Mallu Magalhães fala sobre “Pitanga”

por Marcos Paulino

Mallu Magalhães só completou 19 anos há dois meses, e já está na batalha para divulgar o terceiro disco de sua carreira, “Pitanga”. Se na sua estreia em CD, quando tinha apenas 17 anos, era uma garota-celebridade da internet que deixava transparecer timidez nas entrevistas, hoje fala bem e com segurança de seu trabalho. Uma audição de seu novo álbum, aliás, reforça a impressão de que ela tem mais idade do que informa sua carteira de identidade.

“Pitanga” é um disco complexo, cheio de texturas e de sonoridades. Produzido por Marcelo Camelo, seu namorado e parceiro, nele Mallu canta e toca, além de seu conhecido violão, clarinete, bateria, panderola, guitarra, piano, viola caipira e alguns outros instrumentos mais. Certamente, o CD deve agradar um público mais velho do que ela. Mas Mallu não se importa com isso. Quer, como deixa claro nesta entrevista ao PLUG, parceiro do Scream & Yell, apenas colocar para fora as ideias que aparecem como turbilhão em sua cabeça.

Seu trabalho apareceu pela internet quando você era ainda uma adolescente. Hoje, apesar de ainda bem jovem, você sente que o novo disco mostra um amadurecimento pessoal e profissional?
Houve mesmo um processo de amadurecimento pessoal, emotivo, existencial e, consequentemente, profissional. O fio condutor da minha música é justamente essa falta de barreiras entre ela e minha pessoa, minha personalidade. Realmente, no primeiro e no segundo discos, eu era muito novinha, tinha a escola e não sabia se queria isso mesmo da minha vida. Não tinha coragem. Este terceiro disco é o retrato deste acontecimento que foi, pra mim, encontrar essa força, decidir viver de música. Desenvolvi uma vontade muito grande de tocar, de fazer minha arte. Esse disco tem uma estética própria, que é resultado do movimento de olhar pra dentro, de fechar os olhos e procurar o que quero pra minha composição.

Realmente não é um disco de fácil audição. Quando você compõe, imagina que público consumirá sua música ou não pensa nisso?
Tudo na minha vida, na minha carreira, na minha arte é baseado no meu sentimento. Nunca faço nada proposital, planejado, visando algum interesse profissional. Meu interesse é como viabilizar a expressão da minha criatividade. Não componho pela minha profissão. Componho por mim, e a minha profissão é o resultado disso.

Qual foi o peso do Marcelo Camelo na concepção deste disco?
Ele teve uma influência muito grande em todos os aspectos. No emocional, ele sempre me incentivou muito e respeitou as coisas que eu fazia. Na hora dos arranjos, por exemplo, ele sempre tinha uma resposta para aquilo que eu não sabia. Mas, se eu sabia, ele sempre procurava o melhor jeito de executar aquele sopro de ideia que eu tinha. Ele, como músico e produtor, é excepcional. E, como companheiro de vida, tem um papel determinante.

Todo mundo está acostumado a te ver tocando violão, mas neste disco você toca muitos outros instrumentos. Como você chegou nesse nível?
Pra mim, sempre foi muito natural tocar instrumentos, sempre fiz isso em casa, mas alguns eu realmente nunca tinha gravado. Outros eu nunca tinha tocado, co-mo o metalofone, mas tinha uma ideia de como era, e foi só fazer na prática. Nosso método de gravação era muito convidativo pra isso. Deixávamos todos os instrumentos montados e íamos, música por música, desenvolvendo cada detalhe, cada pedacinho.

Quanto às letras, você novamente optou por fazer parte delas em português e parte em inglês. Você ainda não se decidiu em qual idioma prefere compor ou a ideia é sempre usar os dois mesmo?
Isso reflete o modo como conduzo as coisas na minha vida e na minha carreira. Procuro muito fugir de predisposições. A obrigação de fazer uma coisa ou outra só limita o artista. Vou simplesmente fazendo, e o que sai eu banco. A mistura dos idiomas surge naturalmente. Não me privo de desenvolver alguma coisa que me aparece. Nos últimos meses, tenho escrito só em portu-guês, mas não sei se na semana que vem vou escrever em inglês.

Você criou um blog pra contar como estava sendo o dia a dia das gravações do novo disco. A internet, que te lançou, continua sendo uma ferramenta fundamental na divulgação do seu trabalho?
Sem dúvida. No segundo disco, eu tinha deixado a internet um pouco de lado. Sei lá, me concentrei em outras coisas. Mas a internet, pra mim, funciona como um jeito muito direto, rápido e prático de divulgar a minha arte e o conteúdo que produzo. Meu dia a dia é muito criativo, e gosto de expor isso.

As músicas deste disco vão possibilitar uma boa adaptação para o show?
Já estamos ensaiando o show, o Marcelo está me ajudando na direção musical. Estamos tentando passar as músicas do disco para o show com a maior fidelidade possível. Mas, pela quantidade de músicos, a gente acaba tendo que re-arranjar algumas músicas. A gente se diverte pra caramba, e é uma oportunidade de fazer uma coisa mais bonita ainda.

