Entrevista: Tipo Uísque

por Renata Arruda

O Rio de Janeiro começa a dar sinais de mudança. Se antes a cidade investia em bandas presas à influência do Los Hermanos e havia pouco espaço para o rock e para a música experimental, nos últimos anos surgiram artistas cariocas que tem conseguido se destacar tanto para a crítica especializada como para o público, e cuja característica em comum está no fato de nenhuma delas se parecer com o estereótipo que se convencionou chamar indie carioca.

É uma lista de nome distintos que destaca Dorgas, R. Sigma, Sobre a Máquina, Colombia Coffee, Medulla e também a Tipo Uísque, banda de rock dançante influenciada por artistas como Gossip, Led Zeppelin, Radiohead, Janis Joplin e Beatles (de quem gravaram um cover, “Yer Blues”), formada há apenas três anos por Pin Böner (vocal), Line Lessa (teclado), Joana Cid (baixo) e Larissa Conforto (bateria) da vontade em comum entre amigas de adolescência em formar uma banda.

O nome foi sugerido por acaso por Pin em uma conversa no MSN (“Tem que ser algo curto, tipo “uísque”), e nas letras, versos sobre relacionamentos, atitude, emoções e juventude, sempre assinados por Line Lessa e Pin Böner. Vencedoras da seletiva carioca do festival MADA, e com a oportunidade de gravar seu primeiro álbum por um grande selo, convidaram os guitarristas Gabriel Ventura e Gabriel Salazar para integrarem a formação definitiva. “Podemos dizer que o Gabriel Ventura tenha trazido uma vibe mais Hendrix (groove) e o Salazar uma vibe mais Pink Floyd (timbres loucos e viajantes)”, comentaram em diversas entrevistas.

Em 2011, lançaram seu primeiro EP pelo selo SLAP, da Som Livre, o eletro-rock “Afague”. Produzido por Fernando Lauria, o álbum traz cinco músicas encabeçadas pelo single “Fight It”, que integrou a trilha do filme “Alegria”, de Fernando Bragança. Fechando o disco, a climática balada “If You Go”, contendo um trecho em homenagem ao amigo Rafael Mascarenhas, falecido em 2010. A repercussão do álbum rendeu à banda uma indicação ao Prêmio Multishow na categoria “Experimente” e uma base leal de fãs com quem mantém um relacionamento próximo através das redes sociais.

Em abril deste ano, tiveram a oportunidade de tocar para o maior público de sua carreira ao participar do festival Lollapaloosa na mesma noite que o Foo Fighters, e lançaram seu segundo EP, “Home”, disponibilizado em seu site ao custo de um tweet (http://tipouisque.com/). Gravado em janeiro em uma casa na cidade de Arraial do Cabo, “Home” tem a produção assinada por Bruno Giogi e apenas três faixas e um bônus, “How Could You Pretend I Wouldn’t Notice?”, que ganhou um divertido clipe explorando o potencial dançante da música e cujo refrão cativante pode transforma-la em hit.

Nesta entrevista realizada por e-mail, Pin Böner e Line Lessa falam sobre o novo álbum, o estigma de “banda de meninas” e a falta de infraestrutura e investimento para fortalecer o cenário do rock no Rio de Janeiro: “Temos, sim, excelentes bandas as quais sempre citamos, mas que precisam de uma infra legal para se fortalecer. E o público precisa desse estímulo”. Confira!

Como é a trajetória da banda até agora?
A Tipo Uísque surgiu de maneira totalmente despretensiosa. Começou com a Larissa e a Pin, que se conheceram e decidiram montar uma banda logo depois da Larissa escutar a Pin cantarolando “Starlight” (do Muse).Desde então a banda já teve algumas formações, mas a formação atual tem quase dois anos, quando, pouco antes de assinarmos com o Slap (selo de novas apostas da Som Livre), entraram os dois Gabriéis para comandar as guitarras (e acabar com o estigma de “banda de menininhas”).

Como é o processo de composição das músicas? Algum letrista favorito?
Normalmente as letras surgem de fontes diversas de inspiração. O processo de composição é o mais espontâneo possível. Se tentarmos forçar alguma coisa, não sai nada. A Line e a Pin têm uma ligação muito forte e tudo o que fazem acaba se complementando. Inclusive as letras são uma mistura (bem desordenada) das sensações de cada uma. Temos alguns letristas favoritos: Dos gringos: Thom Yorke, Alex Turner (Arctic Monkeys), Emily Haines (Metric)…E dos nacionais: Caetano, Raul, Chico, a dupla Amarante/Camelo, Gonzaguinha e por aí vai.

