Sobre comédias românticas

por Marcelo Costa

O gênero comédia romântica está em crise. Por mais batida que seja a fórmula, filmes com a etiqueta chegam toda semana aos cinemas e saem de cartaz sem dizer a que vieram. Neste momento, dois exemplos confirmam a tese: o francês “Como Arrasar um Coração” e o norte-americano “Como Você Sabe” abraçam os clichês, seguem a risca o manual, mas tropeçam miseravelmente, deixando umas risadas aqui, outras ali, mas nada que os credenciem para uma segunda sessão.

“Como Arrasar um Coração” (“L’arnacoeur”, 2010), uma co-produção França/Mônaco, já antecipa um pré-conceito: francês não sabe comédia romântica. Simples assim. O cinema francês é, por definição, exagerado e cínico demais para contar uma história de amor com pitadas de humor. Há sexo (algo raro nas comédias românticas), traição e, conseqüentemente, assassinatos demais na cinematografia francesa (morre-se tantas pessoas por adultério no cinema francês quanto em guerra no cinema norte-americano – brincadeira útil, mas brincadeira).

O diretor Pascal Chaumeil tentou negar tudo isso em “Como Arrasar um Coração” seguindo, provavelmente, o pedido dos investidores: usar o belo “cenário” de Mônaco para conquistar aqueles que não assistem Fórmula 1. Para o papel principal foram escalados Romain Duris (o Selton Mello/Ricardo Darin do novo cinema francês) e a senhora Johnny Depp, a garota (hoje nem tão garota) que um dia cantou “Joe le Taxi”: Vanessa Paradis (que aos 38 anos ostenta um corpinho de 20 para deixar francês louco: super magra, sem peitos e com dentes separados modelo Jane Birkin, um charme).

A história: Romain Duris é Alex Lippi, um cara charmoso que tem uma firma especializada em acabar com relacionamentos. Trabalham com ele a irmã e o cunhado, e esse trio faz um sucesso danado mostrando para mulheres infelizes (a pedido de irmãos, amigos e desafetos) que elas podem ser muito felizes se deixarem os malas com quem estão dividindo uma história de amor para trás. Alex Lippi (que é solteiro convicto) não dorme com nenhuma de suas “clientes”. “Queremos abrir o coração delas, não as pernas”, explica o cunhado.

Uma das principais regras de Alex: só ajudar a por fim a histórias infelizes. Nada de acabar com belas histórias de amor. Esse mandamento vai por terra quando nosso herói é pressionado a pagar uma enorme dívida para uma agiota, e se vê obrigado a pegar um serviço em que a vítima, a noiva, irá subir ao altar em uma semana – e ama seu par, um inglesinho podre de rico que parece não ter defeitos (o que por si só já é um defeito, não é mesmo, ou alguém aqui acredita na perfeição?).

Ok, cartas na mesa: Juliette (Vanessa) é a filhinha de papai que vai se casar (e que ama George Michael e o filme “Dirty Dancing”); Jonathan (Andrew Lincoln), o noivo inglês que não sabe que armaram pra ele. E Alex, a vítima do amor. O final, você sabe: ele, que é solteiro convicto, vai se apaixonar pela patricinha, e lutar pelo amor dela e eles vão ser felizes para sempre. Spoiler? É uma comédia romântica, catzo. Você já entra no cinema sabendo quem vai ficar com quem só de olhar o cartaz na frente da sala.

Porém, franceses não tem o dom para o romance, mas sim para o drama. Eles exageram tudo, e “Como Arrasar um Coração” acaba pendendo mais para o lado do escracho. Há bons momentos cômicos (a cena de Vanessa cantando “Wake Me Up Before You Go Go” no carro é hilária, e François Damiens, como o cunhado Marc, garante boas risadas), mas a história – cheio de buracos – não se sustenta. Tudo acontece com a justificativa tola de fazer o casal ficar junto no final. É tudo conto de fadas demais até para uma comédia romântica. Não agride, mas também não inspira.

Já James L. Brooks não tem desculpa. Um homem que já recebeu quatro indicações ao Oscar devia saber o que está fazendo. Três destas indicações como diretor: “Laços de Ternura” (1983), “Nos Bastidores da Notícia” (1987) e “Melhor é Impossível” (1997), esta última, muito mais uma genial arid comedy modelo Billy Wilder do que uma comédia romântica. E uma como co-produtor por “Jerry Maguire – A Grande Virada” (1996), de Cameron Crowe, uma das poucas comédias românticas escritas para homens.