*******

Marcos Paulino é jornalista e editor do caderno Plug, do jornal Gazeta de Limeira


“Pitanga”, Mallu Magalhães (Sony Music)
por Marcelo Costa

“Pode falar que eu não ligo, agora amigo, eu tô em outra”, canta Mallu Magalhães na faixa que abre “Pitanga”, seu terceiro álbum, canção em que a pequena musa ainda se intitula “Velha e Louca”. É meio difícil fugir dos clichês que envolvem Mallu (a jovem idade, o namoro com Marcelo Camelo, sua autodefesa em forma de postura nonsense), mas ela mesma começa a enfrentá-los de frente transformando este novo álbum em um pequeno passo para sua maturidade musical (e, por que não, pessoal).

Singela e deliciosamente sincera, “Velha e Louca” é quase uma carta de intenções em que Mallu brinca com seu alcance de voz diminuto (“Respiro fundo e canto mesmo que um tanto rouca”), seu jeito sem jeito de bobo da corte indie pop nacional (“O que tenho de torta, eu tenho de feliz”, numa citação atravessada de “Balada do Louco”, de Arnaldo Baptista) enquanto divertidamente dá de ombros aos detratores (“Nem vem tirar meu riso frouxo com algum conselho que hoje eu passei batom vermelho”).

Despir-se publicamente (excetuando capas da Playboy, mulheres fruta e participantes de reality shows) é tanto um ato de coragem quanto uma forma de defesa (quando não um ato de desespero – basta ouvir “Loki?”, de Arnaldo Baptista – de novo), e Mallu impressiona ao desarmar o ouvinte quando, por exemplo, canta “Eu me pergunto o que é que eu fiz, vai ver eu não fiz mesmo nada / Eu penso tanto em desistir, mas afinal não ganhei nada” (de “Olha Só Moreno”, declaração de amor ao namorado – e a si própria).

Com produção de Marcelo Camelo, que toca (bateria, guitarra, congas, piano, metalofone chocalhos, alfaia, sinos e mais um punhado de coisas) em dez das doze faixas do álbum, “Pitanga” não avança musicalmente um milímetro sequer ao que Mallu lançou em seus dois discos anteriores, muito pelo contrário: há, principalmente na primeira ótima metade do álbum, quase uma redução/simplificação de sua música, cuja base ainda é o folk e, agora mais do que nunca, o samba (às vezes um jazzinho).

É tudo comovedoramente transparente. A música é simples, delicada, quase primitiva, mesmo com as alegorias circenses de teclas e percussão. Tematicamente surgem as primeiras ranhuras no coração (“Não diga que eu lhe trato mal / Eu tento tanto te fazer feliz / Mas acontece que sou desastrada”, da bonita “Cena”), sensualidade (“Quero virar sua pele, quero fazer uma capa, quero tirar sua roupa”, de “Sambinha Bom”) e vestígios da patrulha da sociedade (“Talvez eu seja pequena / Lhe cause tanto problema / Que já não lhe cabe me cuidar”, belo refrão da arrastada “Por Que Você Faz Assim Comigo?”).

“Youhuhu” e “Highly Sensitive” chocam a Mallu de quatro anos atrás com a atual numa mesma melodia enquanto as baladinhas “Lonely” (mais suave e em que ela volta a exibir sua insegurança através de mãos desajeitadas) e “In The Morning” (mais alegre, com Mallu ao piano, glockenspiel e metalofone e Kassin na guitarra) ajudam a tornar a paisagem da segunda metade do álbum mais contemplativa… e cansativa (passar por “Ô Ana” e o haikai “Cais” – as duas últimas faixas do álbum – é tarefa bastante árdua).

Ainda assim, o saldo final de “Pitanga” é positivo e prevê um futuro promissor. Mas calma lá, não coloquem a cabeça do crítico na guilhotina: não estamos falando do disco do ano ou algo do gênero, mas sim de uma compositora que começa a soar convincente. Paradoxalmente, “Pitanga”, apesar de soar economicamente retro, é o primeiro passo de Mallu Magalhães em direção a algo. O público vai ter que esperar mais um pouco para descobrir o que será esse algo. Por enquanto essa espera basta.

*******

Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne

Leia também:
– Entrevista (2009): Mallu Magalhães fala sobre o segundo disco para Marcos Paulino (aqui)

18 thoughts on “Mallu Magalhães fala sobre “Pitanga”

  1. Me avisem quando ela lançar o primeiro disco depois da separação.

    Gosto das intenções da Mallu, mas falta sofrimento nas músicas dela. E não dá para confiar em um artista que não tenha sofrido. Essa é a diferença (umas das, claro) entre ela e o Arnaldo, por exemplo.

    ‘Tchubaruba’ é legal pra comercial do Itaú, mas não adianta colocar um toque de Los Hermanos e cornetinhas pra ficar melhor.

    Esperemos, de qualquer forma. Tem potencial.

