Livro: Esporro, Leonardo Panço

por Marco Antonio Bart

Existe o rrrrrrrrrroque carioca, aquele que já virou piada na boca de muito paulista, o rrrrrrrrrroque carioca dos filhos de donos de gravadora, o da Zona Sul, de composições rabiscadas no Baixo Leblon entre uma cafungada e uma fatia na Guanabara, aquele que definitivamente não vai te conquistar com solos de guitarra, uuuh, eu quero você como eu quero. E existe o ROCK carioca, uma massa enorme de jovens – fãs e músicos – espalhada pelas distantes periferias do Grande Rio e do interior do estado, gente dura, batalhadora e cascuda, para quem a independência radical não é charminho ou opção estética: é, sim, o único jeito de eles se manifestarem. Um pouco dessa história esta relatada com muita propriedade por um de seus mais peculiares personagens, virou livro há pouco. “Esporro” é a terceira incursão literária de Leonardo Panço, espécie de superherói do underground carioca que usa a identidade secreta de jornalista profissional para pagar as contas. Mas que é (ou já foi) músico, dono de gravadora, fanzineiro e, acima de tudo, protagonista e testemunha de uma enorme transição vivida pelo rock independente nacional nos últimos 20 anos.

“Esporro” é um acerto de contas de Panço com sua própria história. Famoso (sic) como guitarrista e compositor primeiro do Soutien Xiita (1991-1998) e depois do Jason (1997-2011), o carioca da Vila da Penha também agitou o selo Tamborete Entertainment, que nasceu justo na época em que as bandas emergentes (e não só do Rio) começavam a trocar seus demos em cassete por CDs. Acabou lançando gente bacana como o Sex Noise, o Cabeça e o Ragnarock. Com o Jason, lançou-se em sua maior aventura, participando dos três primeiros discos da banda e partindo para uma turnê na-cara-e-na-coragem por squats e quebradas afins pela Europa (perrengues e vitórias compilados no seu primeiro livro, “Jason 2011 – Uma Odisséia pela Europa”). Nesse meio, apesar, ou por causa, de seu jeitão lacônico/sardônico, conquistou fãs de todas as extrações do pop-rock nacional. Nenhum disco seu entrou nas paradas, nenhuma música sua tocou na FMs bombadas, mas Panço é uma das figuraças mais queridas nos backstages e salas de imprensa Brasil afora.

“O livro é o registro de um monte de sonhos inocentes e pouco prováveis de acontecer”, explica o autor, por email, da estrada – ele está em plena turnê de lançamento de “Esporro”, porque livro de roqueiro, assim como um disco, merece turnê de lançamento. Esses sonhos inocentes, conta Panço, incluiam “acordar todos os dias com o sonho de viver de música, de ser guitarrista de uma banda, de acreditar nas demos, nos shows, nos fanzines, em tudo o que eu fazia”. Entre o conceito básico (muito debatido em cervejadas com “as pessoas do rock”, como o próprio Panço gosta de classificar) e o lançamento em si, passou-se quase uma década e meia. “Decidi fazer o livro por volta de 1997, 98, mas levou algo como 12 ou 13 anos até eu conseguir publicar”, relata. ”Apesar de ter sido muito complexo e ter demorado tanto tempo, acho que (a demora) foi melhor, porque não teríamos condições técnicas de realizar as coisas como estamos fazendo agora.”

“Esporro” concentra-se na primeira metade da década de 1990, documentando não apenas as aventuras do Soutien Xiita, mas também de bandas como Zumbi do Mato, Gangrena Gasosa (aliás, o GG está de volta), Second Come, Anarchy Solid Sound e Piu-Piu & Sua Banda. Época de um mercado fonográfico na ressaca do BRock, dos shows semiamadorísticos no Garage e no Circo Voador, de uma Lapa ainda selvagem e sombria. Panço compilou filipetas, fotos, zines, demos, CDs e vinis, reportagens e muitas lembranças. “Quando comecei o projeto, minha memória estava bem fresca”, comenta. “Claro que o texto envelheceu, foi um Leonardo muito mais jovem que escreveu tudo. Então acabei cortando muita coisa e adaptando outras, mas no geral é o mesmo texto.” A parte gráfica foi concebida por Flavio Flock, brother de longuíssima data e ex-companheiro no Jason. ”Sem o Flock, não existiria o livro. É quase uma co-autoria”, reconhece Panço.

O volume é, quem diria, o terceiro livro lançado por Panço, que hoje afirma: “Acho que escrever é a maneira mais natural para me expressar”. Em 2008, ele editou a seleção de contos “Caras Dessa Idade Já não Lêem Manuais”. Mas, com sua autocrítica peculiar, elabora: “Escrever eu faço melhor que tocar, mas também tem gente que gosta de músicas do Jason e do Soutien Xiita. Então deve ser outra maneira de eu me expressar também da qual algumas pessoas gostam…” Ou seja, o rapaz deve ter jogado o dobro de pedras na cruz em outra encarnação, já que, não contente em ser roqueiro underground, converteu-se em escritor underground. “Pois é, muito estranho”, reconhece. “Tenho essa mania de ficar inventando umas coisas estranhas para desenvolver, mas acho que lançar livros, e ainda viajar com eles, supera tudo que eu fiz antes. Mas é isso que a gente faz, não tem jeito.”

A música está em segundo plano, pelo menos por enquanto. (Vale lembrar que o Jason, ainda com Vital e Flock, está finalizando seu quinto disco, o primeiro sem Panço.) “Tenho vários arquivos em casa com uns riffs e gostaria que alguém pegasse alguns e usasse em uma música”, diz o escritor-por-enquanto. “Mas eu mesmo não tenho nada planejado em termos de música. Acho que agora é só ir aos shows de vez em quando mesmo.”

Quanto à turnê atual, Panço soa empolgado. ”Está muito melhor que a do “Caras Dessa Idade”. Alguns amigos aparecem, pessoas que eu não via há muito tempo compram os três livros, a divulgação tem sido boa, fiz vários programas de televisão, rádio, vendo mais livros agora que na outra viagem. Fiz Natal/RN, dois eventos em São Paulo, Bragança Paulista, São Carlos, Bauru e Campinas. Estou no momento negociando para fechar Resende/RJ, Volta Redonda/RJ e Nova Iguaçu/RJ. Além disso vou lançar no RJ provavelmente na minha casa.” Claro que, tratando-se de um livro recheado de histórias bizarras e personagens idem, não poderia faltar algum percalço na tour. “O pior que aconteceu, até agora, foi a tentativa de arrombamento do carro do amigo que viajou comigo nas duas primeiras semanas. Foi na porta do show do Matanza em Floripa, onde eu estava com uma banquinha. Só aí vai por volta de 30 livros para consertar, já que a porta ficou com um buraco, sem fechadura, uma longa história…” lembra.

– Texto de Marco Antonio Bart (@bartbarbosa), jornalista que assina o blog Telhado de Vidro

“Esporro” (R$ 30) pode ser encomendado com o autor no twitter @leonardopanco, via Facebook pelo http://www.facebook.com/esporro ou por email: leonardoster@gmail.com

Leia também:
– Entrevista (2005): “Gostaria não de ser uma mega corporação, mas de crescer um pouco mais”, diz Leonardo Panço (aqui)

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