Música: “Visions”, Grimes

por Tiago Faria

Talvez não seja necessário (nem recomendável) ouvir este disco por inteiro para entender por que a canadense Claire Boucher é a revelação do ano. As resenhas sobre “Visions” (como esta aqui) nos informam que ela é um dos símbolos proeminentes de uma cena em ascensão — apelidada simplesmente de “weird” —, que atualiza a “sensibilidade punk” ao se apropriar de um punhado de referências marginais do pop, chafundrando em dejetos de k-pop, synthpop, shoegazing, ambient, minimal, lo-fi, new age, funk de boate vagabunda e, se não estou enganado, um tiquinho de carimbó.

Simultaneamente a essas (supostas) peraltices sonoras, Claire também desenvolve, segundo o site da gravadora Rough Trade, “as artes do 2D (?), performance, dança, artes plásticas, vídeo e som”, num set que incorpora influências “tão amplas como Enya, TLC e Aphex Twin”. Com uma carta de apresentações dessas, imagino que seria simples conseguir, no mínimo, uma bolsa de estudos na BRIT School for Performing Arts & Technology.

É um portifólio notável — que inclui, além de “Visions”, mais três discos gravados rapidamente, desde 2010. Ao contrário dos álbuns anteriores, que foram tratados como rascunhos para laboratório de Creative Writing, o novo projeto mostra ambições de profissionalização. Na 4AD Records, lar do Gang Gang Dance e do Ariel Pink, Claire se comporta como uma repórter iniciante que decidiu trocar as liberdades da pequena imprensa interiorana pelo prestígio de um “jornalão”. Grandes responsabilidades, you see?

“Visions” aparece, de fato, como um álbum mais “apresentável”, que tenta organizar num combo audível as dezenas (centenas?) de intenções de Claire. Pode ser interpretado como um rito de passagem. Pena que, para quem evita o burburinho das resenhas, a experiência pode ser decepcionante: desconectado de um contexto que o engrandece (e do hype, velho hype), deve deixar a impressão de que foi programado a partir de uma seleção de palavras populares em blogs e sites de indie rock — e não de visões particulares sobre o pop, o indie, o “bedroom pop” ou o que quer que seja.

Esse circuito ruidoso de informação — que atua principalmente, diga-se, fora e ao redor do disco — nos atrapalha quando tentamos identificar as singularidades de Claire. Depois de muitas audições, não consegui encontrar muitas: a sonoridade que ela pratica não é tão frenética nem criativa quanto se vende por aí, e parece apenas uma variação precária (e pobre de propósito, aparentemente) do pop cut ‘n’ paste que M.I.A. e Diplo fazem com mais gana e alegria. Claire cria uma redoma estetizante que parece frágil demais, e que se rompe tão logo ela tenta encontrar densidade numa arte em 2D (isto é: a partir da faixa sete, quando o disco vai descendo a ladeira da contemporaneidade).

As ideias de Claire fervilham tão intensamente que talvez deveríamos amá-la (e admirar o disco) apenas por isso: pela teoria, e não pela prática. Mas “Visions” periga ser esmagado pela ânsia de disparar estímulos de curta duração, frívolos e sem substância — por isso mesmo, poucos lançamentos recentes representam com tanta fidelidade uma época em que se precisa justificar com estardalhaço discos que serão rapidamente substituídos por outros, tão “importantes” e “urgentes” quanto.

– Tiago Faria (siga @superoito) é jornalista e escreve no http://superoito.com

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