Cinema: Compramos Um Zoológico

por Carlos Eduardo Lima

Muitos filmes americanos feitos recentemente mostram uma coincidência: falar de gente que é demitida e vê sua vida mudar completamente da noite pro dia. Foi assim no bobinho “Larry Crowne” (com Tom Hanks e Julia Roberts), no simpático “Morning Glory” (com Rachel McAdams e Harrison Ford) e também neste novo longa de Cameron Crowe. Talvez a crise econômica, a necessidade de reinvenção, o simples medo de perder hegemonia mundial para a China, sabe-se lá. O norte-americano médio – personagem preferido dessas comédias românticas e dramas rasinhos – precisa de criatividade para enfrentar a conjuntura desses anos 10. O cinema, claro, tem tudo a ver com isso.

Ex-reporter da Rolling Stone e cineasta talentoso, Cameron Crowe é fã de Bob Dylan, Tom Petty e Neil Young e, por conseguinte, um cara legal. Nós torcemos para que ele realize o grande filme de sua vida, algo que ainda não aconteceu. Ele chegou perto em “Jerry Maguire” (1996), “Quase Famosos” (2000) e em “Elizabethtown” (2005), mas sua maneira de conduzir tramas extremamente americanas e temperá-las com pitadas simpáticas de cultura pop também é capaz de produzir equívocos lamentáveis como “Vanilla Sky” (2001). O fato é que Cameron tem uma mão muito tradicional para conduzir seus filmes, talvez falte alguma agilidade na direção ou mesmo nos roteiros, coisa que “Jerry Maguire” tem de sobra, mas que é artigo raríssimo em sua obra. Até em “PJ-20”, o belo documentário sobre o Pearl Jam, Crowe é meio amarradão e convencional demais. O fato é que ele precisava da história certa para seu estilo, algo que finalmente acontece em “We Bought A Zoo”.

Baseado numa história real e inglesa, Cameron ainda mostra a necessidade de americanizar os fatos, algo que ele já fizera com “Vanilla Sky”, baseado no filme espanhol “Abre Tus Ojos”. Aqui a adaptação é em cima da narrativa de “Benjamin Mee”, um repórter inglês que decide comprar um zoológico em Plymouth, a cerca de 300 quilômetros de Londres. A família de Mee mudou-se para o Darthmoor Park e lá ele perdeu sua esposa, Katherine, e cria seus dois filhos. Crowe mexeu em algumas coisas e transportou a ação para o sul da California, batizou o zoológico de Rosemoor Park, além de situar a morte da esposa de Mee antes da compra do parque, transformando-a num dos grandes motivos para a empreitada. Sai a fleugma britância e entra o americanismo do início do século XXI, típíco dos anos Obama: empreendedor, capaz de se reinventar, corajoso e humano.

As críticas param por aí. “We Bought A Zoo” é um belo filme para a família. Não vai mudar o mundo, criar tendências ou revolucionar pensamentos sobre a sétima arte. É apenas uma boa história muito bem contada. Benjamin perdeu a esposa há seis meses e vê sua família completamente abalada por isso, como não poderia deixar de ser. Seus filhos Rosie (Maggie Elizabeth Jones, fofíssima) e Dylan (Colin Ford) não estão bem, especialmente o último, que acaba expulso da escola porque desenha gravuras do “submundo”, com pessoas decapitadas. Benjmain percebe então que é uma boa hora para mudar tudo. Decide comprar uma nova casa e acaba topando com o Rosemoor Park, um velho zoológico que é mantido pelo Estado, mas que será desativado em breve, desalojando os animais que ali vivem, bem como a pequena equipe de tratadores remanescentes. Ao ver Rosie encantada com a possibilidade de morar num zôo, Benjamin decide que o destino colocou em seu caminho algo extraordinário e que ele deve ir em frente.

Mesmo que seja pra lá de improvável uma empreitada dessa natureza num tempo pragmático e monetário como o de hoje, algo ainda mais improvável é ver Scarlett Johannson como tratadora de animais nesse fim de mundo. Ela e os demais funcionários não acreditam que Benjamin será capaz de tocar o negócio e fazer o parque ser lucrativo novamente, algo que o próprio Benjamin também duvida, mas que não vai deixar de tentar. Parece tudo meio previsível, mas, acredite, há momentos leves como uma pluma, capazes de causar dejá vu na maioria das pessoas que tenham um coração batendo no peito.

Crowe evita o pieguismo fácil, a ecologia de araque e o romance previsível, mantendo tudo em seus devidos lugares. Matt Damon e Scarlett Johansson foram acusados de não ter química como casal romântico. Nada disso. Eles estão no ponto, Damon incapaz de se desvencilhar do luto e Scarlett num misto de respeito e admiração crescentes pelo inexperiente e intuitivo novo dono do parque. Elle Fanning aparece linda como Lily, prima de Kelly; Colin Ford está no ponto como filho meio desajustado de Benjamin e a grata surpresa é Thomas Haden Church (de “Sideways”) como o irmão mais velho e gente boa de Benjamin, todos em boa sintonia.

“We Bought A Zoo” é desses filmes sem vilão, que você assiste e sai leve do cinema, pensando que dá pra fazer coisas inesperadas na vida, que o bem vence no final ou que não é preciso seguir modelos pré-determinados para chegar no topo do pódium. Talvez essa seja a maior ilusão proposta pelo cinema hoje, algo que, quem sabe, era possível ser feito há alguns anos. Veja e leve a família, mas tente achar onde está em cartaz a versão legendada. Algum imbecil achou que, pelo título, o filme seria algo como “O Zelador Animal” e houve uma infestação de cópias dubladas. Tenha cuidado.

CEL é Carlos Eduardo Lima (siga @celeolimite), historiador, jornalista e fã de música. Assina a coluna Sob o Céu e já escreveu sobre Ringo Starr, Foo Fighters e Kid Abelha. Leia aqui

Leia também:
– “Quase Famosos”: um filme de amor, amizade e rock and roll, por Marcelo Costa (aqui)
– “Jerry Maguire”, uma rara comédia romântica para homens, por Marcelo Costa (aqui)
– “Vanilla Sky” ou filminhos bons são só passatempo esquecível, por Marcelo Costa (aqui)
– “Tudo Acontece em Elizabethtown”, um recorte de várias idéias, por Marcelo Costa (aqui)
– Introdução ao livro “Not fade Away”, de Ben Fong-Torres, por Cameron Crowe (aqui)
– “Amor sem Escalas”, de Jason Reitman, é cinema de primeira classe, por Marcel Plasse (aqui)

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