Cinema: “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, de Christopher Nolan

por Leonardo Vinhas

Quando assumiu a renovação do homem-morcego em “Batman Begins” (2005), Christopher Nolan tinha a preocupação de criar um universo verossímil, palpável – em outras palavras, estabelecer Gotham como uma cidade real, dando também uma motivação crível a alguns de seus cidadãos. Mas, ao mesmo tempo, não queria perder de vista que estava lidando com um personagem com mais de 70 anos de existência, detentor de uma tradição quase mitológica. Assim, “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (“The Dark Knight Rises”, 2012) cumpre o papel de fechar a trilogia dando um destino (final, se prevalecer o bom senso) a esses personagens e estabelecendo de uma vez a figura do Batman como um mito.

Nessa configuração residem a maior virtude e o maior problema do filme. “Batman Begins” era uma história de origem, que colocava os personagens em seu devido rumo; o segundo longa, “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2008), era um grande filme policial, uma trama que mesclava máfia, psicopatia e justiça, que será lembrado por uma atuação sem igual de Heath Ledger na pele do Coringa. E o que sobra para esta última parte? Uma aventura super-heróica.

Em nenhum dos filmes anteriores Batman teve à sua disposição tantos equipamentos fantásticos, nem precisou de tantas “licenças narrativas” (leia-se: buracos – alguns sites alardeiam exageradamente mais de 50 erros na trama; não chega nem perto disso, mas há vários buracos) no roteiro para poder cumprir sua missão. A dinâmica entre Bruce Wayne e Lucius Fox (Morgan Freeman) é quase a mesma que a exibida entre James Bond e seu inventor associado, o velhinho Q – mais uma prova de que aqui a imaginação tem que trabalhar um pouquinho para que o espectador aceite algumas pirotecnias (nos filmes anteriores, toda a tecnologia era mais militarista e lógica).

Por outro lado, essa predominância super-heróica dá a todos os que apreciaram os filmes anteriores (e não só aos fãs dos quadrinhos) um espetáculo no qual é possível ver o morcegão testando seus limites e motivações, e experimentando os extremos de todos eles. Para isso, as interações com seu mordomo Alfred (Michael Caine, que aparece pouco e rouba cada cena) e com Selina Kyle, a Mulher-Gato (Anne Hathaway, linda como sempre, e sexy como nunca tinha sido) são perfeitas: ambos dão chances para que Bruce Wayne consiga entender quem ele – Bruce, não o Batman – é e o que precisa ser, e o que representa o símbolo que ele criou. E mais não dá para contar sem estragar as surpresas.

A trama usa elementos de vários momentos marcantes dos quadrinhos, principalmente do arco de histórias “Terra de Ninguém” – há ainda referências tiradas das minisséries “O Messias” e “O Cavaleiro das Trevas” (a última vez em que Frank Miller fez algo que prestasse), porém, mesmo quem nunca passou os olhos numa HQ vai entender e apreciar o que acontece na tela. Também resgata personagens dos dois longas anteriores – e conforme os fatos se desenrolam, parece óbvio que Nolan tencionava usar o Coringa novamente neste filme, e só não o fez pela morte trágica de Ledger. Chega a ser doloroso imaginar o quanto teria rendido a presença daquele Coringa no estado de violência e paranoia que Bane, o vilão do novo filme, deflagra em Gotham.

Os buracos no roteiro incomodam (não citados para não dar spoilers, mas eles podem ser discutidos nos comentários se alguém se dispuser ) e a correria com que a trama é apresentada – passam-se meses, mas a edição dá ideia de que tudo acontece do dia para a noite. Mas não chega a roubar do filme seu maior mérito: tratar os personagens com amor e respeito raros em franquias do tipo, dando a eles destinos coerentes com as motivações e personalidades que eles já apresentavam desde o filme de 2005 – mesmo que isso mate possibilidades de uma nova continuação.

Em uma trilogia com vocação de blockbuster (os números impressionantes de bilheteria referendam a vocação financeira da adaptação do super-herói), isso não é pouco – basta lembrar que Sam Raimi sucumbiu às pressões e, apesar de sua paixão pelo projeto, jogou “Homem-Aranha 3” no lixo. Dá para imaginar que Christopher Nolan brigou muito com produtores para fazer o filme do seu jeito. Os fãs do Batman – pelo menos aqueles que não têm obsessão em ver o personagem representado “canonicamente” na tela – agradecem.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– “Batman Begins’, o filme definitivo do homem-morcego, por Mac e Bruno Ondei (aqui)
– “Batmam – Cavaleiro das Trevas”, um divisor de águas, por André Azenha (aqui)
– “A Origem”: Christopher Nolan, o principal nome do cinemão, por Marcelo Costa (aqui)
– Duas pedras na mitologia do personagem Batman, por Diego Fernandes (aqui)

16 thoughts on “Cinema: “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, de Christopher Nolan

  1. Apesar de ter achado o filme sensacional–não tão bom quanto o Cavaleiro das Trevas, pra mim–alguns problemas no roteiro são bem aparentes mesmo. Fiquei curioso com essa história de alguns sites apontando 50 erros. Dei uma googlada mas não encontrei. Alguém tem o link por aí?

