Entrevista: Pão de Hamburguer

entrevista por Leonardo Vinhas

Um aforismo apropriado para tempos digitais: você sabe que a banda é boa quando a primeira audição já obriga o ouvinte a desligar o “modo automático” do cérebro entorpecido por uma sequência de MP3s para se concentrar no que está ouvindo. É um feito conquistado, sem nenhum exagero nas filigranas musicais, pelos curitibanos do Pão de Hamburguer.

A banda começou em 2005, com os primos Gabriel Fausto (guitarra e voz), Leonardo Bokkerman (guitarra) e Rennan Frois (bateria) ensaiando em casa. Com os anos, se somaram o amigo Joel Rocha (guitarra) e o irmão de Rennan, Bruno Frois (baixo), formação que continua fazendo o que fazia desde o começo: tocando sempre que possível – em casa, bares, festivais, festas de aniversário, eventos de escolas, o que vier.

Parece amador demais? Pelo contrário: essa disposição por se dedicar aos instrumentos em todos os momentos possíveis é o que deu ao grupo entrosamento e experiência que nem mesmo alguns habitués da cena independente têm. Como pontuou Ivan Santos, produtor do selo (e do festival) De Inverno, “quando você os vê ao vivo, sente o quanto eles querem estar fazendo aquilo, o quanto eles respeitam e amam o fato de estarem tocando”. Artigo raro hoje em dia, o que faz com que muitos ouvintes detectem na banda aromas e sabores de um passado menos cínico, mais dedicado à música em si.

O primeiro registro “palpável” da banda é um DVD. “Ao vivo no Guairinha” foi lançado no fim de 2010, mas a divulgação dele começou pra valer neste 2011. Alternando entrevistas com os integrantes e trechos de um show no famoso teatro curitibano, o DVD carece de um pouco de ritmo – ajudaria muito se houvesse a opção de ver só as canções, ou só as entrevistas, em sequência. Apesar disso, o fundamental está preservado: a execução de suas excelentes composições, que transitam do hard rock encruado ao vigor grunge, sem se perder em armadilhas de barulheira revisionista.

Na verdade, as comparações com o passado estão mais ligadas ao fato de ser um som sem polimentos, fluido e intenso, que não guarda muita semelhança com os vícios que acometem bandas jovens. O tipo de música que dá para chamar de rock’n’roll sem medo. Confira os EPs virtuais “Ontem e Hoje” (2009) e “Have a Nietzche Day” (2010) para comprovar (links para download no fim da página).

Em entrevista ao Scream & Yell, Gabriel Fausto fala sobre o DVD e explica como a banda obtém essa sonoridade tão particular e demonstra uma sinceridade incomum para assumir falhas e qualidades da banda.

O primeiro lançamento em formato físico de vocês é um DVD, e não um CD. Por que apostaram nesse formato?
Foi mais um acaso do que uma aposta. Quando os amigos do Trem Fantasma nos convidaram pra fazer parte de um show no Guairinha, percebemos a oportunidade de tentar produzir um material deste tipo. Na verdade, quem nos convenceu mesmo foi o pai do Rennan e do Bruno.

Como conseguiram os recursos para viabilizar a gravação e prensagem?
Cara, conseguimos através de muita parceria e ajuda dos amigos e familiares. Cada um fez o que estava ao seu alcance pra que saísse tudo legal.

O DVD está sendo comercializado, ou é só para divulgação?
Está sendo comercializado. Costumamos vender à R$ 10 nos shows, mas não nos importamos que as pessoas copiem para os outros. No fim das contas, ele é o nosso melhor trabalho e o que nos rende maior visibilidade, como convites para tocar em outras cidades, por exemplo.

Dá para sentir que a sonoridade dos anos 1990 é forte no DNA musical de vocês. Inclusive vocês falam sobre isso no DVD, citando grunge, Guns e Los Hermanos entre as influências. Mas tem também um pezinho nos anos 70, com um tanto de blues, Southern rock, mudanças de andamento. É isso mesmo?
É isso aí mesmo. Dá pra ver em cada músico da banda o que ele carrega de influências. O estilo que cada um tem de tocar guitarra, por exemplo, é totalmente diferente. O meu jeito de cantar não tem nada a ver com o do Bruno, mas é o complemento delas que fazem o nosso som. Com certeza tem algumas bandas que são unanimidade dentro do Pão, como Black Sabbath, A Chave, Black Crowes. Mas por exemplo, o Joel não gosta de Strokes, o Léo não gosta de Oasis, Bruno não gosta de Tim Maia, o Rennan quase vomita quando escuta Belchior e eu não gosto de Metallica, e mesmo assim estas influências aparecem.

