Cinema: O Homem Que Mudou o Jogo

por Marcelo Costa

Talvez você já tenha visto esse filme antes. A receita: pegue uma história de superação no esporte e a transforme em… Hollywood. Pode ser a história fictícia de um jogador velho e difícil de futebol americano e seu empresário sonhador. Ou a de um garoto pobre e negro que é abrigado por uma família conversadora e torna-se um dos principais nomes da NBA. Ou a de dois irmãos boxeadores, um deles viciado em crack, que superam o vício e conquistam o título mundial.

“O Homem Que Mudou o Jogo” (“Moneyball”, 2011), porém, oferece algumas coisas a mais ao contar a história de um gerente de clube de baseball que, cansado da matemática cruel da liga norte-americana – que basicamente consistia de um time pequeno revelar um grande craque e vende-lo para algum dos times de ponta desmontando seu time todos os anos (que em maior e menor grau pode ser comparado com facilidade ao futebol brasileiro) –, arrisca um plano ousado que acabará, por fim, mudando a história do esporte.

Não estamos diante de um filme “apenas” de baseball, muito embora 99% do que está em cena gire em torno do esporte. Os termos, as jogadas, as negociações, os recordes, tudo isso e mais um pouco são coisas que afastam o público comum, mas tente deixar isso de lado, por mais difícil que seja, porque o filme é mais do que isso – embora use uma receita que você já viu antes: “Moneyball” é a vitória da tecnologia sobre o empirismo. E isso não é pouco.

O herói se chama Billy Beane (Brad Pitt em atuação ok). Seu time, o Oakland Athletics, não pode ser considerado um pequeno, tendo ganhado nove títulos da World Series (a série final do campeonato de basebol da Major League EUA, disputada entre os campeões da Liga Nacional e da Liga Americana) em sua história (o Red Sox, por exemplo, só ganhou sete), sendo o terceiro time com mais títulos da história (os Yankees são os primeiros com impressionantes 27 campeonatos).

Billy Beane é um ex-jogador da Major League que encerrou a carreira no Oakland Athletics em 1989. Em 1998 ele assumiu a posição de gerente do Oakland Athletics, e dois anos depois levava o time aos playoffs, perdendo por 3 a 2 para o New York Yankees a série melhor de 5. Para cortar custos da folha de pagamento, o dono do time negociou as três principais estrelas do time, desmontando o núcleo formado em 2000.

E é neste momento que entra em cena o grande personagem de “Moneyball” (e outro dos grandes nomes da atualidade ligados à tecnologia): Peter Brand (Jonah Hill ótimo), um nerd formado em matemática, viciado em baseball, que através de dezenas de planilhas de estatísticas convence Billy Beane de que o melhor para um time não é ter craques, que custam caro e são difíceis de manter, mas jogadores que se completam – mesmo com defeitos.

Para a temporada de 2001, a dupla – contrariando todos os olheiros do time – contrata um jogador “bichado” (termo que designa os atletas machucados), um que está quase em idade de se aposentar e outro fora de forma. O resultado é imediato: o time perde nove partidas seguidas, vai para o último lugar da tabela, e a cabeça de Billy Beane é colocada a prêmio. A reviravolta começa com uma sequencia histórica de 20 vitórias que bate o recorde da Major League, consagra Billy Beane, mas o time cai novamente nos playoffs frente aos Yankees.

Ou seja, “O Homem Que Mudou o Jogo” não é um filme sobre um vencedor (até hoje Billy Beane comanda o Oakland Athletics, e ainda não ganhou o sonhado título), mas sobre um homem que conseguiu montar uma equipe vencedora com 39 milhões de dólares enquanto o campeão gastou três vezes mais. A sacada rendeu a Billy Beane o convite para gerenciar o Boston Red Sox pelo salário milionário de 12 milhões de dólares.

O grande mote do filme, inclusive, é dito em certo momento pelo dono do Red Sox, que na tentativa de contratar Beane, diz que quem não se adaptar ao método proposto pelo manager estará fadado ao fracasso. “Não só no esporte, mas na política, na indústria, no dia-a-dia”, diz. Beane recusou a proposta milionária, mas o Red Sox seguiu seu método, e dois anos depois se sagrou campeão quebrando um jejum de 86 anos (e voltaria a ser campeão em 2006).

