“Por Favor, Cuide da Mamãe”, best-seller da sul-coreana Kyung-Sook Shin, interessa mais pelo sucesso do que pelo mérito literário. A história é simples: Park So-nyo, quase septuagenária, perde-se do marido no metrô em Seul. A família passa a procurá-la, colando cartazes, refazendo o percurso e seguindo pistas aparentemente inúteis.
O desaparecimento detona um processo de descoberta, por parte de filhos e marido, em relação à mãe. Todos percebem que não a conheciam, não lhe deram valor nem se importaram com ela quando ainda a tinham por perto. Discussões e brigas sobre responsabilidades também vêm à tona, além de sentimentos como remorso, culpa e nostalgia.
Na ausência da mãe, todos passam a recordá-la, em fiapos de lembranças que se tornam um emaranhado de memória, compartilhada, mas incapaz de responder com segurança à pergunta: quem era Mamãe?
No entanto, se os personagens não sabem responder com exatidão quem era essa mulher, a autora representa Park So-nyo quase como santa e mártir, capaz das ações mais ousadas e despropositadas para proteger seus filhos (viajar de trem pela primeira vez para entregar um diploma, voltar para casa e expulsar a amante do marido, ajudar num orfanato etc). Ideal para um filme apelativo de Steven Spielberg.
O livro é estruturado em quatro capítulos, além de um epílogo. O uso da segunda pessoa causa um efeito acusativo em relação à filha escritora e ao marido infiel. Há sempre um dedo apontado para os personagens: “Você percebe como foi egoísta ao desejar que sua esposa sobrevivesse a você. Foi seu egoísmo que o fez ignorar que sua esposa tinha uma doença séria”; “Mamãe era a cozinha e a cozinha era Mamãe. Nunca se perguntou se Mamãe gostava de ficar na cozinha”.
Além de alguma aleatoriedade nas recordações (Mamãe afirma que não sabe onde interrompê-las, o que faz o leitor pensar que poderia ajudá-la na tarefa), alguns parágrafos explicam desnecessariamente: “O sumiço de Mamãe desencadeou a lembrança de acontecimentos que ele julgava ter esquecido, como as portas com folhas de bordo”. Também não somos poupados de clichês do tipo: “Seus batimentos [do coração] eram tão rápidos que era possível ouvi-los”.
Os melhores momentos acontecem nos poucos trechos em que Mamãe está na esfera do fantástico, onde as fronteiras são borradas e permanecem misteriosas, dizendo respeito a modos diversos de se relacionar com a terra, com os animais e com os próprios seres humanos.
Cabe apontar aqui algumas hipóteses para o sucesso mundial de “Por Favor, Cuide da Mamãe”, traduzido em mais de vinte línguas. O livro vendeu mais de um milhão de exemplares na Coreia do Sul somente no ano de lançamento e já está na casa das dezenas de edições nos Estados Unidos (a tradução brasileira, por sinal, foi feita a partir do inglês).
Parte deste sucesso vem de algumas tensões discutidas na obra: analfabetismo x educação, vida no interior x vida na cidade, antigas tradições e rituais x nova cultura, moralismo x liberalismo comportamental, autoritarismo político x liberdade democrática. Este processo de desenraizamento e individualismo é global e atinge grande parte da humanidade. Natural, portanto, que se comunique com culturas aparentemente diferentes.
Outra parte vem do valor e do poder conferido à maternidade. Park So-nyo é uma mãe que faz o que for preciso pelo bem-estar dos filhos, recebendo em troca indiferença e insensibilidade. Esse contraste, potencializado pela narração em segunda pessoa de alguns capítulos, pode emocionar leitores que conseguem negligenciar a realização artística.
No final, a ladainha toda se torna uma oração, indicando que a solução para a alienação é buscar a religião cristã no longínquo e artificial Vaticano (você não está enganado: na Coreia do Sul o budismo é dominante). Assim, abre-se a possibilidade de que o Ocidente englobe o Oriente a ponto de oferecer tanto problemas como respostas. Kyung-Sook Shin, no entanto, parece se esquecer de que aqui no Ocidente não estamos mais próximos de solucionar nossos conflitos do que no Oriente.
Dessa forma, espantoso seria se o livro não fosse recomendado por Oprah Winfrey. Um crítico americano afirmou que sentiu necessidade de ligar para a mãe antes de terminar o livro. Esta é a mensagem, irrisória e reconfortante, de “Por Favor, Cuide da Mamãe”: o que podemos fazer é dar um telefonema e rezar para que seja atendido. Um tuíte seria mais eficaz, mais imediato – e teria menos caracteres.
– Gabriel Innocentini (siga @eduardomarciano) é jornalista e já escreveu para o Scream & Yell sobre Tom Waits (aqui), Thomas Pynchon (aqui), Jorge Ben (aqui) e Jennifer Egan (aqui)
só de entender o mote da história já deu aquele aperto no coração.
Mãe! Cuidar de quem abre mão de tudo nessa vida para cuidar dos filhos, da família, não é uma obrigação..é uma dádiva, ter a mãe para poder cuidar, amar, ouvir a voz, enfim, dizer Te amo mãe!
Livro recomendado