O momento decisivo de Russian Red

por André Takeda

Talvez você nem saiba quem sou, mas a verdade é que decidi deixar de ser um péssimo escritor pela metade para ser um fotógrafo amador por inteiro. Não posso dizer exatamente o que me atrai na fotografia. Como escritor, sempre defendi o “aqui e agora”, tentando explicar a minha obsessão, ou repetição, por temas contemporâneos. E, provavelmente, não existe nada que represente tão bem o “aqui e agora” como o ato de fotografar. Sou um caçador de sorrisos, de gestos, de detalhes, de pequenos movimentos de luz que traduzem um momento.

É provável que a fotografia não tenha muito que ver com outra das minhas assumidas paixões: a música pop. Óbvio que esteticamente sim. Porque se não fosse pela fotografia muitos mitos musicais não seriam construídos. Afinal, um dos pilares da cultura pop é o poder da imagem. Mas não estou falando de estética. Estou falando do registro de um segundo ou, muitas vezes, de milésimos de segundo para capturar um momento. Só que tenho essa mania de misturar tudo que mais gosto na vida na mesma panela. E, claro, a música sempre está presente porque é ela que define os meus sentimentos desde que me conheço por gente. A má notícia é que se isso não mudou até agora, quando estou perto dos meus 40 anos, tenho mais é que parar de inventar desculpas e assumir que nunca mais vai mudar.

Toda essa introdução egocêntrica é para dizer que há três meses caiu nas minhas mãos o disco “Fuerteventura”, da cantora espanhola Lourdes Hernández que usa o nome artístico Russian Red. Foi justamente em uma época cheia de transformações na minha vida. Este ano foi uma verdadeira revolução, para o bem e para o mal. E a voz dessa jovem madrilenha foi algo que me acalmou, que me fez sonhar, que me deu vontade de sair na rua e fotografar tudo que vejo pela frente.

Talvez porque suas músicas também sejam pequenos retratos. Pode ser um autoretrato como na vintage “I Hate You But I Love You”, com sua melodia anos 50 e uma letra quase adolescente de quem não sabe como lidar com a paixão. Ou o retrato de um relacionamento aos pedaços em “The Memory is Cruel”, que soa como uma valsa pop triste, mas tão triste, tão triste que até dá vontade de dançar. Também pode ser uma daquelas fotos que postamos no Facebook no meio de férias felizes como na upbeat “The Sun, The Trees”. Ou uma imagem borrada da insegurança de amar que encerra o disco com a acústica “A Hat”.

Gravado em Glasgow e produzido por Tony Doogan, que já trabalhou com Belle & Sebastian, The Delgados, entre outros, “Fuerteventura” passeia pelo folk, pop e indie sempre com a voz única de Lourdes como elo de ligação. E suas melodias, se não trazem nada de novo, são tão belas e memoráveis como uma bonita fotografia de filme preto e branco. Filme, não digital. Porque suas canções têm textura, cheiro, grão. Porque o coração, bem, se você me permite ser piegas, o coração é analógico.

Russian Red, para mim, fez o disco do ano.

E o mais impressionante é que uma garota de apenas 26 anos de idade conseguiu retratar tão bem tudo o que passei nos últimos meses. Momentos tristes, momentos felizes, momentos novos, momentos apaixonantes, momentos doloridos. Mas, dependendo do olhar, tudo isso pode ser bonito de alguma maneira. Porque essas 11 canções de “Fuerteventura” são lindas acima de tudo. E, no final das contas, tudo o que quero como fotógrafo é isso. Apenas uma bela imagem.

P.S.: Se você gostar de “Fuerteventura”, procure a trilha do filme “Habitación en Roma” (no Brasil, “Um Quarto em Roma”, 2010). E faça o favor de baixar “Loving Strangers”. Provavelmente é a melhor música da Russian Red. Com uma letra de trincar a alma.

Lourdes Hernández no palco do Festival Benicàssim, na Espanha, em julho de 2011

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André Takeda é autor dos livros “O Clube dos Corações Solitários” (2001), “Cassino Hotel” (2004) e “A Menina do Castelinho de Jóias” (2011). É colaborador de primeira hora do Scream & Yell e assina atualmente o Tumblr Eu Quero Ser Amigo além de publicar suas fotografias no http://www.flickr.com/photos/andretakeda/

Leia também:
– Um Adolescente nos Anos 80, uma série em 10 capítulos, por André Takeda (aqui)

7 thoughts on “O momento decisivo de Russian Red

  1. Mandou super bem no texto e Russian Red é fabulosa. Linda voz e musica.
    Eu ja queria muito ver Habitacion en Roma do Julio Medem, agora com a dica de Loving Strangers na trilha sonora virou obrigatorio.

  2. a voz dela me lembrou a da melanie, uma cantora dos anos 60. pode ser um dos discos do ano, mas tem de superar REM e Decemberists nessa lista

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