    Prefiro não discutir o roteiro aqui também. Spoiler é foda…

  2. O filme é ótimo, no entanto, algumas falhas no roteiro são incômodas, como por exemplo, como Bruce consegue sair de uma prisão do outro lado do planeta e chegar em Gothan tão rapidamente sem um puto no bolso.

  3. Gostei disso, Mac e Victor. Obrigado pela dica!
    A verdade é que o filme empolga, e o nível de empolgação vai determinar o quanto você se importa com muitas das questões listadas pelo UltraCulture. É difícil tolerar certos furos.

  4. Acho que o nível de empolgação tem uma influência forte mesmo. Digo por mim, estava empolgado pra caralho, percebi umas falhas, mas acabei relevando.

    Essas falhas incomodam ainda mais em um universo que nem o que o Nolan construiu para o Batman dele, que tem o realismo extremo como o principal pilar da história. Mas, para mim, não foi chegou ao ponto de comprometer tanto assim o filme.

  5. eu vou precisar ver o filme mais vezes. há momentos geniais como a primeira cena bruce e alfred, o diálogo deles é muito foda. mas ainda não sei se o filme é mais ou menos e o que sustenta é o final e todas as sacadas, ou se o filme é bom mesmo. acho que senti falta do coringa.

  6. O filme é uma bobagem só, nada a devendo ao novo do Homem-Aranha (que recebeu uma avaliação mais honesta por aqui).

    O mínimo que se espera de um filme é que ele seja coeso dentro de sua proposta e o novo Batman não apenas deixa de fazer sentido dentro de suas (intermináveis) 2h40′ mas também dentro da própria trilogia estabelecida. Conclusões meia-bocas para vários personagens, falta de química entre atores, geografia da escola Glória Perez…

    Nolan prova a cada filme que é bom de blefe, mas está longe de ser um bom jogador.

    (Mac, ótimo link.)

  7. Como estamos em tempos olímpicos…
    O Coringa(Heath Ledger) roubou o protagonismo do Batman nesse trilogia assim como Jesse Owens roubou a Olimpíada de 1936 de Hitler.
    Aliás, muitíssimo bem roubados.
    O Bem e o Mal sempre num romance astral, como diria Raul Seixas.

  8. É certamente um puta filme, mas concordo com a maioria – os defeitos não diminuem o filme, mas estão ali. Talvez tenha sido apenas questão de censura, mas acho que o filme poderia ser mais violento. Nolan nunca apelou para a violência de forma chocante, mas o próprio Coringa, já na cena inicial de O Cavaleiro das Trevas mostra-se muito mais violento e ameaçador do que Bane neste filme todo. Não que Bane seja ruim, Tom Hardy assumiu o papel corajosamente.

    E aqui, um pequeno spoiler alert.
    Na última cena, eu torci para que o filme acabasse quando Alfred olha para a câmera e sorri. Tela preta e créditos exatamente ali, e seria o final perfeito, sem tirar nem por. Mas foi necessário mostrar Bruce Wayne com Selina Kyle sentados na mesa. Porra, não precisava. É o insistente didatismo, o único pequeno “porém” dos roteiros de Nolan.

    Apesar de que, a sacada final para Joseph Gordon-Lewit (escrevi certo?) foi genial.

  9. Diego,
    Não acho que o fim que você comentou tenha diminuído o filme ou algo a ver com didatismo. Acho que foi algo muito bem vindo para evitar discussões eternas e desnecessárias sobre o que Alfred teria visto. Um porre. Assim a coisa termina, Alfred tem seu desfecho bem como Bruce e todos nós. Fim. Caso contrário seria aquela coisa: morreu? Não morreu? Teremos um quarto filme. Dispenso.

    Me incomoda invadirem um pregão da Bolsa (que fecha as 17:00), saírem dalí e 8 minutos depois estar escuridão completa. A noite cai em apenas 8 minutos? Tipo, 17:00 é solzão na cara e 17:08 completa escuridão.

    Mas trata-se de um bom filme, ótima trilogia… Saldo bem positivo para um herói que teve nos filmes anteriores um tratamento bem pior.
    Abraço,
    Vinimzo

  10. Pra mim os melhores filmes do Batman são os dois primeiros, do Burton. De longe.

    Mas esses últimos têm um elemento que me marcou para sempre:
    a voz do Bale quando Batman.

    Aquilo é uma das coisas mais hilárias de todos os tempos os tempos.
    Colocou o Michael Keaton no chinelo.

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