Show: Arnaldo Antunes no Rio

Texto e fotos por Jorge Wagner

Uma olhada rápida para a casa ao lado e o que se vê é uma fila extensa e confusa formada bem antes da hora marcada para a abertura dos portões – e composta, em grande número, por pessoas recém-saídas da adolescência –, além de uma nuvem de cambistas com suas ofertas abusivas por ingressos (quase a metade do valor original para comprá-los e mais que o dobro para vendê-los) no entorno. Naquele momento, a Fundição Progresso se preparava para receber o terceiro show da turnê mais recente de uma banda que, embora tenha encerrado as atividades na década passada, se reúne de tempos em tempos para levantar algum dinheiro. E enquanto isso, ao lado e sem o mesmo alarde, o Circo Voador recebia aos poucos o público interessado em presenciar o lançamento do trabalho mais recente de Arnaldo Antunes, com o seu Acústico MTV.

Em sua nova empreitada, Arnaldo conta novamente com o apoio da grande banda que já o acompanha desde a turnê de “Iê Iê Iê”, de 2009: Betão Aguiar (baixo / violão), Chico Salem (violão / banjo), Marcelo Jeneci (teclado / sanfona – substituído nos shows por André Lima), Edgard Scandurra (violão / talkbox / taisho-koto) e Curumim (bateria). E se por um lado esse reforço soma pontos na produção do disco/DVD, por outro, pode vir a render situações constrangedoras, como o atraso protagonizado nessa noite. Isso porque Curumim, lançando disco novo, se apresentou no Studio RJ pouco antes da hora marcada para o show no Circo. E apesar de atrasos não serem bem uma novidade para o público da casa, o conflito de horários incomodou a platéia, resultando em vaias e sinais de desaprovação enquanto Arnaldo não subia ao palco.

Quando finalmente Arnaldo e companhia são anunciados, o público parece esquecer o atraso de mais de duas horas já nos primeiros acordes. O som apresenta alguns problemas nas primeiras canções (principalmente na voz do ex-Titã, reverberando em exagero em “Se Assim Quiser” e “A Casa é Sua”), mas fora isso, tudo transcorre em tranqüilidade. Tanto o disco quanto o show “Arnaldo Antunes Acústico MTV” não traz qualquer menção de novidade, nem mesmo com as inéditas e as medianas “Ligado a Você” – apresentada com a participação de Liminha, responsável pela produção do álbum, ao dobro – e “Dentro de Um Sonho”.

Mesmo com os novos arranjos e tentando se controlar para manter a suposta serenidade pedida pelo formato acústico (como uma criança hiperativa, vê-se no rosto, nas mãos apertando os joelhos e no bater dos pés contra o chão que o cantor luta o tempo inteiro contra a vontade de se levantar do banquinho a ele reservado – o que de fato faz em diversos momentos), Arnaldo Antunes joga em campo conhecido, seja reconstruindo músicas de seu repertório mais recente, seja relembrando medalhões de sua carreira trintona – gravados em seus discos solos, com os Titãs, com os Tribalistas ou ainda por cantoras como Marisa Monte e Zélia Duncan.

Aclamado a cada intervalo, Edgard Scandurra é um show a parte, seja solando, sorrindo, agradecendo ou mesmo abusando dos arranjos com talkbox durante 90% do tempo. Mais que um apoio para Arnaldo, o guitarrista encarna o papel de parceiro na apresentação, dando a entender que sim, as pessoas quiseram ir a um show do Arnaldo Antunes, mas se sentiram ainda mais tentadas a isso por conta da participação marcante do ex-guitarrista do Ira!. E é com destaque de Scandurra que Arnaldo protagoniza alguns dos melhores momentos do show, como em “Hereditário”, cantada a plenos pulmões pelos presentes.

