Entrevista: Ben Kweller

por Bruno Capelas

Apesar da cara de moleque que mostra na capa de seus discos, o norte-americano Ben Kweller já pode ser chamado de um veterano do rock alternativo. Aos 31 anos, ele já foi menino prodígio do grunge, fez grandes canções de power pop, flertou com o country e teve nomes como Ben Folds e Nils Lofgren como parceiros musicais, em uma carreira que começou no início dos anos 1990.

“Às vezes me sinto como um veterano, mas ainda tenho aquele amor e aquela chama dentro do meu coração toda vez que pego em uma guitarra”, explica o artista, em entrevista exclusiva ao Scream & Yell.  “Go Fly a Kite”, lançado no começo de 2012, é o sexto disco solo do rapaz, que decidiu ser músico aos 8 anos, depois de escutar “All You Need is Love”, e quatro anos depois montou o Radish, sua primeira banda de rock. Apontado pela imprensa americana como a “the next big thing” ao lançar seu único disco, “Restraining Bolt”, de 1997, o grupo fez Kweller largar o colégio para seguir a vida com a banda. Apesar disso, o músico não se arrepende da experiência.

“Não tive educação formal, tudo o que sei da vida aprendi na estrada. Aprendi muito sobre a vida, sobre canções, sobre o amor, e sobre o mercado de música. Tive sorte de entrar nele antes da crise, porque consigo entender de onde as coisas vieram”, explica Ben.

Na entrevista a seguir, Ben Kweller fala um pouco mais sobre o Radish, nomeia seus heróis musicais, revela as canções que mostra para seus dois filhos (Dorian, de 6 anos, e Judah, de 2), traça uma comparação sobre o mercado de música nos dias de hoje e décadas atrás e comenta sobre a situação financeira de um artista alternativo nos Estados Unidos.

“É difícil viver de música hoje em dia, mas eu consigo entender como fazer isso bem. Mesmo assim, isso não importa, porque eu continuaria fazendo as músicas que faço mesmo se não ganhasse nada por isso”, explica Kweller, em uma conversa telefônica com o Scream & Yell que durou cerca de meia hora e terminou com um clássico do axé baiano. Quer saber qual? Leia e descubra:

Você está vindo para o Brasil para fazer quatro shows. Está ansioso pela viagem?
Estou muito ansioso. Já fui para a Argentina, mas essa será minha primeira vez no Brasil. Adoro visitar lugares novos. Não sei nada de português, mas sei um pouco de espanhol, e espero que eu consiga me comunicar com os meus fãs, porque os shows vão ser muito divertidos. Se der tempo para dar uma volta, comer coisas legais e conhecer pessoas novas, explorar um pouco as cidades, vai ser sensacional.

Só você vai estar no palco nos shows brasileiros. Por quê?
Sempre que eu vou a lugares novos, gosto de ir sozinho. Assim, posso tocar todas as músicas que meus fãs queiram ouvir sem precisar de muitos ensaios, tocar por bastante tempo, contar histórias e fazer muito barulho.

Muitos fãs seus ficaram um pouco decepcionados por você vir até aqui sem o acompanhamento de uma banda. Tem algo que você gostaria de dizer sobre isso?
Eu diria que eles nunca me viram tocar sozinho antes. Muitos dos meus fãs adoram quando toco sozinho, porque posso fazer mais barulho e tocar mais. É um show com muita energia, mais roqueiro do que o show com bateria e outras guitarras. Não será um show acústico chato com um cara falando bobagens lá na frente, prometo!

No Rio de Janeiro, seu show foi financiado através de um crowdfunding. O que você tem a dizer sobre isso?
Não estou sabendo de nada, você pode me explicar melhor?

Bem… os fãs se organizaram, juntaram dinheiro e pagaram pelo seu show. Eles compraram o seu show.
Aaaaaaaah! Eles que organizaram o show? Uau! Isso é muito, muito, muito legal!