Foram seis anos sem filmar (o último de seus cinco filmes foi o razoável “Espangles”, de 2004), mas James L. Brooks conseguiu um elenco de respeito para “Como Você Sabe” (“How Do You Know”): Reese Whiterspoon, Paul Rudd, Owen Wilson e Jack Nicholson. Conseguiu na verdade um orçamento astronômico de 84 milhões de dólares para filmar uma história simplória que tinha tudo para se transformar em um grande filme, mas morreu na mesa de montagem. Um erro imperdoável que mutilou a película.

Tudo que soa exagerado em “Como Arrasar um Coração” surge de maneira natural nas mãos de Brooks – como, aliás, em uma comédia romântica tradicional. Duas histórias paralelas dividem o filme: a da jogadora de beisebol Lisa (Reese Whiterspoon bonita e inconstante) e a do advogado George (Paul Rudd, o eterno namorado da Phoebe). Ela está em fim de carreira. Ele está enfrentando um processo do governo que pode levá-lo a cadeia. Brooks não entrega seus personagens ao romance logo de início: segura o quanto pode abrindo espaço para que os atores coadjuvantes brilhem.

Jack Nicholson é aquele tipo de ator em que as caricaturas clássicas já valem o ingresso. O filme se perde, mas ele está ali, brilhando. Aqui ele interpreta Charles, pai de George, e apesar de um começo frio (em que todos os personagens parecem distantes demais), ganha o espectador em duas ou três cenas posteriores. Owen Wilson, o grande acerto do filme, é Manny, pseudo namorado de Lisa e um jogador de beisebol famoso, rico e com muitos neurônios em férias. Owen consegue fazer o espectador sentir simpatia por seu personagem, e o roteiro lhe concede algumas passagens memoráveis – que ele não desperdiça.

Porém, a montagem deixou buracos do tamanho de cânions e prejudicou toda a história, que começa exibindo a paixão de Lisa pelo beisebol, mas esquece o esporte na segunda parte concentrando-se no relacionamento dela com Manny (nem é o relacionamento principal) enquanto George observa tudo acontecer (escorado por sua secretária, Kathryn Hahn subaproveitada) sem dizer muita coisa. Brookls abandona as premissas iniciais, não aprofunda os personagens, e tropeça no relógio precisando jogar a mocinha nos braços do mocinho sem tecer uma passagem que justifique tal ato.

“Como Você Sabe” soa um punhado de idéias bacanas que tentam a todo custo tomar a frente do roteiro: a questão ética que envolve empresas norte-americanas com Oriente Médio, a garota que vê o castelo que construiu durante toda sua vida desmoronar em uma fração de segundos, o homem tolo que descobre o amor pela primeira vez, o pai que se aproveita da inocência do filho, a secretária que será mãe solteira, a mulher que não se vê sendo mãe, e a lista segue. A falta de foco no tema principal – no caso, o romance, se puder chamar aquilo de romance, entre Lisa e George – faz com que o espectador passe a maior parte do tempo perdido tentando juntar peças que ficaram na mesa de montagem. Uma pena.

Nem “Como Arrasar um Coração”, nem “Como Você Sabe” honram a fama das comédias românticas modernas (pós “Harry e Sally”, de Rob Reiner), mas cabe a pergunta: qual foi o último grande filme que honrou o estilo a chegar aos cinemas? “Sexo Sem Compromisso”, com Natalie Portman e Ashton Kutcher, é superficial. “O Amor e Outras Drogas”, com Anne Hathaway e Jake Gyllenhaal, é indeciso. “Comer, Rezar, Amar”, com Julia Roberts e Javier Bardem, é brega e banal. “500 Dias Com Ela”, com Joseph Gordon-Levitt e Zooey Deschanel, é realista demais. “A Verdade nua e crua”, com Katherine Heigl e Gerard Butler, é conformista. Ok, um: “Ele Não Está Tão A Fim de Você”, que apesar de algumas premissas confusas, tem saldo positivo quando sobe os créditos. Mais algum, caro leitor?