A música “Fight It” me chamou a atenção pela letra. Qual a história dessa música?
O tecladinho de “Fight it” era só uma brincadeira que a Line começou a fazer entre uma música e outra (provavelmente alguns covers) enquanto a gente ensaiava. Acontece que a Pin começou a cantar uma melodia em cima. Logo a Line complementou a melodia, elas fecharam a letra, e a música surgiu. “Fight it” fala sobre a nossa própria relação. Antes mesmo de a banda ter se mostrado, tivemos algumas dificuldades em lidar com as dores de cabeça (inevitáveis) que um casamento entre 5 ou 6 pessoas pode causar. Mas no fundo, o que nos move é o amor. O amor que existe entre cada um e o amor de cada um pela música. Sabemos que sem foco é sempre mais difícil chegar a algum lugar. Então passamos por cima das nossas divergências e encaramos a música não só como o que ela representa pra gente, mas como um compromisso que precisa ser levado a sério, se é isso o que mais importa. Make this an obligation!

E como vocês decidem quais as músicas vão entrar no álbum? Uma banda com tantos integrantes deve ter algumas divergências.
Até que não rola tanta divergência quanto à escolha de músicas, não. Na verdade a gente leva em consideração a música como um todo (letra, harmonia, arranjo) e se ela estiver “redondinha”, ela tá dentro. Temos algumas músicas, já compostas há um tempinho, e que ainda não entraram em nenhum trabalho exatamente por ainda precisarem ser trabalhadas ou “podadas”.

Com tão pouco tempo de carreira, vocês chegaram ao palco do Lollapalooza. Como foi essa experiência?
Foi uma grande honra receber esse convite da GEO (Eventos, produtora do Lollapalooza Brasil), além de uma baita responsabilidade. Abrigar um festival do porte do Lollapalooza é motivo de grande alegria para o Brasil. Além de fortalecer este tipo de cultura por aqui, serve para que o brasileiro valorize os diferentes tipos de música, e conheça novos artistas, vindos de todos os lugares. (Para nós) A experiência foi incrível. Tocar logo depois do show do Rappa, para um público gigantesco, num palco grande, com equipamento de primeira é o que qualquer banda nova quer, né? Além disso, graças ao Lollapalooza, em maio tocamos num acústico na Macy’s, da Herald Square, em Nova York, com a banda We the Kings, e depois em um evento do WCT de surf, que vai rolar no Vivo Rio. E vamos abrir o show do Band of Horses. Que venham os próximos!

Há uma recente discussão sobre as bandas que fazem sucesso muito cedo e logo chegam ao palco de grandes festivais, mas ainda não tem presença suficiente pra “liderar” um público tão grande e misto. Vocês chegaram a sentir algum receio disso?
O receio de encarar uma plateia numerosa sempre rola, mas, pelo menos no nosso caso, vira combustível. Nos motiva a fazer um show porradeira, com pegada, bateção de cabeça, ver a galera pulando e dançando… Liderar e mobilizar um grande público independe da carga de experiência que a banda carrega (apesar de ajudar, obviamente), está muito mais relacionado ao poder que a banda tem de coesão no palco, de entrosamento, de lide. O público acaba se deixando levar pela vibe da banda e é isso que mobiliza. De qualquer forma, as plateias tem sido bem receptivas com a gente e respondido muito bem ao nosso som!

O novo EP se chama “Home” e vocês gravaram em uma casa em Arraial do Cabo. Como foram essas gravações? E qual o sentido de “casa” no conceito do EP?
As gravações aconteceram na casa de praia que a Line tem em Arraial do Cabo. Foram três dias intensos, onde gravamos todos os instrumentos em diferentes cômodos (bateria na cozinha, guitarras nos quartos, etc), para captarmos a ambiência de cada canto. O fato de termos optado por fazer um retiro numa casa, pra que todos participassem de cada passo da gravação e se sentissem à vontade pra gravar, ajudou – é claro – na escolha do nome do EP. Mas “Home”, pra gente, significa bem mais do que isso. O amadurecimento da banda, evidente nas composições do EP, pediu um título que mostrasse que não temos medo de mudar conforme crescemos por dentro. Casa é onde a gente pode ser quem a gente realmente é. A nossa casa é o reflexo da nossa personalidade, é o lugar que muitas vezes testemunhou nosso desenvolvimento. É onde a gente encontra conforto, segurança, proteção. Além de tudo, somos uma família. Nada mais justo.