“Go Fly a Kite”, seu último disco, saiu em março. Qual era a principal motivação para fazer esse disco?
Quis fazer um disco que tivesse um pouco de tudo que eu já fiz, misturando rock’n’roll, baladas com piano, um pouco de folk e de country, mas basicamente pop e rock. Um pouco de tudo que Ben Kweller fez até agora. Estou muito orgulhoso desse disco. As canções são muito pessoais, mas também são para todo mundo.

Como têm sido os shows desse disco até agora?
Os shows têm sido incríveis até agora – até mesmo os shows solo! (risos). Acho que a parte mais legal é que cheguei a um ponto na minha carreira no qual consigo fazer um show mais longo, misturando canções novas e muitas canções antigas. Tenho muita coisa para tocar, e toco tudo o que eu puder. É muito divertido.

Na maior parte das vezes, suas músicas tem frases divertidas de guitarras, refrões cativantes e letras românticas. É uma escolha?
É difícil para mim escolher sobre o que eu escrevo, honestamente. As canções vêm até mim, eu só tento escrever as melhores canções que eu consigo e ver o que acontece. É natural escrever canções cativantes, porque eu adoro música pop.

Você acha que vai mudar isso algum dia?
Não sei, talvez… meu último disco antes do “Go Fly a Kite” era um disco country [“Changing Horses”, de 2009]. Eu não sei, não gosto muito de falar sobre o futuro, porque não sei o que vou escrever. As últimas três músicas que eu escrevi são bem depressivas, mas não faço ideia se elas estarão no meu próximo disco. Só escrevo canções, e quando entro no estúdio, vejo o que acontece.

Nos seus discos, é fácil identificar quem está tocando ou fazendo aquelas canções. Entretanto, cada disco tem uma singularidade: “Changing Horses” era um disco country, o “Sha Sha” era mais próximo do grunge e dos Beatles, o “On My Way” lembra muito o Neil Young. Como você recebe influências e as usa nas canções?
Essa é uma questão bem difícil, porque há muita música que eu amo. Entretanto, quando eu estou compondo ou gravando, não ouço nada. Gosto de me focar apenas no que eu estou fazendo. Sendo assim, é natural para mim fazer música que se parece com o que eu gosto de escutar. Quando eu era adolescente, eu queria parecer com o Kurt Cobain e o Nirvana, porque era o que eu amava naquela época. Quando você começa a fazer música, você copia as coisas que você ama. Os Beatles copiavam Buddy Holly e Chuck Berry no começo, assim como Bob Dylan copiava Woody Guthrie e Hank Williams. Acho que é natural fazer isso quando você começa, mas depois de um tempo você cria seu próprio som, e é o que eu tenho feito nos últimos tempos.

Como você mesmo diz em “Run”, você está “desde os quinze anos correndo para todos os lugares que você pode correr”. É metade da sua vida fazendo canções. Você acha que já é um veterano?
Às vezes eu me sinto assim, sem dúvida, mas eu ainda tenho aquele amor e aquela chama dentro do meu coração toda vez que eu pego uma guitarra. É uma combinação estranha: eu me sinto jovem e velho ao mesmo tempo.

E quem são os grandes veteranos da música para você?
Tom Petty, Bob Dylan, Neil Young, Gordon Gayno, do Violent Femmes. Sonic Youth, Jeff Tweedy, do Wilco, e Evan Dando, do Lemonheads. Acho que são esses.

Seu pai é um grande amigo de Nils Lofgren, que trabalhou com Bruce Springsteen, Neil Young e muitos outros artistas. A proximidade com ele te ajudou?
Lofgren foi minha primeira e única ligação com a indústria da música quando eu estava começando. Eu fazia músicas e mandava para ele, foi ele quem me ajudou a gravar o disco com o Radish. Devo muito a ele.

