L’Apollonide: Souvenirs de la Maison…


por Itamar Montalvão

Costuma-se dizer que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo. Se isso é verdade, discutir sua legalização ou repressão deve ocupar a moral dos povos desde sempre. “L’Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância” (“L’Apollonide: Souvenirs de la Maison Close”, 2011, França), que disputou a Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes e estreou no Brasil no dia 6 de janeiro deste ano, é a tese desenvolvida pelo diretor francês Bertrand Bonello para defender que a profissão deve, sim, ser regulamentada para o bem das meninas trabalhadoras, de seus clientes e da sociedade como um todo.

Bonello, que construiu sua carreira debruçando-se fortemente sobre a questão sexual (também são dele “O Pornógrafo”, de 2001, e “Tirésia”, de 2003) faz agora uma mistura de documentário e ficção ao retratar o ocaso de um prostíbulo de luxo em Paris na virada do século XIX para o século XX. O diretor, que também assina o roteiro, acerta ao privilegiar a observação da vida dos homens que passam pelo casarão sob a perspectiva dos sorrisos melancólicos das prostitutas, e não o contrário. São homens que se apaixonam, que expurgam suas desilusões amorosas em meio a corpos nus, ópio e champagne, que dão vida às suas fantasias ou manifestam seu lado mais sombrio e perverso. Neste aspecto, o filme é um elegante passeio pela inexorabilidade da natureza humana, que não sucumbe às limitações de tempo e espaço.

Bertrand Bonello também trata de forma delicada e sensível os sonhos que animam as doze prostitutas que trabalham na casa de Madame Marie (Noémie Lvovsky) e o amor fraternal que as une. Diferentemente de outros filmes do gênero, ele não as vê como vítimas de uma sociedade opressora, embora seus dramas não sejam esquecidos. Ao contrário, explora bem os momentos de alegria e leveza que só fortalecem os laços de amizade entre elas.

O diretor inspira-se em clássicos da arte francesa para compor seu filme. Da literatura, toma emprestada a temática de um romance de Victor Hugo chamado “O Homem Que Ri” para compor a personagem da lindíssima Alice Barnole, que vive a prostituta Madeleine, uma mulher terrivelmente mutilada no rosto por um cliente cruel. É a personagem mais dramática e emblemática do filme, já que em um universo onde as mulheres devem sempre esconder a sua tristeza, Madeleine é uma mulher condenada a estar sempre sorrindo.

Já belíssima fotografia de Josée Deshaies parece ter sido inspirada nas telas do mestre da pintura Toulouse-Lautréc.

“L’Apollonide” não chega a ser um filme perfeito. O olhar quase acadêmico do diretor sobre a vida no prostíbulo distancia o espectador e dificulta um pouco a empatia com as personagens, que com essa abordagem acabam perdendo um pouco de sua individualidade (exceto pelas diferenças corporais óbvias entre elas). O ritmo do filme também é lento, talvez propositalmente, forçando o espectador a entrar aos poucos na atmosfera da casa, o que é facilitado por uma fotografia, direção de arte, figurinos e trilha sonora impecáveis.

Mas “L’Apollonide” é um filme corajoso por não cair na armadilha de apelar para seu óbvio potencial voyeurístico. Ainda que com certa dificuldade, aposta no envolvimento do público sem fazer grandes concessões. Por isso, ainda que tenha saído de Cannes com as mãos abanando, é um legítimo representante do cinema francês, um cinema de personalidade, que não permite sentimentos mornos.

– Itamar Montalvão (siga @imont) é estudante de jornalismo, assina o blog Pop Bacana

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