Entrevista: Café Tacvba

por Leonardo Vinhas

Mais popular banda mexicana dentro e fora de seu país, e um dos maiores nomes do que se convencionou chamar “rock latino”, o Café Tacvba se mantém em evolução sem tirar os olhos do retrovisor. Seu pop colorido e cheio de detalhes têm influências de canções populares dos anos 60 e de ritmos folclóricos da América Latina, e ainda assim escapa tanto das armadilhas do “étnico” como das do “moderno”.

Essa referência permanente ao passado dá um sentido ainda maior ao título de seu sétimo álbum de estúdio, “El Objeto Antes Llamado Disco”, lançado em 2012, uma coleção de dez ótimas canções que tem encanto próprio individualmente, mas que soam muito melhores quando escutadas em conjunto, na ordem em que a banda determinou. É, em essência, um álbum com um conceito e uma sonoridade que amarra a obra toda – e que já se prova como o melhor registro da banda, ou pelo menos como o de audição mais prazerosa, prazer este que aumenta após cada nova escutada.

O primeiro álbum, que leva o nome da própria banda, foi lançado em 1992, e o segundo, “Re” (1994), é considerado por muitos a obra prima dos mexicanos, figurando no topo de uma lista de melhores discos latinos de todos os tempos publicado na revista Rolling Stone EUA (batendo Santana, Los Fabulosos Cadillacs, Soda Stereo e Os Mutantes), mas foram os dois discos seguintes, “Revés/Yo Soy” (1999) e “Quatro Caminos” (2003), vencedores do Grammy na categoria Álbum de Rock Latino, que colocaram o grupo em evidência. Em 2010, um documentário, “Seguir Siendo”, repassava os 20 anos de trajetória da banda.

“El Objeto Antes Llamado Disco” dispensa músicos convidados, valendo-se da energia e da coesão do quarteto formado em 1989 por Rubén Albarrán (voz e guitarras), Joselo Rangel (guitarras), Quique Rangel (baixo) e Emmanuel “Meme” del Real (teclados e guitarra). A bateria eletrônica retorna, mas isso não tira o punch de uma pérola como “Olita del Altamar” (um western spaghetti tecnoazteca) ou a beleza e as nuances de “Aprovéchate” e “Zopilotes”. Um clima épico une as faixas, que trazem influências que podem ir do pop oitentista ao rock progressivo sem que ocorra uma descaracterização da identidade da banda.

A poucos dias de vir ao Brasil para sua primeira turnê no país (serviço completo no fim da página), com shows em São Paulo (05/03 no Teatro Bradesco), Porto Alegre (06/03 no Auditório Araújo Vianna) e Rio de Janeiro (07/03 no Circo Voador), Emmanuel “Meme” del Real falou com exclusividade ao Scream&Yell. De Santo Domingo, na República Dominicana, o cavalheiresco músico mexicano discorreu sobre o processo de confecção do último disco – gravado com plateia em estúdios de Buenos Aires, Santiago, Cidade do México e Los Angeles – a parceria com Gustavo Santaolalla, a longevidade da banda e a recente eleição de “Re” como o melhor álbum de rock latino de todos os tempos pela Rolling Stone norte-americana.

Como foi a experiência de gravar “El Objeto Antes Llamado Disco” com plateia?
A intenção era ampliar o espaço de gravação e compartilhá-lo com as pessoas. É mais correto entendê-lo como um disco de estúdio com espectadores do que como um disco ao vivo. O que modificaria o resultado seria a forma como interpretaríamos as canções e como as emoções dos presentes seriam captadas nesse registro. Isso foi mais importante do que se eles (o público) participassem cantando, como acontece em um disco ao vivo. O fundamental foi fazer sem saber qual seria o resultado. O álbum tem essa característica de não pensar muito as coisas. Tanto a escolha das canções como os arranjos tem um imediatismo que está representado dessa maneira. Não gravamos em muitos takes, a intenção era fazer uma ou duas passadas e acabar. E com o material que registramos em oito sessões [duas em cada cidade], gravamos as pistas que foram levadas para a mixagem.