Quando o Radish apareceu, todo mundo dizia que ela era a “the next big thing”. Por que a banda acabou?
O Radish foi a minha banda de garagem da época do colegial. Começamos muito jovens, e quando fizemos 18 anos resolvemos que queríamos coisas diferentes da nossa vida. Eu queria me mudar para Nova York, sair do Texas. O baterista queria começar uma banda nova, as músicas que eu comecei a escrever eram muito pessoais. Foi um passo normal para mim.

E o que você aprendeu com aquela experiência?
Aprendi muito sobre a vida, o amor, sobre fazer turnês, sobre compor músicas novas e gravá-las de um jeito legal… eu poderia passar horas te contando sobre tudo que eu aprendi aqui. Larguei a escola aos 15 anos de idade para sair em turnê, então basicamente tudo o que eu sei sobre a vida aprendi na estrada.

Você se arrepende?
Se eu me arrependo? Não me arrependo de nada! Acho até que eu digo isso no meu novo disco. “I don’t regret anything/always knew where I was coming from” (canta). Você não pode se arrepender de nada, todas as coisas boas e ruins. São essas as coisas que fazem a sua vida. Tudo que eu fiz me fez crescer como ser humano.

Você começou sua carreira nos anos 1990, e muita coisa mudou no mercado da música desde então. O que você tem a dizer sobre essas mudanças?
Acho que tive sorte em entrar nesse mercado antes dele mudar demais. Consegui entender de onde as coisas vieram. Acho que seria muito difícil começar uma banda nova hoje, porque há muita competição. Eu vi o negócio da música entrar numa crise, porque as pessoas não gastam mais tanto dinheiro com música, de maneira que é difícil viver só disso, mas não importa, porque eu sou um artista. Faria de graça as mesmas coisas que eu faço hoje.

É difícil para você sobreviver da música?
Ganho dinheiro o suficiente para poder fazer o que gosto em tempo integral. Me sinto sortudo de ter fãs no mundo todo e poder ter tempo e capacidade para criar minhas músicas com calma. Não sou um cara rico, mas tenho uma vida rica. Tenho muitas coisas incríveis na minha vida além do dinheiro: pago minhas contas, mas tenho tempo para ficar com minha mulher e meus dois filhos e fazer rock’n roll. Essa é a riqueza da vida.

E de onde vem esse dinheiro?
De muitos lugares diferentes. A maior parte do dinheiro vem de shows e de merchandising. Algumas músicas minhas estão em filmes e programas de TV, então ganho um pouco com direitos autorais. Além disso, escrevo músicas para outras pessoas e produzo discos de outras bandas. Mas é complicado: não é um negócio simples, mas acho que consigo entendê-lo bem hoje.

Muita gente diz que o rock não é tão grande como costumava ser antigamente. Você concorda?
Sim. Eu gostaria que o rock fosse uma coisa maior hoje em dia, como era nos anos 60, 70, 80 e 90. Hoje, o rock não é grande, mas a música passa por diferentes modas, sabe? Mas eu não dou a mínima para o que é legal ou não hoje em dia: eu faço a música que eu gosto, a música do Ben Kweller. O rock é o meu estilo de música, e sempre há pessoas por aí que gostam de rock.

Qual é a sua missão como artista – se é que você tem uma?
Minha primeira missão é criar música e fazer algo novo. Fazer canções que não existiam antes, que possam dizer o que eu penso e o que eu sinto. É um tipo de terapia. Depois disso, uma missão menor que tenho é a de ajudar outras pessoas. Para mim, música significa esperança, e se eu estou deprimido ou em um dia ruim, eu ouço música para me sentir bem. Meus fãs me disseram que já fizeram o mesmo quando terminaram um namoro, ou quando os pais deles morreram. Isso é algo incrível para mim. Mas a minha missão número 1 é fazer arte e ser criativo.

Queria te perguntar sobre o The Bens. Como foi aquele projeto (que juntava Ben Kweller, Ben Folds e Ben Lee?
Foi incrível! Nós nos juntamos, fizemos grandes canções e nos divertimos muito. Sempre conversamos em tocar o projeto de novo, mas nunca conseguimos encaixar as agendas em um espaço propício. Não há previsão, mas é algo que eu quero muito fazer.

