O álbum de estreia de Jake Bugg

por Lucas Brêda

Jacob Edwin Kennedy, conhecido como Jake Bugg, nasceu num pequeno município chamado Clifton, com pouco mais de 22 mil habitantes, mudando-se posteriormente para Nottingham, também no centro-leste da Inglaterra. Nottingham é conhecida por ser a cidade que abriga as florestas dos contos de Robin Hood, figura do folclore inglês. Em seu mito, Robin roubava dos ricos para dar aos pobres. Era o herói do povo contra a nobreza e seus impostos abusivos, empunhava armas arcaicas – com as quais ele tinha habilidade ímpar – como o arco e flecha. Jake, que faz música arcaica (em relação ao topo das paradas inglesas, recheada de hits pré-preparados em computador), tem sido pretensiosamente chamado de herói, assim como Robin Hood, defendendo a classe desfavorecida. Neste caso, na indústria fonográfica, do tipo de música que vem sendo, cada vez mais, extinta da programação das rádios.

Apadrinhado pela BBC (ele tocou no palco da emissora no Glastonbury Festival de 2011), pela NME (que rasgou elogios ao garoto, além de divulga-lo constantemente) e por Noel Gallagher e Stone Roses (abrindo seus respectivos shows), Jake Bugg lançou seu primeiro álbum, epônimo, no auge de suas 18 primaveras (sim, ele é de 1994). Entre a alcunha de herói – dizendo ser seu trabalho manter “aquelas merdas do X-Factor” fora do topo dos charts – e as críticas por sua postura, considerada posada, de “mais maduro do que é”, o garoto mantém a personalidade e o álbum estreou em primeiro lugar na Inglaterra (ou seja, a música não era tão arcaica quanto parecia, ou será que os consumidores mudaram?).

É bem verdade que os ingleses (e quase todo o resto do mundo) de tempos em tempos escolhem seus “novos salvadores da música” – recentemente foi assim com Strokes, Franz Ferdinand, Vaccines etc… – e dessa vez não é diferente. Jake Bugg tem influências claras de Bob Dylan, Donovan, Oasis e Beatles (as quais ele não nega em entrevistas) e passeia constantemente entre baladas românticas e os típicos dançantes country/folk.

Logo na primeira faixa, a tríade básica de acordes constrói um diálogo constante de uma voz ainda, em grande parte, adolescente, e um formato country retrô que impressionou os organizadores dos Jogos Olímpicos mais recentes. “Lightning Bolt” foi tocada insistentemente nas Olimpíadas de Londres, e abre o CD para ter sequência em “Two Fingers”. Aqui, é travada uma guerra interna na cabeça de Jake, que “bebe para lembrar” e “fuma para esquecer” logo em seu primeiro verso. Há um momento na vida em que é comum uma quebra do passado – mesmo que saudoso – para abrir as portas da idade adulta. Jake passeia pelo passado infantil em Clifton, onde “tira sarro de um gordinho” e “se esconde da polícia”, volta para casa para encontrar sua mãe a brigar e discutir com “ele” (um possível padrasto), e termina admitindo: “algo está mudando”.

“Taste It”, próxima canção, é mais uma que segue a tônica country/folk dançante do disco, com um típico solo de guitarra. É mais uma, também, onde novo e velho entram em pauta quase que instantaneamente à audição dos riffs. “Seen It All” tem uma batida diferente e é mais “a cara” do cantor de músicas de pequena duração (a maioria ou não passa ou fica próximo dos três minutos). A quinta faixa é “Simple As This” e dá início à sequência de três baladas, encabeçada por “Country Song” – que pouco tem de “country” e “old”, como propõe sua letra, mas parece ser realmente “de coração” –, dedilhada cuidadosamente e gravada em estilo cru: voz/violão. “Broken” é a mais longa do álbum (com 4m07s minutos) e também é dedilhada, só que num arranjo muito mais balada, muito mais romântica, e não consegue interessar como “Country Song”, em menos de dois minutos. Apesar de bonitinha, termina sendo até mesmo maçante em seus segundos finais.

O maior mérito de Jake Bugg, em seu debute, é aliar composições criativas às formas consagradas. Assim é “Trouble Town”, com seu vocal abafado e cheiro de nostalgia. Para finalizar, Jake escolheu uma série de músicas que parecem ter sido agregadas quase que da forma que surgiram: à voz e violão. Dentre elas, o destaque é “Someone Told Me”, mais um tijolo – “Note To Self” é outra dessas – na construção de sua identidade, além de ter sido um dos sucessos anteriores ao álbum.

Para encerrar, após outra balada enjoativa (“Someplace”), foi selecionada “Fire”. Gravada no iPhone – segundo Jake, foi como “ficou melhor” –, ela passa a chave da maneira mais saudosa possível (graças além do seu formato e composição, ao clima de gravação antiga, de má qualidade), protagonizando mais um capítulo do embate presente/passado que faz parte do registro. Jake, entretanto, talvez tenha deixado fora do disco algumas de suas melhores composições, como “Kentucky” (principalmente ela), “Green Man” e “Love Me The Way You Do”, tocadas na sua apresentação no iTunes Festival desse ano.

“Jake Bugg” (o álbum), de fato, é um disco respeitável, contudo, não é suficiente para passar a seu autor a “coroa” de herói de seu mito conterrâneo. Jake pode ser um violonista virtuoso, mas suas criações nem sempre têm força suficiente para serem marcantes ou fugirem completamente do lugar comum. De fato, há de se analisar o álbum independente de seus títulos ou rótulos, e neste caso, Jake Bugg construiu uma obra com elementos suficientes para destruir a grande maioria dos “artistas robôs” e pré-fabricados que fazem a música pop. Isso não faz do garoto, porém, ainda, um herói da música atual, nem dos ingleses. Talvez seja mais um orgulho para Nottingham, que apesar de possuir uma forte cultura centenária (de personagens como Robin Hood), pouco ofereceu de músicos ao cenário mundial.

– Lucas Brêda (@lucasbreda94) é alagoano, mineiro e paulista. Comentarista de futebol e aspirante a jornalista.

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