Você disse que não houve nada muito intencional, mas nota-se muito fortemente um tom épico nas composições. Como isso apareceu?
Agradeço que você tenha observado isso. Talvez estejamos numa etapa mais épica em nossas vidas, seja como indivíduos, seja como grupo. Nós quatro somos compositores e sempre trazemos canções, as quais selecionamos para montar o disco. Se pensarmos bem, há algo épico em nós que está dando esse caráter ao disco. Não saberia dizer por que, se tem a ver com o momento ou com a seleção das canções. Selecionamos dez canções, e buscamos manter uma sensação de espontaneidade, de imediatismo, de não querer modificar o que tinha surgido durante a composição. Assim, esse fator épico ficou presente de uma maneira bem espontânea.

Esse disco praticamente não tem canções assinadas por Rubén [Albarrán], ele apenas divide a autoria de “Volcán” e “De Este Lado del Camino”. O resto é ou seu ou de Joselo [Rangel]. Foi algo premeditado por ele, uma necessidade de se isolar da composição? Ou teria sido algo mais sério?
De alguma maneira isso foi premeditado. Esse é o primeiro no qual Rubén não trouxe nenhuma composição ao projeto. Nos demos conta de que aquilo que nos pegava para este momento era a estrutura de quarteto. Rubén veio e disse: “Quero cantar, cantar canções de vocês, mas que eu possa transformar em algo que será cômodo para mim, que poderei interpretar”. Canções com as quais ele tivesse uma conexão com o tema, com a melodia. Com isso (em mente), selecionamos as canções e ficaram apenas as que obedeciam a esse critério. Não houve uma direção criativa. Ele nos deixou à vontade: “Aproveitem para ficar à vontade. Não vou compor, mas preciso de canções à quais possa me ligar”.

Ainda assim, há duas canções que ele não canta. “Espuma” é cantada por Joselo, e você canta “Aprovéchate”. Isso foi porque ele quis deixar esse espaço para vocês, ou porque essas canções têm uma ligação mais pessoal a vocês como intérpretes?
As duas coisas. Rubén disse que seria a primeira vez que “Joselo canta uma canção de Meme, e Meme, uma de Joselo”. Realmente, isso nunca tinha acontecido, e dessa vez tentamos. Foi uma mudança das regras do jogo, e foi algo bom. É algo que Rubén sempre traz ao grupo, essa intenção de mudar sempre, de nos levar a evoluir.

Aproveitando que você falou de evolução: os intervalos entre um disco e outro são maiores do que os comumente vistos na indústria fonográfica. Isso é porque vocês precisam de tempo para compor, para amadurecer as canções?
O tempo que temos juntos é muito grande, e estamos os quatro juntos desde o início do grupo. Sempre estamos em turnês muito longas de um ano e meio ou dois, às vezes até três (anos), como foi o caso da turnê de “Si No”, que emendou com a turnê de 20 anos da banda. Por conta disso, nos damos o tempo que é necessário para estarmos sãos de novo, para estar com a família e viver nossas vidas. Esse tempo é o tempo que sempre se levará entre um disco do Café Tacvba e outro, que pode ser de três, de cinco ou de um ano. Não há regra. Porém, pode ser que nesse ano logo façamos outro. Estamos empolgados, mas também pode ser que deixemos as canções amadurecer por mais tempo.

Mudando de assunto: essa é a primeira vez que vocês veem ao Brasil. Como estão vivendo a expectativa de tocar aqui?
Na verdade, em 1997 passamos por São Paulo, foi uma visita que nossa gravadora de então, a Warner, preparou. Fizemos um show e depois fomos a Porto Alegre, mas foram apresentações mais fechadas. Até agora não tinha tido nada assim, três datas abertas ao público. A banda está toda bastante empolgada, mas posso falar especialmente de mim. Mais do que estar indo com o grupo, tenho uma emoção e uma expectativa muito pessoais. Meu pai escutava música o tempo todo, e sempre escutou muita música brasileira, e os grandes nomes dessa música são parte de minha formação musical. Por isso, é a culminação de algo que espero há muito tempo. E vai além: independente do que resulte depois de nossa visita, se voltaremos ou não, é uma experiência que deixa a mim e ao grupo feliz. Tomara que possamos aproveitar para capitalizar essa experiência e voltar mais vezes, mas principalmente possamos compartilhar música. Acho que temos muito a oferecer, e vocês também. Queremos curtir essa música, que sempre foi importante para nós, e para mim em especial.

