Random Access Memories, Daft Punk

por Márcio Padrão

Goste ou não do Daft Punk, o fato é que a dupla francesa é um dos raros exemplos atuais de artistas que se equilibram com habilidade entre a independência criativa do cenário indie e a vontade do mainstream de criar um discurso universal, sem se afundar nos vícios desses dois ambientes. Ao revigorar a música eletrônica e levá-la para fora dos nichos novamente, Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo construíram uma sólida base de fãs desde o primeiro disco, “Homework” (1997) e angariaram muitos outros pelo caminho. Graças a eles, nem os oito anos entre “Human After All” (2005) e “Random Access Memories” (2013) foram capazes de deixar o grupo no ostracismo.

É bem verdade que nestes mesmos oito anos eles nunca saíram totalmente do radar, pois afiaram dois de seus maiores talentos extramusicais: a onipresença e a autopromoção. Aqui e ali apareceram em comercial de TV, game, trilha sonora + filme “Tron: o Legado” e por aí foi, preparando na surdina o seu quarto e mais ambicioso álbum. A poderosa e eficiente campanha publicitária – que se confiava na força do single “Get Lucky” e da reputação dos colaboradores da faixa, Pharrell Williams e Nile Rodgers – já esboçava isso, mas na primeira audição o plano fica evidente: o Daft Punk tentou aqui chegar ao “Thriller” do início deste milênio.

O estranhamento inicial pode ter resultado em desapontamento para muita gente porque “Random Access Memories” marca uma guinada no estilo da dupla, que começou revitalizando o house em “Homework”, chegou ao neo-disco em “Discovery” e dividiu a crítica e os fãs com o mal-compreendido “Human After All”, que trouxe o peso do rock e o groove do funk para um arriscado revival do techno. Em “Random Access Mem” a dupla parece ter encontrado a “batida perfeita” que tanto procurava, dando a entender que os robôs concluíram sua crise existencial. Tal batida não parecia estar nos sintetizadores que lhe trouxeram fama, mas sim no ser humano, essa raça que teoricamente está cada vez mais ultrapassada.

Em “Random Access Memories” o Daft Punk soa humano como nunca soou antes, com sonoridade “de banda”, orgânica, em uma caprichadíssima combinação de produção, arranjos e reunião de talentos individuais poucas vezes vistas desde o clássico marco de Michael Jackson. Porém, muita gente esperava encontrar mais “Get Luckys” no disco, isto é, mais hits instantâneos para a pista de dança, e nisso o novo disco da dupla sai perdendo em comparação com o “Thriller”. Mas não é o caso de desistir do álbum, pois aqui há uma combinação de estilos e referências – pop oitentista, indie rock, soft rock, synthpop, rock progressivo, R&B e o house de sempre – que geram uma infinidade de climas e texturas que se revelam mais atraentes a cada nova ouvida. Esqueça o hype e foque-se na música; você perceberá que estamos diante de uma obra que se não vai suplantar “Thriller” (alguém irá um dia?), mantém-se firme no páreo de melhores discos de 2013.

“Give Life Back to Music”, a primeira faixa, tem uma levada suave e chique que mesmo com a sonoridade de banda, deixa claro que é um disco do Daft Punk pelo uso do vocoder, uma das marcas registradas deles desde sempre. O vocoder continua em “The Game of Love”, que parece ter saído de um disco de Sade, com uma pegada Antena 1 no talo, servindo como ponte para uma das melhores faixas, “Giorgio by Moroder”, com Giorgio Moroder em pessoa falando na introdução em como surgiu seu interesse por música, para depois entrar o kraftwerkiano-moroderiano riff principal, que vai evoluindo bonito ao longo de seus nove minutos.

“Within” é outra peça melódica oitentista cool com a participação do pianista Chilly Gonzales, que baixa a bola para depois “Instant Crush” subi-la novamente, com Julian Casablancas à frente do vocal, em uma música que caminha bem no limite entre o som dos Strokes e os sintetizadores. “Lose Yourself to Dance” é uma irmã mais nova de “Get Lucky”, com os mesmos Pharrell e Nile Rodgers conduzindo a canção com o refrão-título ganchudo e palminhas boas pra momentos ao vivo. Paul Williams é o colaborador da vez em “Touch”, com intro prog que depois traz Williams cantando empostadamente em um arranjo disco que depois desliza devagarinho de novo pro progressivo.

“Get Lucky” chega em uma versão mais longa que seu single para as rádios; a qualidade da música é inegável, mas sua versão para álbum perde um pouco em cadência, como um filme que poderia ter acabado na penúltima ou antepenúltima cena. Paul Williams volta em “Beyond”, uma das faixas menos interessantes de “RAM”, com ideias já bem executadas nas músicas anteriores. A instrumental “Motherboard” é uma das que lembra de leve o Daft Punk da “velha guarda”, norteada por uma sequência melódica no sintetizador que vai puxando outras camadas.

Em sua reta final, o disco ainda traz as participações de Todd Edwards em “Fragments of Time”, que lembra um pouco Phoenix; e de Panda Bear, que em “Doin’ it Right” volta com o vocoder da dupla à frente, mas ladeado pelo vocal do integrante do Animal Collective. A grande surpresa vem na última canção: “Contact” meio que nega o conceito do disco, deixando as participações e os arranjos humanos de lado e trazendo o Daft Punk desta vez em um pequeno revival de si próprio, com um refrão melódico constante, “videogamístico”, que sugere que as novidades de “Random Access Memories” talvez não sejam definitivas no estilo de Bangalter e Homem-Christo. Os robôs ali se despedem com um “we’ll be back” e mostram que a jornada deles pela história do pop está longe de acabar.

Márcio Padrão (siga @mpadrao) é jornalista e assina o blog Quadrisônico

5 thoughts on “Random Access Memories, Daft Punk

  1. Daft Punk continua o mesmo: uma ótima banda de singles. No mais, música eletrônica na França o Jean-Michel Jarre já fez melhor 30 anos atrás.

  2. Achei o disco fraco. A tentativa do DP em fazer música orgânica de R&B, Soul e Dance não rolou. Tentam, para mim com certa dificuldade, colocar-se em pé de igualdade com os cérebros da discoteca Giorgio Moroder e Nile Rodgers, e com grupos como o “KC and The Sunshine Band”, referindo-se a eles como “colaboradores”. Com alguns momentos bons, mas com o problema de manter as pessoas ouvindo e interessadas quando se tem as canções originais bem melhores, este álbum poderá capturar o coração do ouvinte, trazer de volta memórias e decepcioná-lo, exatamente ao mesmo tempo.

  3. O album é legal e inesperado para quem se acostumou a ouvir o estilo mais “frio” nos dois primeiros discos deles. Mas o Discovery continua sendo meu preferido. Agora , o Pablo, tambem querer comparar o Daft Punk com um dos gênios precursores da Música eletrônica tal com Jarre, é covardia, nénão? eheheheehehe

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