Ps. “Scott Pilgrim Contra o Mundo” pode ser considerado uma comédia romântica? Se sim…

Leia também
– “Sexo Sem Compromisso”: Kevin Kline garante bons momentos, mas ele aparece pouco (aqui)
– “O Amor e Outras Drogas”: há drama, sensualidade, comédia e pastelão (aqui)
– “Comer, Rezar, Amar”: não há surpresa, incômodo, nem pontadas de adaga no peito (aqui)
– “500 Dias Com Ela”: o mundo não acaba quando um relacionamento acaba (aqui)
– “A Verdade nua e crua”: a premissa não se sustenta e o roteiro domestica o machista (aqui)
– “Ele Não Está Tão A Fim de Você”: pode existir vida inteligente na comédia romântica (aqui)
– “Scott Pilgrim Contra o Mundo”: mesmo no peito de um nerd bate um coração (aqui)
– Os vinte melhores filmes para assistir em uma noite a dois (aqui)
– Christophe Honoré: o cinema francês e a impossibilidade do amor em três cenas (aqui)
– “Espanglês”: uma bonitinha comédia de costumes com toques dramático (aqui)
– “Três Vezes Amor”: convence com charme sonhador e dose de açúcar no ponto certo (aqui)
– “ABC do Amor”: a história de um perfeito romântico em inicio de carreira (aqui)

22 thoughts on “Sobre comédias românticas

  1. Adoro esse filme, meu caro! Mas ele é do começo da década passada, não? De qualquer forma vou preparar um top 10 particular pra semana que vem… 😛

  2. All The Real Girls (traduzido como Prova de Amor), com a Zooey Deschanel, é um dos melhores do gênero pra mim. Realista, bonito, intenso e sincero, e acho que diferencia da maioria dos outros pelo fato do diretor, na época (2003 ou 2004, se não estou errado) era extremamente jovem, e conseguiu capturar a atmosfera adolescente com uma verossimilhança que só pode ser alcançada por quem ainda está nessa fase.

  3. Tá faltando coisa boa no gênero mesmo. Mas “Ele Não Está Tão A Fim de Você” foi realmente o último que vi e senti algo a mais, uma coisa boa em ver uma comédia romântica. Mas mesmo assim, nem chega aos pés daquelas que dá vontade de ver trezentas vezes ininterruptas…

    Acho que o mais recente na minha lista é Letra e Música.

  4. Assino embaixo do Apenas o Fim, e do Letra e Música também. (Mas não consigo concordar com o Ele Não Está Tão a Fim de Você – me soou fragmentado demais pra conseguir ter alguma graça). E vale lembrar: o Cameron Crowe não solta nada faz algum tempo…

  5. “500 dias com ela” , acho muito legal, e não tão realista, tendo em vista a morena que aparece na vida daquele pobre coitado no final do filme. rss

  6. “Apenas o Fim” é na mesma vibe de “500 Dias Com Ela”, né? Falta sinto é dessas comédias românticas onde tudo fica bem no final e que, ao mesmo tempo, têm uma história incrível.

  7. Creio que Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (apesar de ser praticamente um “des-romance”) e Embriagado de Amor sejam as duas melhores obras do gênero.

  8. “francês não sabe comédia romântica. Simples assim. O cinema francês é, por definição, exagerado e cínico demais para contar uma história de amor com pitadas de humor.”

    Pô, Marcelo, zuou a matéria,hein… – Por definição de quem? Sua?

    “franceses não tem o dom para o romance, mas sim para o drama. Eles exageram tudo”

    Generalizou. Se quis dizer isso quanto aos filmes mais comerciais, é compreensível. Mas generalizar o cinema francês assim…é perigoso.

  9. Lucil, é só dar exemplos do contrário. Aceitamos sugestões de boas comédias românticas francesas (sem ser “2 dias em Paris”, da Julie Delpy, ok)…

    Em tempo: o exagero e o drama são essenciais ao cinema frânces e não são ruins, pelo contrário, são uma característica marcante. Eles só não combinam com comédia romântica, um gênero leve por natureza (e esse é o tema do texto).

