapista necessita ser fabricada dentro das paredes de um mosteiro trapista, ou pelos próprios monges ou sob a sua supervisão; deve ter importância secundária dentro do mosteiro; não deve ser produzida com fins lucrativos, sendo que a renda deverá cobrir o custo de vida dos monges e a manutenção dos edifícios. O que sobrar deverá ser doado a instituições de caridade, usado em trabalho social e ajuda a pessoas em necessidade. No caso da Chimay, primeira cervejaria a utilizar o título trapista em seus rótulos, os monges produzem quatro estilos de cerveja (e quatro de queijo): Chimay Red, Chimay Blue, Chimay Triple e Chimay La Dorée.

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Assim que o mosteiro trapista foi construído, e que os monges começaram a produzir uma excelente cerveja de alto teor alcoólico, fez necessário, para consumo próprio, a criação de uma receita mais leve (e menos intensa). Nascia a Chimay La Dorée Gold (4,8% de álcool), que por mais de um século e meio só foi consumida por monges ou dentro da abadia, ou na pousada Auberge de Poteaupré, associada ao claustro, e começou a ser distribuída oficialmente a partir do inicio de 2013 em edições limitadas no mercado europeu: apenas 20 bares tem autorização para vendê-la. Na taça, um liquido entre o amarelo turvo e o alaranjado expõe uma formação de espuma magnifica, de intensa permanência. No aroma, notas cítricas em abundância aproximam esta suavíssima Belgian Ale de uma Witibier – há também especiarias (semente de cravo e coentro) e notas florais. O paladar é saboroso e intensamente refrescante com boa presença de lúpulo. O corpo é levíssimo, a carbonatação, alta. A sensação remete a campos silvestres em dias de sol tamanho a quantidade de notas cítricas (lima, maçã verde e casca de laranja), florais e herbais, com pitadas de especiarias. O final traz um pouco de cítrico (limão) e também amido, e finaliza levemente amargo, permanecendo no retrogosto, que, óbvio, pede outra. Com salada e peixe deve ser absolutamente incrível.

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Apesar de ter começado este passeio trapista pela Chimay La Dorée Gold, a primeira cerveja produzida por monges na Notre-Dame de Scourmont Abbey foi uma Belgian Dubbel chamada Chimay Red Cap “Première”, em 1862. Sua receita foi inspirada nas receitas originais dos primórdios da cervejaria e produzida pelo Padre Théodore, quando ele recriou a cervejaria após a Segunda Guerra Mundial. Na taça, um liquido acobreado / avermelhada exibe uma ótima formação de espuma, de longa permanência. No aroma, intensas notas frutadas e adocicadas que remetem a frutas secas e vermelhas, cereja, damasco, figos, ameixas, caramelo e baunilha. Há presença também de especiarias, que dão um conjunto um caráter condimentado, e percepção dos 7% de álcool. No paladar, certa acidez derivada do álcool marca a língua enquanto o adocicado do malte trata de caramelar a boca, sem enjoar. O corpo é de médio para alto, a textura levemente licorosa e frisante, e a carbonatação, média. O resultado deste conjunto é uma cerveja que esquenta, mas nem tanto se comparada as Chimays que virão a seguir. Seu final é levemente amargo (com notas de malte tostado) enquanto o retrogosto é marcado por uma sensação de Xerez, que parece eterna.

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A Chimay Triple “Cinq Cents” foi a terceira receita produzida pelos monges belgas e é a mais seca das três cervejas da linha principal. Na taça, um liquido âmbar claro e com intensa turbidez apresenta um creme de belíssima formação, rendas belgas e intensa permanência. O aroma caprichado sugere uma versão potente da Chimay La Dorée Gold: quase as mesmas notas frutadas e cítricas (casca de laranja, lima e abacaxi) acompanhadas de especiarias batem ponto aqui, mas desta vez acompanhadas de 8% de álcool, o que dá ao conjunto aromático um tom mais sedoso (sem prejudicar o conjunto, pelo contrário). O mesmo se percebe no paladar, de corpo médio para alto e textura sedosa com leve adstringência no final. Lúpulo e levedura trabalham em conjunto distribuindo amargor e acidez – com colaboração do álcool, que deixa uma sensação picante e esquenta garganta e peito. Tanto o frutado (frutas amarelas) quanto o cítrico não tem no paladar o mesmo destaque que no aroma, mas marcam presença de forma delicada. O final, carregado de amargor suave, é seco, e o retrogosto deliciosamente complexo reúne notas cítricas, amargas e levemente adocicadas, que permanecem durante um bom tempo. A sensação (assim como a La Dorée) é de uma cerveja leve. Cuidado (risos).

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Fechando o passeio, a Chimay Blue Cap “Grande Reserve” é a grande estrela desta cervejaria trapista, uma Belgian Dark Strong Ale de respeitosos 9% de álcool e muita, mas muita qualidade. Foi fabricada pela primeira vez como cerveja natalina, e, segundo a informação do site oficial, melhora com o passar do tempo (essa da foto poderia ser degustada até 2016). Na taça, o liquido âmbar de traços avermelhados exibe uma boa formação de creme, de boa estabilidade. A força da “Grande Reserve” não está em seu aroma, o que não quer dizer que ele seja dispensável: notas frutadas e adocicadas que remetem a uva passa, ameixa, baunilha, chocolate (amargo, não ao leite) e caramelo. Há uma sensacional remissão a Vinho do Porto e uma leve percepção de álcool. O paladar é majestoso: o corpo é denso, e a textura, aveludada. A primeira sensação é de levíssimo adocicado/frutado, com o álcool marcando o céu da boca e riscando a garganta. Porém, na sequencia surgem, com pequenos intervalos, uma leve acidez, um leve amargor e uma leve sensação de salgado promovendo uma complexidade admirável. O final traz álcool (remetendo a vinho do Porto e uísque) e amargor enquanto o retrogosto é marcado por… calor e felicidade. Uma cerveja divina.

Chimay La Dorée Gold
– Produto: Belgian Ale
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 4,8%
– Nota: 4,55/5

Chimay Red Cap “Première”
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoóica: 7%
– Nota: 4,29/5

Chimay Triple “Cinq Cents”
– Produto: Belgian Tripel
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 4,29/5

Chimay Blue Cap “Grande Reserve”
– Produto: Belgian Dark Strong Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 4,70/5

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