Cinema: A Viagem de Lúcia

por Tiago Trigo

Sabe os relacionamentos sérios? Eles não funcionam. Ao menos é isso que o drama “A Viagem de Lúcia” (“Il Richiamo”, 2010), produção ítalo-argentina ambientada em Buenos Aires, tenta provar em 93 minutos de película indo na via contrária do que as comédias românticas não cansam de apregoar.

Em seu segundo longa-metragem, o diretor italiano Stefano Pasetto – que assina o roteiro ao lado de Verônica Cascelli – faz uma crítica aos relacionamentos sérios sem se apoiar em teorias mirabolantes ou discursos sexistas para explicar os desencontros afetivos e talvez esta seja a melhor qualidade de seu filme: relacionamentos esfriam ou naufragam pela falta de interesse de uma (ou das duas) partes o tempo todo, no mundo inteiro. E, às vezes, uma das partes não estava comprometida desde o começo. O mundo é cruel.

A protagonista, Lúcia (Sandra Ceccarell), é uma aeromoça perto dos 40 anos, aparentemente infeliz em seu casamento com o médico (Bruno Fabbri, interpretado por César Bordon). No começo do filme ela ainda tenta resgatar uma relação visivelmente desgastada. O marido, distante, não se preocupa muito com a mulher, que demonstra ter algum problema de saúde. As atitudes dele são mecânicas, automáticas, como se estivesse ali por obrigação.

Após sofrer um problema de saúde, Lucía é obrigada a se afastar do emprego e se dá conta de que precisa mudar algo na vida. Após relutar, aceita retomar uma antiga habilidade: dar aulas de piano. A primeira aluna é Lea (Francesca Inaudi), uma garota de 20 e muitos anos que trabalha em uma empresa avícola e mora com um tatuador, claramente apaixonado por ela.

As duas começam uma relação com apenas mais um fator em comum além do piano: são italianas. Porém as semelhanças param por aí. Lea demonstra superficialidade em tudo o que faz, parece não levar a vida a sério. Não gosta do emprego, mas está sempre dando um jeito de rir. E o comportamento frequentemente gracioso da aluna incomoda a sisuda e deprimida Lucía.

Mas o clichê de que “os opostos se atraem” aparece mais uma vez para criar uma ligação entre as duas. A partir daí fica fácil para o espectador prever o que vai acontecer. Stefano Pasetto e Verônica Cascelli pesam a mão no roteiro, de longe o que mais incomoda no filme, por seu exagero em abusar das coincidências e passes de mágica para dar liga à trama.

Não é que coincidências não existam, mas a trama se vale de muitas delas para justificar as escolhas dos personagens. E não é só isso que incomoda: depois de tentar mostrar como o mundo pode ser cruel no começo de “A Viagem de Lúcia”, Pasetto ensaiou uma espécie de redenção milagrosa no final desconstruindo tudo aquilo que havia defendido, jogando assim uma boa premissa pelo ralo e indo ao encontro daquilo que questionava. Uma pena.

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