Entrevista: Phillip Long

por Renata Arruda

Se o mainstream não traz boas novidades da música brasileira, o cenário independente parece viver sua melhor fase e, paralelo ao surgimento de uma indefinida “nova MPB”, começa a desenhar uma cena nacional de folk, feita por músicos inspirados tanto em Bob Dylan e Damien Rice quanto em Mumford & Sons e Bon Iver. Nesta safra, Phillip Long – alcunha musical do cantor e compositor Felipe Ferreira –, começa a se destacar e impressiona pelo ritmo acelerado em que é capaz de compor e lançar projetos diferentes em tão curto espaço de tempo. Há menos de um ano, em julho de 2011, lançou seu primeiro álbum, “Man on a Tightrope”, composto durante um período difícil na vida do músico.

No início de 2012, Phillip Long passou a conceber o que seria um EP. Faltando apenas duas semanas para concluí-lo, o músico chegou no estúdio do produtor e amigo Eduardo Kusdra com o restante das faixas necessárias para se fechar um álbum cheio, e logo no início de março “Caiçara” chegou ao público. “Ele é muito diferente em todos os sentidos. Exorcizei os demônios dos amores fracassados. Escrevo sobre as minhas impressões da vida, e abordei temas mais pesados para mim, por isso dei essa roupagem mais folk-rock” , disse o músico à época do lançamento. O álbum conta com dois vídeos: “Lion Heart” e “Nobody’s Happy”.

Enquanto se dedicava à promoção do disco, Phillip Long ainda participou da coletânea “Re-Trato”, em homenagem aos 15 anos dos Los Hermanos, com uma versão folk-rock para a mais que adequada “Sentimental”, onde pela primeira vez pode-se ouvi-lo cantando em português. Mesmo apreensivo em trabalhar com a música de uma banda “ histórica no Brasil” e com “uma base de fãs fantásticos”, o resultado é uma das melhores versões deste primeiro volume e despertou no compositor a vontade de gravar suas composições na língua pátria: “Trabalhar com essa versão me fez crescer a vontade de um dia gravar coisas em português, ou quem sabe mesclar idiomas. Sinto que farei isso muito em breve!”.

Porém, o que o músico prepara para breve é o lançamento de mais um álbum, intitulado “Dancing With Fire: A Folk Opera”. Phillip explica que este será um disco conceitual, e, com um pouco de exagero, já considera ter parido sua “obra-prima”. “A primeira faixa se chama “Dancing With Fire (Enterlude)” e convida o público a embarcar na jornada e a última faixa leva o mesmo nome e agradece o público por ter ouvido. Como Opera Folk ele é todo baseado em violões, os arranjos são delicados, todos assinados por Eduardo Kusdra, as letras são as melhores que já escrevi. Me sinto maduro e completamente alinhado com meus propósitos. Acho que encontrei as canções certas, no momento certo”. No repertório, Phillip incluiu a faixa “We Were Giants”, que compôs para o filme de Daila Pacheco, chamado “Nós Parecíamos Gigantes”. “No fim gostei tanto da canção que acabei incluindo no ‘Dancing’”, conta.

O lançamento do álbum está previsto para maio e, para o Scream & Yell, Phillip Long liberou a faixa “It’s Hard When It Aches”, onde divide os vocais com a cantora independente Maria Eliza, e já declara ser este “o terceiro e derradeiro single” (o segundo é “In God’s Name”, lançado através do site Rock’n Beats). Você pode ouvir  “It’s Hard When It Aches” abaixo com exclusividade assim como a integra do álbum “Caiçara”. Phillip Long conversou com o Scream & Yell pela internet, em um bate-papo que adentrou a madrugada, sobre seus projetos e a importância da música na sua vida. Conheçam o inspirado Phillip Long:

Como foi a escolha do nome? E por que Phillip Long?
A escolha do nome veio naturalmente, surgiu, achei sonoro e adotei. Não há significados ocultos nem profundos. É um pseudônimo para escrever minhas canções folk, e agora acho que Phillip Long tem muito mais a minha cara do que meu nome original!

Uma espécie de persona?
Na verdade acho que me encontrei como Phillip Long. Acho que Phillip Long é o que eu tenho de melhor, existo melhor sob essa alcunha. Acho que minha alma fica explicita.

