Entrevista: El Cuarteto de Nos

por Leonardo Vinhas

Não foi fácil encontrar um espaço na agenda do El Cuarteto de Nos para entrevista-los. Explica-se: há muito (desde 2006, para ser exato) que a banda deixou de ser um capítulo cult na história do pop uruguaio para se tornar uma das bandas mais populares da América do Sul, com direito a status de megastars na Argentina, na Venezuela e em seu país natal (e possuir relativo sucesso em outros países de hablaespana). O lançamento de seu 13º disco de estúdio, “Porfiado”, no final de abril desse ano, foi um período cercado de expectativa, assédio da imprensa, comentários disparados em redes sociais, ensaios e aparições televisivas para divulgar o disco…

Depois de muitas trocas de e-mails com a empresária do grupo, e mais de dois meses de conversas, finalmente conseguimos uma entrevista por e-mail. Estava longe de ser o ideal, já que a habilidade com as palavras do frontman e principal compositor do Cuarteto, Roberto Musso, não se restringe às letras de suas canções. Assim, fica fácil para Musso se esquivar dos temas mais espinhosos (a saída de seu irmão Riki da banda, em 2009; a relação conflituosa da banda com os fãs que vazaram o disco “Bipolar” na rede em 2009, meses antes de seu lançamento) e responder de forma polida e contida. Mesmo assim, seu discurso permite entrever sua personalidade e dados curiosos de seu nada usual talento compositivo – responsável por uma fileira de hits que só aumenta a cada disco, e que chega até a países onde a banda nunca teve discos lançados, como o Brasil.

Aliás, a banda tocou no país em 2011, em Porto Alegre (RS), Belém (PA) e Niterói (RJ). Inclusive, na capital paraense foram um dos destaques do festival Se Rasgum, no qual também tocaram Lobão, Marcelo Jeneci, Eddie e De Falla. Mas esses shows – e outros na América do Sul, México e Espanha – são encaixados no meio da agenda profissional dos músicos, que mesmo com o sucesso massivo não se atrevem a abandonar seus empregos regulares (Roberto Musso é engenheiro de sistemas, o baixista e vocalista Santiago Tavella dirige um museu e o baterista Alvin Pintos administra um estúdio de gravação). Consideram o mercado musical volátil demais para se fiarem nele, e não esquecem que levaram mais de 20 anos de carreira para obter sucesso comercial de fato.

Nesse momento que parece marcar a transição do grupo para uma massividade da qual talvez não se conheça retorno a não ser seu extremo oposto (o ostracismo), Roberto Musso fala com o Scream & Yell como um músico ainda não deslumbrado pelo sucesso: sempre se refere à banda como uma entidade distinguível (ao contrário de Riki, que sempre fazia questão de dizer que “El Cuarteto de Nos não existe como uma unidade, são quatro posições individuais”), mostra gratidão com o crescimento de seu público (mesmo que esse tenha ocorrido por conta de downloads ilegais) e escolhe as palavras ao dizer que a banda já é algo bem mais rentável do que costumava ser. “Porfiado” certamente lançará a banda a um nível comercial mais elevado – “Cuando Sea Grande” já é hit em rádios tradicionais, onlines e nos canais musicais da TV a cabo. É esperar para ver o impacto que isso terá nas personalidades que criam essa música tão rara.

Havia uma grande expectativa dos fãs em relação a “Porfiado”. Agora que o disco já está nos ouvidos dos fãs, sentem que a expectativa foi atendida?
Sim, e com ganhos. O primeiro público a quem sempre chega o material novo é a imprensa e os mais fanáticos, que estão à espera das primícias. Este é talvez o grupo de pessoas mais crítico e ao que é necessário tentar surpreender com alguma novidade, e pelo que vimos das resenhas do disco e dos comentários deste público, a recepção de “Porfiado” tem sido excelente.

Falando de sua música “estar nos ouvidos” do público: é muito provável que esteja em um formato que foi ilegalmente descarregado. Em “Bipolar” isso foi toda uma polêmica, com uma versão incompleta do disco saindo na web. Como cuidaram para que isso não acontecesse novamente? E o quanto lhes incomoda esse abuso da música digital?
Nos cuidamos um pouco mais que em “Bipolar”, controlando as cópias das mixagens que saíam do estúdio, e vendo a quem mandávamos as prévias para serem escutadas. Com relação a baixar nossas músicas pela internet, existem países em que a banda se tornou conhecida apenas por esse meio, porque os discos não estavam editados (n. Brasil incluído).