Este novo EP parece mais rock que o anterior. O que mudou?
Muitas pessoas nos têm perguntado sobre isso. Certamente a diferença maior é quanto ao amadurecimento da gente, tanto como banda quanto como pessoas. Mas essa mudança não foi proposital, ela aconteceu e vem acontecendo naturalmente e aos poucos. Costumamos dar este exemplo: Quando a Line e a Pin escreveram as músicas do “Afague”, elas eram bem novas, tinham 16/18 anos de idade. As músicas do “Home” acompanham esse crescimento natural, são mais recentes, mas as influências são as mesmas de sempre, desde rock clássico até música eletrônica, passando por rock anos 90 e jazz.

Li que no primeiro EP vocês tiveram alguns contratempos, atrasos com o lançamento. O que aconteceu?
Nós tínhamos acabado de assinar com o Slap e estávamos bastante ansiosos para o lançamento do nosso primeiro trabalho. E juntar ansiedade e prazo não dá certo, né?
Além disso a gente tem uma certa síndrome de perfeccionismo e quer sempre mexer nas músicas até que elas fiquem exatamente (ou bem próximas) como a gente quer. Por isso rolou esse atraso, mas nada que comprometesse o trabalho.

A banda tem um apelo visual forte e marcante e a Pin chegou a sair no caderno “Ella”, devido ao seu visual extravagante. Li numa matéria que este apelo visual “acompanha a música e linguagem visual que acreditam”. Qual o conceito?
Quanto à linguagem visual a nossa regra é: sustente seu próprio estilo. Muitas pessoas pensam que usamos as nossas roupas e cabelos para conseguir um marketing maior ou algo do tipo… ledo engano! Todo mundo já carregava seu estilo (e cor de cabelo) mesmo antes de ser da banda. Certamente todos nós temos nossas influências de moda e gostamos de nos vestir bem, mas não fazemos disso um “big deal”. Tanto a nossa música quanto o nosso estilo traduzem influências pessoais e diversas que, nessa mistureba toda, dá certo.

Outro fato que chama a atenção é ser uma banda onde a presença feminina é predominante. Só o fato de uma banda de rock com quatro integrantes mulheres ser vista como um diferencial e não com a mesma naturalidade que uma com quatro integrantes homens já demonstra que existe um sexismo ainda e não apenas na música. O que vocês acham disso?
Hoje em dia nós tentamos lutar contra este estigma que colocam na gente de “banda de menininhas” (pobres Gabriéis!), até porque, normalmente, este estigma vem acompanhado de um viés pejorativo. Nós somos, sim, uma banda de seis pessoas que tocam rock e o que a gente busca é que as pessoas nos julguem pela nossa música e não pelo nosso sexo. Mas, claro, não deixa de ser um ponto positivo para divulgação e sempre gera pautas.

Uma vez vocês disseram que fizeram “comparações infames” com outras bandas de mulheres.
Ah, é exatamente como disse. Comparações feitas pelo sexo e não pela música. Comparam muito ao CSS, ao Copacabana Club, ao Ting Tings… bandas as quais admiramos muito e, inclusive, somos fãs, mas que não têm muito a ver conosco senão pelo fato de ter meninas na banda e letras em inglês. O som é bastante diferente.

Alguma de vocês se identifica com o movimento Riot Girl ou ele já está ultrapassado?
Apesar não fazermos um som pesado, algumas integrantes da banda têm influência de bandas da cena Riot Grrrl (L7, Le Tigre, etc) sim. Quando começamos a tocar, a banda era só de mulheres. Com o tempo, outras coisas (como a própria sonoridade) se mostraram mais importantes do que passar a mensagem de que mulheres também podem tocar rock. Hoje em dia, já existem tantos símbolos femininos no rock, que o preconceito (embora ainda exista) não nos atinge mais. Defendemos e muito os direitos das mulheres, mas, digamos, com um pouco menos de rebeldia.

