Cinema: “O Grande Gatsby”, Baz Luhrmann, um grande exercício visual oco

por Leonardo Vinhas

“O Grande Gatsby” é um dos maiores romances literários dos Estados Unidos. Tal título se deve não apenas à prosa elegante (alguns diriam esnobe) de F. Scott Fitzgerald, mas principalmente à metáfora de encanto e desilusão com o sonho americano que o livro proporciona. A quinta adaptação do livro para as telas, porém, falha tanto em ser elegante como em cuidar bem de qualquer leitura mais profunda.

Elegância, aliás, nunca foi o forte do diretor Baz Luhrmann. O australiano, que ganhou fama com o frenético “Romeu + Julieta” (1996), sempre gostou de grandiloquência, e a usou com bons resultados na adaptação shakespeareana e em “Moulin Rouge” (2001). Porém, em “O Grande Gatsby” (2013), a fórmula – canções pop, traveling acelerado, tomadas aéreas, edição de vídeo clipe, cores berrantes – é tão deslocada da história, tão desprovida de razão de ser, que ela cansa antes que o filme complete seus primeiros vinte minutos.

Luhrmann ama o exagero, mas aqui esse seu amor chegou a um ponto tão forte que ele parece ter esquecido que havia uma história a ser contada e, principalmente, atores a serem dirigidos. O elenco todo padece de falta de ritmo, e parece estar se esforçando não para atuar, mas para atender rigorosamente aos estereótipos imaginados pelo diretor. Mesmo atores que já demonstraram ter talento de sobra – como Tobey Maguire e Leonardo DiCaprio – não se encontram e dão a impressão de estarem perdidos em cena. O que dizer, então, de intérpretes menos dotados, como Carey Mulligan e Joel Edgerton? Mulligan, em particular, tem presença medíocre, e qualquer caracterização pertinente de sua personagem se deve mais à força do texto de Fitzgerald do que à sua capacidade de compor uma figura crível.

E por falar em texto, eis aí o segundo grande problema do filme: na concepção do diretor, a jornada de Nick Carraway (Maguire), um jovem seduzido pelos encantos mais promissores e atrativos do sonho americano que se vê, muito tardiamente, envolvido por decadência, dissolução moral e violência, depende demais da locução em off para ser contada. O recurso usado sem parcimônia cansa – chega um momento em que o espectador não aguenta mais ouvir a voz de Maguire – e subestima a inteligência do público, adicionando rubricas e observações que não constam no texto original, como que para assegurar que a “mensagem” tenha sido perfeitamente compreendida.

O triste é que tudo o que o filme quer escancarar de maneira óbvia e repetitiva já estava bem inserido nas nuances da obra original. Mas na tela é difícil ver em Tom Buchanan (Joel Edgerton) o hipócrita cheio de si e auto iludido que Fitzgerald imaginou. Aqui ele é apenas “o vilão”, figura que simplesmente inexiste no mundo cinza retratado por Fitzgerald. Tampouco Gatsby (DiCaprio) é um herói, mas é isso que o filme faz dele.

Adaptações de criações literárias podem tomar liberdades, sem dúvida. Nem tudo o que funciona no papel dá certo na tela. Porém, tais liberdades só fazem sentido se usadas em prol de manter ou rediscutir a essência da obra original. “O Grande Gatsby” de Luhrmann é uma fábula moralista, que reduz uma trama complexa e passível de várias leituras a um romancezinho exagerado e maniqueísta, com Gatsby e Carraway deixando de ser dois seres complexos e contraditórios para serem apresentados como bons meninos, iludidos e arrastados pelo sonho americano, mas “puros” até o fim. Aliás, em meio a tantos pecados narrativos, nenhum é maior que o esquecimento de Luhrmann em trazer a lenta derrocada de Nick Carraway rumo à amoralidade e à decadência. Em meio à tanta obviedade, o personagem central passa a ser apenas um narrador bobo alegre.

Quando tudo termina, você fica com a sensação que foi gasto muito dinheiro (105 milhões de dólares, segundo informações oficiais) para fazer um grande exercício visual oco, cujo legado será, no máximo, inspirar festas de travestismo por um tempo. E olhe lá.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– “Moulin Rouge”: a ópera pop cafona e apaixonada de Baz Luhrmann, por Marcelo Costa (aqui)

2 thoughts on “Cinema: “O Grande Gatsby”, Baz Luhrmann, um grande exercício visual oco

  1. “Quando tudo termina, você fica com a sensação que foi gasto muito dinheiro (105 milhões de dólares, segundo informações oficiais) para fazer um grande exercício visual oco, cujo legado será, no máximo, inspirar festas de travestismo por um tempo. E olhe lá.”, Resumiu tudo!!!!!!

  2. esquecível. nem dá vontade de ler sobre. inclusive só li o último parágrafo e achei a sacada “inspirar festas de travestismo por um tempo” uma puta sacanagem. hahaha

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