Outros grandes momentos da noite ficam por conta de “Até o fim” – quando Arnaldo Antunes se aproxima do público e se abaixa para cantar –, “Socorro”, “Passe em Casa” e “Envelhecer” – uma das melhores de “Iê Iê Iê”, encerrando a primeira parte do show. E tanto no primeiro bis, com “Alegria” e “Música Para Ouvir”, ou no segundo, com “Pense Duas Vezes Antes de Esquecer” e “Televisão”, Arnaldo permanece como dono da bola, promovendo, a sua maneira, o seu próprio “karaokê coletivo” – com o perdão da repetição do termo utilizado para definir os shows daquela tal banda da década passada que se apresentava na casa ao lado.

Mesmo sem guitarras (emulando ou não a Jovem Guarda), mesmo sem viagens eletrônicas, sem a percussão de Carlinhos Brown ou a parceria de Marisa Monte, o show acústico de Arnaldo Antunes não traz nada que você já não possa ter visto em qualquer outra apresentação do músico. O que não é necessariamente ruim. Se há um ponto positivo nesse trabalho, ele está menos no formato como as canções são apresentadas e mais no entrosamento da banda e no prazer de Arnaldo e companhia em fazer, de novo, tudo o que ele já vem fazendo há muito tempo.

– Jorge Wagner (siga @jotablio) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2006 tendo escrito sobre Milton Nascimento (aqui), Cícero (aqui), Criolo (aqui) e Marcelo Camelo (aqui)

10 thoughts on “Show: Arnaldo Antunes no Rio

  1. Eu fui no show do acustico que teve em Aldeia da Serra. Ao contrario do autor, achei bem interessantes os arranjos de algumas musicas (Musica Para Ouvir em especial), e as escolhas de algumas músicas sensacionais (Hereditario e O que, para os que tem saudades da fase Arnaldo dos Titãs). Arnaldo não estava tão contido assim no palco também. Foi de longe o melhor show dele que fui.

  2. Fui ao Circo e foi realmente Impressionante o Scandurra nesse show. O repertório poderia ter sido ainda mais variado, mas reconheço que ficou complicado para o Arnaldo escolher. Um bom espetáculo.

  3. Arnaldo é dos grandes do rock/pop brasileiro, sem dúvida.
    Só lamento sua guinada ao pop fácil, extremamente fácil dos últimos tempos.
    Desperdício de talento. Mas, a gente sabe, com grana e fama são se brinca.
    Normalmente vc se queima.

    PS: O clássico Cabeça Dinossauro está sendo relançado remasterizadinho e em edição caprichada amanhã. Imperdível!

  4. Sei lá, acho que ele não guinou tanto assim para o fácil não. Esse próprio MTV Acústico poderia ter sido recheado de canções mais radiofônicas que ele não escolheu.

  5. Arnaldo é um dos raros da sua geração que ainda vale ouvir, apesar de não apresentar nada diferente (e acho difícil que isso mude, para o bem e para o mal). Vi o show do lançamento do “Iê Iê Iê” e realmente o Edgar dá um show a parte, é como se a história fosse dele também. Tomara que essa turnê passe por aqui, deu vontade de conferir.

  6. Arnaldo encontrou o equilíbrio entre o que fazia antes – aquela coisa chata e concreta – com um pop retrô e modernóide, feito pelas figurinhas da moda. Ficou na sua, se deu bem. É o que há de melhor pra ouvir hoje no pop nacional disparado.

  7. Cel, o primeiro disco dele solo, de fato, intragável. Mas os três subsequentes são palatáveis e infinitamente mais instigantes que os de agora.
    Os Tribalistas foram uma tragédia, artisticamente falando, na carreira dele e também na da Marisa.
    Sim, o cara se deu bem. É tão talentoso que mesmo optando pelo fácil ainda tem coisas que se salvam.
    Em outras palavras. É tão bom que não consegue ser totalmente ruim. hehehe

  8. sempre achei o Arnaldo meio mala, apesar de lampejos bastante interessantes. hoje em dia, curto as composições em parceria com o Jeneci e o Ortinho. nada genial, mas passam de ano.

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