  2. Thais, mas a Mallu sofreu bastante, já. Sofreu com a superexposição durante a fase em que era vista como o “fenômeno do MySpace” por não estar preparada (como esperar isso de uma menina de 15, 16 anos??) para lidar com a mídia. Sofreu com as reações de ridicularização das pessoas às suas diversas aparições na mídia, fruto desse despreparo que eu falei anteriormente. Sofreu com o preconceito das pessoas, que já faziam uma imagem dela sem ao menos darem a chance de ela se mostrar pelo que ela realmente é. Sofreu com as reações hipócritas ao seu relacionamento com o Marcelo. Sofreu com gente que, provavelmente, acreditava que a carreira dela já estava acabada. Sofreu até mesmo com cobranças dentro de sua própria família, para que ela procurasse seguir um outro caminho que não a música (ela disse isso verbalmente em algumas entrevistas de divulgação desse novo disco).

    O caminho da Mallu, praticamente, como artista, é o de afirmação contra todos esses (pre)conceitos em torno dela. É uma jovem que amadureceu aos olhos do público, no caminho que ela percorreu, nos erros e acertos desse caminho. E ela persevera. Isso que me chama mais atenção nela, tirando, é claro, o talento como musicista, cantora e compositora e o seu amadurecimento pessoal e profissional, comprovado pela qualidade do “Pitanga”. Mallu está no caminho certo e eu torço muito por ela.

  3. Thais, é exatamente desse ponto que o Mac fala quando escreve que ela começou a sofrer. Também senti isso e acho que foi um dos fatores determinantes para o disco ser bom. E achei elegante da parte dele não falar em Tchubaruba fazendo parecer que se trata de uma nova artista. Essa cobrança sua é a mesma que o Mac fez na critica do disco anterior. Aliás, cade ela, Mac?

  4. Achei o disco realmente incrível, assim que chegou em casa ouvi profundamente e achei que o estilo do Camelo aparece muito em algumas faixas, mas a essência da Mallu ainda prevalece muito forte.
    Um disco extremamente sincero e autoral, onde Mallu demontra seu talento até nas pinturas do encarte.. Isso que é um artista de verdade! Estou é ansioso para os futuros vídeos de shows, vídeo clipes…

  5. Ohhhh meus netinhos, deixa eu explicar pra vocês essa questão viver/não viver algo para produzir arte:

    Autopsicografia

    O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.

    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.

    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração.

  6. Dificuldades de adolescente. As músicas dão sono, falta profundidade, falta vivência. Mas falta a quase todos os artistas hoje em dia isso. Qualquer um que precise se intitular exageradamente de “sincero”, “profundo” não deve ser tanto assim. todo o respeito do mundo a ela e aos fãs, mas não é nem de longe grande artista.

  7. Eu achei primeiramente que o Mac ia discutir os paralelos entre esse disco e Toque Dela, do Camelo. Dizem que é uma versão feminina do disco, mas eu acho muito mais, é mais simples e direto, ao contrário do Camelo que é mais arrastado, experimental…..M as ela está muito bem assessorada, cresceu pra caramba já no segundo disco e agora está indo muito bem. Acho que a diferença é que ela está mais “MPB alternativa”do que folk. E se ela é alegre, deixe ser. Ela não é obrigada a ser Nara Leão para ser mais “artista”.

  8. Nada como a contradição…nada como dizer: cresci, não sou mais adolescente…agora sou maduro e certas coisas não me interessam mais…e nada como mallu para expor essa contradição…é a vida…e nem foi tempo perdido…

  9. Talvez possamos falar não em escassez de experiência do artista, mas de uma escassez de experiência generalizada? Às vezes tudo parece tão repetitivo, às vezes tudo parece tão preso à ordem do dia: CONSUMIR. Consumir o próximo show, a próxima canção, o próximo hamburguer, uma vida bonitinha e limpa – ou uma vida “rebelde”, que sabe?

    CEL: Pode até ser verdade, mas, será que é possível fazer um outro blues, outro samba? Quero dizer, talvez fulano não tenha a vivência do Robert Johnson, mas pode fazer um blues mais próximo, mais condizente com sua realidade. Acho que o Iggy Pop disse certa vez que queria fazer blues, mas nunca poderia fazer do jeito que os caras faziam, teria que ser do jeito DELE.

    E a gente tem um monte de exemplos de gente que fez um samba próprio, não necessariamente ligado a uma comunidade, preso a uma forma. Acho que esse pode ser um problema a ser levantado: existe uma forma aí com um discurso vazio?

    Claro que uma forma vazia pode também agradar aos ouvidos, isso é o que mais se tem na publicidade. Não há nada ali, no formato do que se vê na TV, na rádio, internet. Ou melhor, há algo sim: um apelo para o consumo.

  10. Ouvi algumas músicas e achei o disco mais maduro pelas letras, a sonoridade e até mesmo, pela atitude da Mallu. Fiquei impressionada em saber que ela toca vários instrumentos no disco e ainda fez algumas ilustrações. Realmente, como disse, Luiz Henrique, uma artista de verdade.

Deixe um comentário para Eduardo Nakamura Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.