Musical e tematicamente, “Porfiado” soa como um encontro dos discos mais recintes (“Raro” e “Bipolar”) e as coisas mais soltas do passado, principalmente com um senso de humor menos ácido. Tem a ver?
Acho que tem alguma coisa do espírito dos trabalhos anteriores, mas com mais “modernidade”, por assim dizer. Em relação às letras, talvez não tenha tantas canções escritas em tom humorístico, mas a ironia e o sarcasmo continuam presentes. Também existem canções escritas a partir de um lado mais emocional, como “Cuando Sea Grande”, que era uma veia inexplorada até agora

Também sobressai a influência do hip-hop, que sempre esteve presente, mas nunca de uma forma tão explícita. Inclusive com um tom nada old school – ao contrário, tem a pegada do hip-hop moderno.
De fato, de um tempo para cá tenho encontrado no hip-hop de hoje as coisas mais interessantes da música atual, e ele também me dá a oportunidade de desenvolver historias e descrições de personagens, que em outro formato me seriam mais difíceis.

O Cuarteto esteve no Brasil para shows em Porto Alegre, Niterói e Belém. Por que escolheram essas cidades?
Foram três experiências maravilhosas, mas não foram escolhidas por nós, e sim pelas próprias cidades, que nos escolheram e nos chamaram para tocar lá. Em Belém era um festival com outras bandas, e os organizadores já nos conheciam por nos ter visto tocar no Uruguai, e em Niterói fomos como representantes em um evento de músicos latino-americanos. Tomara que nos chamem para Rio e São Paulo, adoraríamos ir!

Com estes shows, já identificou se existe uma característica comum aos brasileiros que curtem a banda?
Sim. Apesar de não entender 100% das letras, decodificam imediatamente a essência da banda, e curtem também a partir da perspectiva majoritariamente musical.

O Brasil sempre esteve no imaginário do Cuarteto, não só com menções diretas em canções como “Uruguay 1 x Brasil 1” mas também fazendo parte das influências musicais da banda, não? (Musso já se declarou fã de Titãs e Legião Urbana, dentre outros).
É que a proximidade geográfica incide muito, e, além disso, eu viajei ao Brasil de férias uma infinidade de vezes, principalmente ao Nordeste, e gosto muito do povo e de seus costumes.

As letras têm uma métrica incomum: as palavras e a melodia nem sempre estão nas mesmas proporções, porém sempre se adequam. Como faz para consegui-lo, já que é algo tão difícil quanto perigoso, até.
Não existe uma fórmula estrita que eu siga; enquanto eu goste de como soa e se entenda aquilo que digo, me serve (risos).

A propósito: parece, desde o começo da banda, que as letras são tão importantes quanto a música para o Cuarteto. Para você, com certeza. Mas e para o resto da banda? Foi algo com o qual eles tiveram que se acostumar?
Creio que para todos nós as letras sempre foram importantes, sobre o que falar, o que dizer, o que transmitir. No caso do Cuarteto, a letra é fundamental para o conceito artístico do grupo em si. Somos amantes dos jogos de linguagem e das rimas desde sempre.

Uma coisa que aparece pouco são letras em terceira pessoa. Você acha que o uso da primeira pessoa é importante para ajudar o público a se identificar com as canções?
É provável que sim. Sempre esclareço que se estão escritas muitas na primeira pessoa, nenhuma delas me identifica ou descreve minha pessoa em 100%, nem mesmo “Breve Descripción de Mi Persona”. Há pedaços do Roberto disseminados em todas as canções, Mas depois geralmente gosto de exagerar o personagem. Outra coisa curiosa que acontece é que, por mais que sejam em primeira pessoa, as pessoas se lembram mais do “Damián” ou do “Hernandez” ou do “Benito” que do “eu” (N. Roberto se refere a três canções do Cuarteto: “Yendo a la Casa de Damián”, “El Hijo de Hernandez” e “Buen Día, Benito”).

Um assunto mais difícil, e que não foi de todo explicado, é o que aconteceu com Riki.
Foram muitas as causas do distanciamento de Riki, e já faz três anos que estamos com a nova formação da banda. O importante é que está tudo bem num nível pessoal com ele e houve respeito de todas as partes por sua decisão.

Uma vez você declarou à Rolling Stone argentina que as únicas bandas que foram capazes de viver de música no Uruguai eram La Vela Puerca e No Te Va Gustar, e que eles “quebraram a cara por isso”. Continua assim? Hoje El Cuarteto não é uma banda capaz de viver de sua música?
O comentário era pela razão de que o Uruguai é um mercado muito pequeno para poder subsistir economicamente apenas com a banda. Hoje, com a projeção internacional que o Cuarteto vem tendo, a situação tem mudado bastante e podemos “viver” de música, esclarecendo que o termo “viver” é muito subjetivo e cada um vai interpretá-lo segundo sua forma de viver.