    De maneira alguma menosprezei o cinema francês, o qual adoro. A frase que escrevi é simples e direta. A maldade está nos olhos de quem vê (ou lê) 🙂

    *****
    Diego, não considero “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” e “Embriagado de Amor” comédias românticas. São filmes mais… densos. 🙂

  10. Em 2011…não tenho exemplos para dar. Realmente, a comédia romântica está em crise.haha
    Mas se tratantando de exemplos recentes, temos os filmes do Cédric Klapisch,que não acho exagerados. Esse creio que consegue dar uma fugida da mesmice. e tem o contra-exemplo : Ervas Daninhas. O Resnais, em minha opinião, fez esse filme pra gozar na mesmice dos filmes do gênero. Jean-Pierre Jeunet é outro. Mas esses dois últimos são…exagerados.
    Se for ver os clássicos, tem vários do Rohmer, a saga de Antoine Doinel e tal…mas aí já é apelação 🙂
    Abraço!

  11. Então, Lucil, adoro o Klapisch, mas ele é exagerado e com tendência ao pastelão sim. “Paris”, seu último filme, é uma comédia de costumes tendo a cidade como pano de fundo. Ou seja, não é uma comédia romântica clássica. Tem bons momentos, e partes piegas constrangedoras. Já “Bonecas Russas”, por sua vez, é uma comédia romântica masculina bem boa. Adoro.

    Escrevi sobre ele na época: https://screamyell.com.br/site/2009/08/23/paris-de-cedric-klapisch/
    E sobre o “Bonecas Russas”: http://www.screamyell.com.br/cinemadois/bonecasrussas.htm

    Já “Ervas Daninhas” é o exemplo perfeito de tudo que falei – e que você reclamou (risos): Resnais tira sarro de todos os clichês do cinema francês: do amor fortuito aos triângulos amorosos até a tragédia romântica. Ou seja: os exageros! É uma piada excelente!

    https://screamyell.com.br/site/2009/12/28/cinema-ervas-daninhas-alain-resnais/

    Já Truffaut é outra coisa, não comédia romântica. Há uma profundidade de questões discutidas ali que ultrapassam a temática do estilo, que via de regra é uma história de amor com final feliz. Truffaut vai além disso.

    Algumas comédias românticas clássicas (“Sabrina”, “Harry e Sally”, “Quatro casamentos e um funeral”) até conseguiram ir um pouco além da história de amor (a discussão sobre mulher fingir orgasmos de “Harry e Sally” é pura análise comportamental), mas o roteiro tradicional de uma comédia romântica tem base na premissa de um casal que começa o filme separado e termina junto após vencer uma série de obstáculos. Tipo “O Casamento do Meu Melhor Amigo”, “Como Perder Um Homem em 10 Dias”. A história toda está voltada para o relacionamento dos dois personagens, sabe. 🙂

    Abraço

    Ps. Sobre os Doinel: https://screamyell.com.br/blog/2009/10/13/as-aventuras-de-antoine-doinel/

  12. “como se fosse a primeira vez”. tava passando na tv hj a noite e, puta que pariu…

    poe o “ligeiramente grávidos” na conta tb

  13. Mac, as melhores comédias românticas que assisti foram no ano que morei na Alemanha, eles são muito bons nelas. Uma pena que não me recordo o nome de nenhuma agora.

  14. tem o houve uma vez dois verões, do jorge furtado. o antes que o mundo acabe, tb nacional. acho que ABC do Amor tem algo disso tb. aquele simplesmente amor, acho legal. muitissimo tempo atrás vi um chamado ‘cotton candy’, sobre uma garota apaixonada por um professor de violão.

  15. ‘O gênero comédia romântica está em crise. ‘

    Não esteve sempre? Achar uma comédia romantica boa é como achar uma agulha no paliteiro. São histórias que remetem aos contos de fadas que são tão surreais e ainda me admira quando em pleno ano 2011, as meninas (na maioria) sempre caiam nessa lorota e procuram seus principes encantados desesperadamente. Entenda, gosto de romance, mas esses filmes que mostram um casal q aprende a lidar com defeitos/mentiras/qualquer outra opção do amado nos 45 do segundo tempo é um pouco fantástica demais e longe da realidade, talvez por isso nao goste muito desse genero.

    Mas só pra nao dizer q não curti nenhum, cito alguns que são bem leves e gostosinhos de se assistir:

    – Dan in real life – meu preferido! pq tem o steve carrel, a juliette binoche e pq o filme vai se desenrolando de uma forma tão bonitinha e sem ser forçada.

    – Im a cyborg but thats ok – um filme lindinho de um casal meio louco numa casa para doentes mentais.

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