Você assumiu um nome em inglês, e suas músicas também são em inglês. Não é um desafio cantar em inglês no Brasil? Como tem sido a aceitação?
De verdade, sinto que já superamos esse estigma, esse lance de ser mais difícil para o artista quando se escolhe cantar em inglês em um país em que a língua nativa é outra. É complicado ser músico cantando em qualquer idioma. O lance é que na música nós estamos acima desse tipo de coisa, vivemos uma linguagem verdadeiramente universal. Você pode ouvir um sujeito cantando em chinês e entender perfeitamente o que ele quer dizer. A questão estética não atrapalha quando o trabalho é honesto. Canções honestas tem tocado pessoas de diferentes culturas e línguas há séculos. Então o que realmente importa é a honestidade e paixão impressos na obra. Por exemplo, o assovio é um idioma universal, a beleza está na melodia e tal. Quanto a aceitação do público em relação ao meu trabalho, acho que tem sido positiva. Tenho construído coisas com minhas canções, é claro que as pretensões devem ser sempre menores, quando se faz um trabalho honesto e com alma as coisas tendem a ser mais complicadas. Mas tenho tesão nisso.

Mas você comentou sentir alguma estranheza quando saiu sua versão pra “Sentimental”. Você chega a compor em português? Já pensou em gravar?
Existiu sim a estranheza no sentido de trabalhar com uma canção que não foi de minha autoria. Como sou um compositor e não me considero um grandioso interprete, fiquei um tanto quanto apreensivo. Além do fato de Los Hermanos ser uma banda histórica no Brasil e ter uma base de fãs fantásticos, isso assusta. “Sentimental” é uma canção extremamente linda e passional. Me senti muito honrado com o convite para fazer a versão de uma música que tem alma. Escrevo coisas em português, tenho várias letras em minha língua nativa. Trabalhar com essa versão me fez crescer a vontade de um dia gravar coisas em português, ou quem sabe mesclar idiomas. Sinto que farei isso muito em breve!

Por falar nisso, parece que você vive compondo; uma vez chegou a dizer que não estava se alimentando direito. Foi pelo ritmo de composições que você decidiu fazer de “Caiçara” um álbum cheio no lugar de um EP?
Sou extremamente compulsivo quando o assunto é criar, acho que no fundo sou um músico-pintor que vive pensando em obras. Sempre a la prima. Às vezes estou parindo uma canção e já tem outra querendo se manifestar, então tenho que correr com a primeira para que a segunda não se perca. Quando perco uma canção fico profundamente triste, sei que provavelmente ela irá assombrar outro músico que esteja preparado para ela, mas há essa sensação de perda. Então, às vezes, fico sem me alimentar direito, há espera do momento certo de fisga-las. E como se você estivesse lutando com um peixe realmente, como em “O Velho e o Mar”, do Hemingway, você não para de lutar por aquilo. O “Caiçara” realmente seria um EP, e foi pelo ritmo de composições que acabou se tornando um disco. Faltando duas semanas para se fechar o EP, apareci com todas as outras canções no estúdio do Eduardo Kusdra.

O “Caiçara” é um disco que me parece mais visceral que o primeiro, mas delicado e sensível ao mesmo tempo. Dessa vez você abordou outros temas também, parece mais reflexivo.
Melhorei enquanto pessoa depois do “Man on a Tightrope”, passei por outras coisas que me fizeram o que sou agora. O “Caiçara” é sim um disco mais reflexivo, todo o meu trabalho autoral é baseado em minhas experiências com a vida e a forma como isso me atinge. Eu estava vivendo um momento de verdadeira tempestade, e senti que para tratar esses temas eu devia ser mais duro, mais pesado. Estava triste e amargurado, com vontade deixar tudo e viver no mato, um dia ainda faça isso. Depois de parir o disco, as coisas melhoraram e me senti mais tranquilo. É como se tivesse exorcizado todos os meus demônios. Sempre fui um sujeito observador, falo pouco e sinto muito. Sem a música eu praticamente não existiria, ninguém saberia o que me acontece, seria completamente invisível.

A última faixa do disco é um poema lido pela sua irmã, certo? De onde surgiu a ideia?
A ideia foi minha e do Eduardo Kusdra (que além de produtor dos meus discos, é um super parceiro). O poema é de autoria de minha irmã e a trilha do Eduardo Kusdra. Queríamos encerrar o disco de maneira diferente. Ele vai crescendo com guitarras e termina com um poema declamado e com uma trilha que abre o terceiro disco.

Terceiro disco?
Ele deve sair no início de maio. Se chama “Dancing With Fire: A Folk Opera” e é um disco conceitual. As faixas já estão quase todas prontas. Considero esse disco a minha obra-prima. Tem toneladas da minha alma nele. Como Opera Folk ele é todo baseado em violões, os arranjos são delicados, todos assinados por Eduardo Kusdra, as letras são as melhores que já escrevi – em meu entendimento. Sinto-me maduro e completamente alinhado com meus propósitos. Acho que encontrei as canções certas, no momento certo.