Quando você descobriu que queria ser um artista?
Foi quando eu tinha oito anos de idade. Eu estava ouvindo “All You Need is Love”, e comecei a chorar. Foi algo que mudou a minha vida – quis fazer músicas incríveis, que pudessem tocar as pessoas da mesma maneira que eu estava emocionado daquele jeito.

Você me disse que tem dois filhos. Que tipo de música eles escutam?
Eu sempre toquei música boa para eles. Agora, por exemplo, eles são grandes fãs do Guns’N’Roses e do Kiss. Eles também adoram o Queen e o T-Rex. Dorian, o que tem 6 anos de idade, ama Megadeth e Metallica, é um metaleiro! Eu costumava fazê-los ouvir os Beatles, mas agora não é “pesado” o suficiente para ele. E eles adoram o Nirvana – “In Bloom” é uma das músicas favoritas da nossa casa. Mas, obviamente, o Nirvana nunca vai afetá-los da mesma maneira que me afetou. Da mesma maneira, por mais que eu ame os Beatles, eles nunca vão ser tão importantes para mim como foram para o meu pai, porque quando os Beatles apareceram, meu pai os viu na TV, e isso mudou a sua vida. Assim como o Nirvana foi comigo. Meu pai gosta do Nirvana, mas ele não entende o Nirvana da mesma maneira que eu os entendo. E eu sei que, daqui a alguns anos, vão aparecer músicas que eu não vou gostar, mas que meus filhos vão adorar!

Como assim?
Quero mostrar a eles diferentes tipos de música, mas sei que haverá canções que serão do tempo deles e vão tocá-los por causa disso. É o que acontece com todas as gerações – há um momento, entre os seus nove e os treze anos que a música que você ouve molda quem você é. Há sim um conflito de gerações na música – mas felizmente, há artistas que conseguem transcender isso, como os Beatles e Nirvana e Bob Dylan e Metallica.

E se você tivesse que ir para uma ilha deserta e pudesse levar apenas um único disco, que disco seria esse?
Provavelmente seria… (pensa), agora mesmo, seria o primeiro disco de John Prine. Você já ouviu falar dele?

Não.
É um artista country, dos anos 70. É um dos meus discos desconhecidos favoritos do country, de todos os tempos. Suas letras são incríveis. Se eu tivesse de partir hoje, sei que essas canções me ajudariam, porque elas significam muito para mim. Tudo é bom nesse disco: as letras, as melodias, a voz dele. É algo que eu sei que quero ouvir muitas e muitas vezes.

Ben, você tem mais alguma coisa para falar para os seus fãs brasileiros?
Ahm… (pensa um pouco)… “Onda onda, olha a onda! BAM BAM! Onda onda, olha a onda”. É tudo que eu tenho a dizer. É isso, “onda onda”, meu amigo! “Sha sha, onda onda, sha sha, baby”.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde 2010 e assina o blog Pergunte ao Pop.

6 thoughts on “Entrevista: Ben Kweller

  1. Não sabia que existia um crowndfunding pra traze-lo ao RJ, senão teria participado com certeza. Gosto muito desse “moleque”. Os dois primeiros discos dele reinam aqui em casa. Ainda é possível ir ao show? Quanto está custando? Quero muito ir.

  2. Boa entrevista, mesmo com o bizarro final, mas valeu mesmo por, através dela, eu ter conhecido o lindo primeiro álbum do John Prine, discaço!

  3. Pena!! Queria muito assisti-lo! Sou não vou lamentar tanto porque tenho certeza que ele vai voltar com a banda inteira.
    E Tiagoonie, é impressionante como o pessoal lá de fora conhece essas bagaceiras brasileiras tipo esse axé horrível aí, Bizarro! Tomara que ele não faça uma cover dessas na hora show.
    Ah, e por favor, se houver alguma cobertura do S&Y no show, por favor, coloquem aqui suas impressões.

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