Sobre a cena no Rio, muitos dizem que é o “túmulo do rock” e ainda é comum muita gente migrar pra São Paulo. O Alexandre Kumpinski, da Apanhador Só, me disse que em sua visão o Rio é fechado pra cena de rock independente, principalmente para as bandas que vem de fora. Eu soube que vocês acham que falar em “túmulo do rock” é um exagero. Como o cenário carioca tem se fortalecido, na opinião de vocês?
Certamente o (cenário do) Rio ainda deve crescer (como já vem crescendo) em relação a sustentar uma cena, acompanhar bandas novas, ter um público mais proativo, etc. Mas essa “má fama” se deve muito mais à falta de estrutura e investimento (de boas casas de show de pequeno e médio porte, de produtores que paguem bons cachês, etc) do que ao desinteresse do público carioca. Temos, sim, excelentes bandas as quais sempre citamos, mas que precisam de uma infra legal para se fortalecer. E o público precisa desse estímulo. A vinda do Studio RJ foi um ótimo grande passo, por exemplo.Reconhecemos e somos muito gratos ao cenário underground carioca, até porque foi ele que nos deu o pontapé inicial, mas sabemos que estamos numa fase de transição e ainda há muito que ser feito.

Vocês ainda não gravaram um álbum cheio, mas já tem músicas em novela e contrato com um selo importante. Aos poucos a banda inevitavelmente vai perder o status de “aposta” e fazer parte do jogo. Isso preocupa vocês? Como se manter relevante numa época em que aparece muitas novidades o tempo todo?
Nós não nos preocupamos, pois não nos deslumbramos e nem nos apegamos ao rótulo de “aposta”. Nossa preocupação está em fazer a nossa música da melhor maneira possível e de criar um bom público. Sabemos dessa “era de efemeridades” que rola, mas ao mesmo tempo em que a internet traz e leva muita novidade (com certa falta de filtro, convenhamos), ela é nossa aliada (através dela o Slap nos conheceu, ora ora). Nós podemos ser considerados uma “banda de internet”, pois estamos sempre produzindo visando as redes sociais. Aliás, respondendo a pergunta, de repente esta é a nossa receita para “se manter relevante”: produzir o máximo de conteúdo online possível, criar inúmeros virais, estourar nas rádios e na TV, ficar famosos e bilionários e conquistar o mundo. Tamo quase lá!

Vocês disseram uma vez: “Se estamos conseguindo fazer as pessoas sentirem e compartilharem a mensagem que queremos, estamos satisfeitos”. Como tem sido pra vocês a resposta do público?
O público tem sido extremamente carinhoso e gentil com a gente. Definitivamente não podemos reclamar. Já temos fã clube, fãs nº 1 (que acabam virando nossos amigos), mobilização de pessoas que curtem o nosso trabalho para divulgar a banda, pessoas cantando nos shows… Nessa hora a gente pensa que tudo vale a pena. O nosso objetivo é fazer com que mais e mais pessoas conheçam a Tipo Uísque e espalhem o nosso som por aí.

A banda tem planos para algum álbum cheio em breve?
Por ora a gente não pensa em um álbum cheio, pois acabamos de lançar um compacto e queremos divulgá-lo ao máximo. Mas quem sabe? De repente no ano que vem surge um CD por aí, vamos ver! Mas, por enquanto, a gente quer mesmo é mostrar o “Home” pra todo mundo.

– Texto por Renata Arruda (@renata_arruda). jornalista e colaboradora do Scream & Yell, da empresa Teia Livre, da Revista Cultural Novitas e responsável pelo blog Escrevedora

4 thoughts on “Entrevista: Tipo Uísque

  1. Excelente a entrevista! Conheci a banda no Lollapalooza e é assustadoramente boa. A vocalista tem uma voz incrível e a batera é linda e toca pracaralho!

  2. Amo! Tipo Uísque é foda pra caraleo. Amo demais. E a entrevista tá ótima. É sempre bom ler coisas sobre nossos ídolos, principalemente quando se mora longe… RS… né. Enfim. Todo o sucesso do mundo pra eles e muita inspiração para mais trabalhos e músicas. Não me canso de dizer: AMO DEMAAIS!

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