Por que essa vontade de não soar atual – ou melhor, de não se referenciar em nada do que está sendo feito hoje em dia?
Não acho que isso seja verdade. Começamos o Pão na época do Strokes, Kings of Leon e Los Hermanos, bandas de quem sabíamos tocar praticamente todas as músicas. Acontece que o som que você escuta na rádio hoje continua muito apoiado nos anos 2000, que por sua vez era uma reciclagem de todas as épocas do rock (e não só dos anos 80, como diziam). Pra mim, a mudança foi, se não pequena, equivocada, pois as harmonias ficaram mais pop e pobres. São bandas que não vêem alternativa entre a sequência dó, fá, sol. Pra ter dar um exemplo moderninho: lembra de Peter, Bjorn and John, que estourou com aquela música do assobio? Sei lá, três anos depois, eles estão em outra, levando seu som pra frente, enquanto o Foster the People está fazendo sucesso agora apenas copiando essa fórmula. Essa é a parte nojenta da coisa ao meu ver. Por isso não tenho intenção de ficar tocando ritmos dançantes com guitarrinhas de carimbó só porque tem gente dizendo que isso é vanguarda. Não vou sair por aí usando chapéu coco. Eu quero justamente me distanciar disso. Bote todos estes músicos no saco e Jimi Hendrix ainda estará a frente deles, esta é a realidade. Pense em Elis Regina, Mutantes, Stooges… onde está o The Killers no meio disso? E tem uma coisa: se precisarmos fazer uma música com baixão corrido e batera Joven Pan, a gente faz, não temos esse fechamento. Agora, pelo menos essa não é a nossa única opção. No nosso repertório tem de rocks a sambas, baião, modernice, gritaria. Sei que nem tudo no Pão de Hamburguer é original, existem muitos pontos críticos, mas ninguém pode negar que estamos constantemente tentando melhorar como músicos e compositores. Por exemplo, muitos já me criticaram no começo por cantar parecido com Marcelo Camelo ou o Amarante, mas daí eu já acho que as pessoas não nos escutaram por inteiro. Onde está o Los Hermanos em “Auto-Ajuda”, “Have a Nietzsche Day”, “Princesinha do Tio”, “Homem do Dia’, “Sr.Dali”? E levo como um elogio quando falam, pois eles [Los Hermanos] foram realmente fundamentais pra toda uma geração de músicos.

Por “se precisarmos fazer uma música com baixão corrido e batera Joven Pan, a gente faz, não temos esse fechamento”, querem dizer exatamente o que? Qual é a medida para adotar este tipo de concessão?
Queremos dizer que somos realmente ecléticos em nossas escolhas, e não temos nada contra o jeito moderno de se fazer rock dançante. Existem bandas boas no estilo, mas a maioria é só xerocão. Já fiz uma música que tinha tipo um dance no meio, poperô mesmo, mas acabou sendo reprovada pelo juri Pão de Hamburguer.

Vocês não costumam sair do Paraná para tocar. Preguiça, falta de oportunidade ou estratégia?
Tocamos esporadicamente em Santa Catarina, em cidades como Joinville, São Bento do Sul e no festival Psicodália de 2011, que foi em São Martinho. Já rolou também no Paraná, em Foz do Iguaçu, São Jose dos Pinhais e Paranaguá. Fomos convidados a se apresentar no festival Araraquara Rock deste ano, em São Paulo, mas acabamos “descelecionados” depois que a organização se desorganizou em patrocínios e preferiram priorizar o metal. Estamos sempre dispostos a tocar fora do Paraná, mas nem sempre existe a disponibilidade e a grana pra isso.

Vocês se identificam com alguma banda de Curitiba? Acham que, em postura ou em sonoridade, o Pão tem seus pares na cena local?
Pô, nos identificamos com várias bandas! Acredito que a principal característica do rock curitibano é a diversidade, cada banda acaba sendo muito peculiar. Qual a semelhança entre Confraria da Costa, Mordida, Charme Chulo, Pão de Hamburguer, Chucrobillyman, Cosmonave, O Trilho? É uma coisa mínima, e mesmo assim elas tocam juntas e convivem sem estranhamento. Em questão de postura, eu não saberia dizer, pois o Pão de Hamburguer não tem muito uma temática. A gente costuma tocar com as mesmas roupas que trabalha (risos), já nos chamaram de grunge, neo-hippies, metaleiros… Estamos em cima do nosso próprio muro, sem ligar muito pra essa parte.

Vocês acreditam que poderão se dedicar exclusivamente à banda em algum momento? Ou nem se preocupam com isso?
Cara, esse é o nosso objetivo! Mas caso não aconteça, não ficaremos desanimados de maneira alguma. Continuaremos a levar a banda em paralelo com outras atividades. Hoje em dia já não temos aquela preocupação da fama, sucesso, etc. Sabemos que o que vale mesmo é tocar e compor cada vez mais.

Quais são os planos da banda para 2012?
Fazer muito sucesso e ganhar rios de dinheiro!

E CD, nada?
Rapaz, bem lembrado! Conseguimos ser aprovados num projeto da Fundação Cultural de Curitiba, que vai nos proporcionar este luxo de fazer um CD! Já estamos compondo as novas músicas, e agora tem toda a parte burocrática, captação de grana, superfaturamento de notas, sabe como é (risos). Não, brincadeira, quéisso, nem pensar! Falando sério, é pra sair em 2013. Oremos!

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

7 thoughts on “Entrevista: Pão de Hamburguer

  1. grande Pão! uma das melhores bandas de Curitiba, com certeza. e o sr Leo Vinhas, perdeu o melhor show do Pão no Palco De Inverno da Virada Cultural de Curitiba.

  2. Essa banda é muito original, quem sabe não veio pra salvar o rock-mesma-coisa-nacional de hoje? Demorou mostrar essa banda pro Brasil curtir e entender como é que se faz rock de qualidade nesse país.

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