E como elas surgiram?

Surgiram naturalmente, como sempre fazem comigo. Eu poderia sentar e escrever uma canção, mas isso não seria honesto. Mandei para a Musicoteca “We Were Giants”, que escrevi para o filme da Daila Pacheco, chamado “Nós Pareciamos Gigantes”. A coisa funcionou porque eu realmente conhecia a cena, eu havia vivido aquilo, então foi tranquilo abordar o assunto. No fim gostei tanto da canção que acabei incluindo no “Dancing”. “It’s Hard When It Aches” será o terceiro single e o derradeiro. É a primeira vez que eu incluo um vocal feminino em minhas canções. E foi uma honra ter a Maria Eliza participando, realmente a adoro e admiro, uma artista incrível e de um altruísmo ímpar.

Tem algum plano para trabalhar os dois lançamentos?
O plano é não ter planos. Tenho deixado as coisas fluírem, vou com o fluxo. Se eu fosse um músico convencional, talvez, mas como sou o maldito compulsivo, faço questão de fazer jus ao título. Não acho que um possa atrapalhar o outro, vários artistas na década de 60 chegavam a lançar três ou quatro discos por ano. Guardadas as proporções, não estou fazendo nada de novo, ainda que isso pareça um tanto quanto louco nos dias atuais. O fato é que refleti sobre as vantagens de ser um artista independente, e a maior delas é ser livre para me meter onde quiser e produzir com essa liberdade.

Deve ser complicado viver como artista independente. Você trabalha com outras coisas ou está investindo exclusivamente na música?
Estou de corpo e alma na música. Realmente não sei fazer outra coisa. Até tentei por um tempo, mas quando coloquei na balança os benefícios e malefícios de não se fazer o que gosta acabei optando por sofrer servindo minha maldição. É um lance de encontrar a sua verdadeira função nesse planeta, e eu encontrei a minha e não consegui fugir. Então isso significa flertar com a sarjeta, é claro, mas também dormir com a consciência limpa. Às vezes acordo e nem sei o que terei para comer, mas de fato isso não é tão importante quando você pensa no que pode deixar para as pessoas, tocar a alma de alguém ainda é importante em minha casa.

Você tem uma influencia forte de Bob Dylan, e é até difícil não lembrar dele te ouvindo cantar. Como foi descobrir Dylan? Tem medo de alguma crítica em relação as similaridades?
Descobrir Dylan foi herança de pai. Meu velho sempre foi fanático pelo mestre e cresci ouvindo os discos. Quando percebi estava parindo canções folk. Sem dúvida alguma a obra do bardo influenciou cada molécula do meu corpo e alma. Não tenho medo algum em relação a isso, bebi da fonte como outros antes e depois de mim também beberam. E isso é muito natural, você se espelha naquilo que é decente. Dylan é um gênio, um ser de proporções míticas e segue influenciando cabeças através de gerações. Gente como ele não morre.

A gente falou dos Los Hermanos: você chegou a ser influenciado por eles? Quais as suas influências brasileiras e quem são os seus pares atualmente?
Minha maior influência no Brasil é o Belchior, o sujeito é o nosso Dylan. Sou apaixonado pelo trabalho dele. “Alucinação” é um dos discos mais incríveis já produzidos em nosso País. Em um determinado momento de minha vida fui sim influenciado pela obra dos Los Hermanos, o trabalho dos caras é admirável e tocante. Ninguém constrói o que eles construíram sem alma. São referências para a maioria dos músicos no Brasil. Quanto a quem tem feito um som parecido com o que faço aqui, não sei, a cena folk no País está crescendo bastante, e isso é muito bom. Tem o The Outside Dog (do Pedro Gama), o Rafael Elfe (que além de um grande amigo, é um folker incrível) e tantos outros prestando um serviço vital para o crescimento do gênero no Brasil.

Como está a agenda de shows?
Estamos fechando muitas coisas, em breve vamos rodar pelo país e também fazer um tour pelos Estados Unidos no fim do ano. A coisa deu uma melhorada e estão, sim, surgindo convites. Sigo com o fluxo como de costume celebrando a sina das canções honestas.

– Texto por Renata Arruda (@renata_arruda). jornalista e colaboradora do Scream & Yell, da empresa Teia Livre, da Revista Cultural Novitas e responsável pelo blog Escrevedora

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