“Porfiado”, El Cuarteto de Nos (Warner)
por Leonardo Vinhas

Segundo o baixista Santiago Tavella, “Porfiado” fecha uma trilogia da qual participam seus antecessores, “Raro” (2006) e “Bipolar” (2009). Procede: são os discos de um Cuarteto de Nos renovado, que deixou de ter os gracejos e as historinhas de humor negro semi-surreal como prioridade e passou a se concentrar na música em primeiro lugar.

Essa mudança, na verdade, já havia começado com “El Cuarteto de Nos”, disco de 2004 em que regravaram canções dos discos anteriores com arranjos mais roqueiros e diretos (e incluíram a inédita “Hay Que Comer”). Foi aí que entrou Juan Campodónico, ex-baixista da banda Peyote Asesino e um dos vérticos do Bajofondo (junto com Gustavo Santaolalla e Luciano Supervielle). Como Musso e Tavella sempre reconheceram, faltava à banda alguém que realmente exercesse o papel de produtor, limando os absurdos e excessos, e polindo (ou endurecendo) as boas ideias musicais que às vezes ficavam escondidas em meio à autoindulgência ou inexperiência. Campodónico cumpriu esse requisito com louvor, e ajudou a levar a banda onde eles sempre quiseram chegar, tanto musical quanto comercialmente.

Mas o amadurecimento teve um processo: a saída do excêntrico guitarrista (e eventual compositor) Riki Musso. Em seu lugar, entraram Gustavo Antuña (guitarra) e Santiago Marrero (teclado), ainda com status de músicos acompanhantes. De qualquer forma, “Porfiado” é o primeiro disco com El Cuarteto transformado em quinteto, e isso parece ter impactado no resultado final: as canções estão mais coesas, mais focadas no desempenho da banda, com menos intervenções de programações e outros instrumentos.

Se isso ajuda na intensidade e volume das composições, também tira um pouquinho do charme multicolorido que era construído graças ao detalhismo de “Bipolar”, ainda o melhor disco da banda. Porém, os caminhos abertos no disco de 2009 continuam sendo trilhados em “Porfiado”, seja rap à Coolio de “Buen Día, Benito”, seja na melodia beatle que pontua a hip-hoppice de “Solo Estoy Sobreviviendo” – não à toa, duas das melhores faixas do disco.

Esses caminhos também tornam possível uma canção da cepa de “Cuando Sea Grande”, uma letra simples e poderosa com a qual é impossível não se identificar em algum momento, uma espécie de “I Don’t Want to Grow Up” com poética mais elaborada. E ainda que seja uma canção realmente emotiva, a banda tem cara-de-pau suficiente para meter um Autotune à la Cher no refrão, como que satirizando a própria emotividade. E sem esses caminhos abertos por “Bipolar”, é pouco provável que a banda se arriscasse a fazer coisas como o solo rock’n’roll na suingada “El Balcón de Paul” ou os efeitos eletrônicos no rockinho “No Te Invité a Mi Cumpleaños”, faixa que, junto com “El Lado Soleado de la Calle”, revisita a estética dos primeiros discos.

Da mesma forma, alguns dos maus hábitos da banda também se repetem: a obrigatória cumbiazinha boba de Santiago Tavella (“Enamorado Tuyo”), o groove clichê de “Vida Ingrata”. Essas duas, mais “Todos Pasan Por Mi Rancho” (uma senhora chupação das “murgas-rock” da Bersuit Vergarabat), compõem aquele quarto do álbum que nem a banda nem Campodónico salvam (que também aparecia, de certa forma, nos dois discos anteriores), mas não chega a comprometer o resultado final.

Em resumo, “Porfiado” é um disco maduro, excepcionalmente bem-produzido e com destino ao sucesso. Eu sei, são três características que, quando colocadas em conjunto, prenunciam inevitável decadência – aquela sensação de “daqui pra frente, tudo vai ser meio profissional demais”. Mas enfim, é empolgante o suficiente para ser curtido agora e por muito tempo. Aproveitemos.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel

11 thoughts on “Entrevista: El Cuarteto de Nos

  1. Ótimo disco e bela entrevista. =) Agora, esse autotune no refrão de “Cuando sea grande” foi de matar! Por mais q eu já conheça o bom humor e auto-ironia da banda de outros carnavais… hehe Bem lembrado sobre as murgas à la Bersuit.. Quando conheci o Cuarteto, logo depois de lançarem o Raro, achava a banda meio cópia dos argentos em alguns temas. Mas são grupos contemporâneos, né, cada um com sua identidade. Abraço!

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