Os shows terão alguma mudança de uma cidade para a outra?
Será praticamente o mesmo nas três datas. Nos últimos meses, temos mudado pouco nosso setlist. Podemos trocar uma ou duas canções, no máximo cinco, mas o repertório está bem definido.

Não sei se você sabe, mas há artistas brasileiros que gravaram músicas de vocês. Sérgio Britto, que era dos Titãs, gravou uma versão de “Eres”, um dos maiores sucessos tacubo. E a banda independente Ludov fez uma versão de “Esa Noche” para um especial da MTV nacional.
Não as conheço, e isso é uma pena. A verdade é que eu nem sabia dessas versões. É o que acontece quando não se está presente ao vivo no país. Parece que hoje em dia com a internet está tudo mais fácil, e é graças a ela que a maioria das pessoas no Brasil nos conhece, mas nós não conhecemos tanto da música brasileira recente quanto gostaríamos.

Se quiser, me diga um e-mail no qual eu possa enviar essas músicas para você, e eu mando assim que terminarmos aqui.
Por favor, mande sim! É incrível… Sabe, a gente falou sobre vir para cá e começamos a pensar em grupos contemporâneos do Brasil, além dos artistas grandes e consagrados, além dos artistas conhecidos da década passada, nos deu essa vontade de saber quais grupos das cenas mais jovens, mais diferentes, podemos conhecer. Se puder me mandar alguns links de grupos assim também.

(Nota do jornalista: Além de mandar o resultado da votação dos Melhores de 2012 do S&Y, sugeri algumas coisas de Wado, BNegão & Os Seletores de Frequência, Hurtmold, Pedro Luis, Cascadura e outros. Ok, não são tão novos, mas preferi recomendar meus preferidos)

Excelente! De volta ao Café Tacvba: sei que Gustavo Santaolalla foi muito importante no começo da banda. Mas qual é o papel que ele desempenha para vocês hoje?
Desde o inicio, e acho que agora mais que nunca, somos conscientes de que precisamos ter alguém que pode ter uma ótica mais exterior do que está acontecendo com o grupo. Para nós, é muito importante que haja esse alguém a quem possamos delegar nossas canções depois de compô-las e arranjá-las, ter alguém que possa dizer se as faixas que temos são as que melhor se conformam para o projeto. É uma relação emocional de carinho, de afeto, que permite a ele ter essa perspectiva. Ele vê quais faixas funcionam melhor como composição, quais funcionam conceitualmente. Nesse disco, o conceito era ter temas que poderiam ser feitos por nós quatro. Houve discos em que arranjamos com outros bateristas, ou com uma orquestra de 16 músicos. Agora gosto que sejam os quatro, só com baixo, guitarra, caixa de ritmos e teclados. É apenas isso, mas você escuta o disco e vê que não falta nada. Neste caso, o produtor tinha que ser Santaolalla. É indispensável. Ele nos relaxa interiormente ao mesmo tempo em que entra nas discussões do que fica e do que sai, do que vale a pena e o que não. E claro, podemos confrontá-lo quando não estamos de acordo, mas há um conhecimento, uma postura que permite essa troca. Houve discos em que colaboramos com outros produtores e foi uma grande experiência também. Mas neste, por uma questão de praticidade e de momento, tinha que ser e ele.

Como vocês receberam a eleição de “Re” como melhor álbum de rock latino de todos os tempos pela Rolling Stone?
É algo que nos deu muita emoção. É só a opinião de uma revista, mas uma revista muito importante. É como um ‘piropo’, o elogio que uma mulher escuta quando está sendo galanteada. Diz-se que sempre deve agradecer um ‘piropo’, e temos que aprender a receber esse elogio. Mas não se pode acreditar que, por isso, a banda já cumpriu todas as expectativas. (Pelo contrário) nos faz sentir frescos e jovens. Não somos velhos nem acabados, mas não temos mais 20 anos. Mas esse tipo de reconhecimento nos estimula e nos faz pensar.

Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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