O roteiro ágil de Steven Zaillian e Aaron Sorkin funciona à perfeição e o diretor Bennett Miller não complica, deixando a história fluir para que Brad Pitt e, principalmente, Jonah Hill brilhem em um filme correto (mesmo oculto na posição de técnico do Oakland, Philip Seymour Hoffman dá seu show particular). “Há mais de 29 anos descubro jogadores”, diz um olheiro, provocando Billy Beane: “Você não vai ganhar olhando o Google”. Teimoso, o manager mostra que o mundo mudou, e não há mais volta.

Tendo o baseball como gancho, “O Homem Que Mudou o Jogo” flagra um momento histórico da humanidade, que alguns insistem em querer retardar, insistem em analisar como se vivêssemos o passado: a tecnologia está mais presente na vida das pessoas do que elas imaginam, e não adianta fechar sites de compartilhamento como o SOPA vem fazendo, tentando manter em voga um tempo que se foi. É preciso se adaptar. É preciso mudar as leis, mudar… o jogo. É preciso viver o presente. O mundo mudou. Divirta-se.

– Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne.

Leia também:
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5 thoughts on “Cinema: O Homem Que Mudou o Jogo

  1. Caro, Marcelo, permita-me discordar. Não é exatamente sobre “empirismo” ou “tecnologia”, muito menos a “vitória” de um sobre o outro. Tem isso, mas é um mero detalhe, uma ferramenta pra mostrar como as pessoas são bastante resistentes ao novo. Em campanhas de incentivo, pra público interno de empresas, esse tipo de discurso é bastante utilizado, quando se quer mudar comportamentos, indicar novos rumos e metodologias que as organizações projetam. Não tem nada a ver com “empirismo” em si. Pode ser a troca de um “comportamento” por outro, de uma ideia, uma ideologia, uma metodologia de trabalho. Ambas, a antiga e a nova, podem ser “tecnológicas”. Vale observar que esse caso de Oakland já foi bastante explorado em eventos desse tipo, justamente por derrubar o “velho” em prol do “novo”. Não necessariamente o “novo” pode dar certo. Em termos de “objetivo” (que é vencer o campeonato), não deu certo. Mas em termos práticos, de se montar um time e uma empresa competitiva, deu sim. Além do mais, há a questão do imponderável. Nos esportes estadunidenses, essa palavra é como o diabo. O método do filme não foi vencedor porque não leva em conta o imponderável – que no caso do esporte é o “talento” maior ou melhor do adversário. Se o talento funcionar, não há olheiro, tecnologia ou o que seja que dê jeito. É, pois, um embate entre o “velho” e o “novo”, não entre empirismo e tecnologia, porque nenhum dos dois garante nada. E, repito, os estadunidenses (e as empresas) odeiam coisas tão pouco palpáveis pros negócios.

  2. Boa discordância, Fernando 🙂

    Ainda assim, mais do que em qualquer outra oportunidade da história, o novo (que nem é tão novo) agora tem a ver com empirismo, porque durante toda a história tivemos o empirismo se adaptando e continuando como base suprema, mas o que a tecnologia propõe (e essa é uma discussão que vai longe) é que as experiências estão todas online. E da-lhe wikipedia, google e search. Na música, o cara ouve um disco e em segundos tem toda a informação que necessita para um texto, por exemplo. Não é mais empírico, é online. Antigamente, quem tinha a informação, quem lia, quem observava, era diferente, era o possuidor da opinião balizada. Isso mudou.

    Por outro lado, a questão do imponderável é interessantíssima, mas a vida tem base nas exceções, nos acasos. Gente que está destinada a morrer, que os médicos dão como casos perdidos, e da noite pro dia se salvam. Músicas que estouram nas paradas, sem nenhuma explicação ou fórmula. Davis que vencem Golias. Isso tudo é intrínseco ao viver do ser-humano. E talvez seja uma das coisas que torna a vida mais interessante… hehehe

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