Soccernomics, de Kuper e Szymanski

por Juliano Costa

Bons livros sobre futebol são uma raridade. Os retardados (categoria acima de “fanáticos”) pelo esporte se parecem com fãs da música nos anos 80 – eles “ouvem falar” de algo novo na praça, e logo se movimentam para ir atrás, mas, rá, vai demorar até você botar as mãos na paçoca, garotão. E é tudo no boca a boca. Duvida? Entre numa megastore e procure pela seção de esportes – tudo o que você encontrará são guias, almanaques meia-boca e raríssimas biografias.

Os poucos bons livros logo se tornam “o” assunto entre nós, retardados. “Hey, consegui um bagulho do bom aí, vindo da Inglaterra. Tô lendo em inglês mesmo porque, pô, nem sei se vai sair em português.” Mas “Soccernomics” (Ed. Tinta Negra) saiu – e é o novo Pelé entre os retardados. Aliás, nem é tão novo assim, já que foi citado por dois dos convidados pelo Scream Yell a votar na lista dos melhores de 2010 – Marcelo Orozco (VIP) e Marcos Sergio Silva (Placar). Mas apesar de o ano já ter virado, o livro é tão bom que merecia uma resenha aqui nesse bastião da cultura pop.

O nome “Soccernomics” é uma óbvia alusão ao best seller “Freakonomics”, de Stephen Dubner e Steven Levitt. A versão futebolística é assinada por Simon Kuper (um jornalista esportivo) e Stefan Szymanski (um economista). A ideia é mostrar o quanto o futebol é mais exato do que supõe a vã filosofia do professor Luxemburgo. E eles conseguem os três pontos.

Crente no Sobrenatural de Almeida, confesso que comecei a leitura com um pé atrás da linha do impedimento. O primeiro capítulo, por exemplo, se esforça para explicar a tese de que o sucesso da seleção de um país em campo pode ser previsto e medido por uma equação que envolve sua população, o PIB per capita e a experiência do time nacional. Essa foi difícil de engolir, mas a seguir vêm outros exemplos de como os números podem ser importantíssimos na construção de um time vencedor.

Quando há um economista na parada, você sabe que os números serão torturados até confessar. E assim eles “provam” que contratações galácticas tendem a ser um engodo, algo mais para fazer um agrado à torcida e à imprensa. O ideal, eles mostram, é usar o dinheiro que você gastaria num reforço de peso em aumentos salariais. Assim, você pode manter dois ou três baita jogadores que já vinham dando certo no time, em vez de apostar num que pode vir a ser um fiasco. Parece evidente, não? No livro eles citam vários casos de times ingleses que parecem não enxergar o óbvio ululante. Exemplos de cartolas brasileiros também poderiam ser citados aos montes.

Kuper e Szymanski também “provam” que, para a Inglaterra ser campeã mundial, o segredo não é limitar a entrada de estrangeiros, mas incentivar a entrada de mais deles no Campeonato Inglês. Assim, pasme, os poucos grandes jogadores ingleses não estariam sempre em partidas decisivas pelo campeonato local (tido por eles como o mais difícil do mundo), estressando-se menos e preservando-se mais para os jogos do English Team. A tese faz sentido se você considerar que um Frank Lampard joga mais (em média 65 jogos por ano) e contra times “pequenos” teoricamente mais difícieis (Aston Villa, Newcastle, Sunderland) do que seu correspondente espanhol, Xavi – que pode ser poupado de “pedreiras” como Levante e Osasuna. Assim, Xavi chega voando na Copa. E Lampard passa o torneio apagadão, com o perdão do trocadilho. Hey, é a tese dos ingleses, ok? Eu sou só o mensageiro.

É claro que não é só isso. “Soccernomics” é também uma coleção de relatos deliciosos sobre os bastidores do futebol. Em três parágrafos você entende por que Nicolas Anelka passou por nove clubes diferentes em pouco mais de dez anos de carreira. Mais do que isso: você entende o tamanho da besteira que é achar que jogador de futebol não precisa de “carinho”, já que, “ah, você sabe, eles ganham rios de dinheiro e é só entrar em campo e chutar a porra da bola, baralho.” Grosso modo, o subjetivo influencia no seu objetivo. Os autores explicam isso em NÚMEROS. Fascinante, hã?!

“Soccernomics” é bom até pelo seu lado ruim – a péssima edição em português com erros grosseiros de tradução (Jorginho e Leonardo são “defenders”, mas não zagueiros, e sim laterais) e ortografia (“selecção”, ó pá!). Acredite: isso nos satisfaz demais. Nós, retardados, no fundo gostamos quando nos deparamos com falhas de informação. É uma coisa de autoafirmação. “Arrá, que burros, o filme ‘The Damned United’ se chama ‘Malditos Futebol Clube’ em português, e não ‘Malditos United’.” O pior é apontar João Saldanha como o técnico da seleção em 70 – ele fez toda a preparação, ok, mas caiu fora pouco antes e o time foi dirigido por Zagallo. Aí sim os ingleses foram surpreendidos novamente.

(Abre parêntesis, dois pontos: no cinema, o futebol costuma ser ainda mais maltratado. Lembro de ter soltado um berro no cinema – ui – quando vi o personagem de Milton Gonçalves em “Carandiru” aparecer com a camisa do Tetra. Pra quem não se lembra, o massacre do Carandiru ocorreu em 1992. E se você não sabe QUAL é a “camisa do Tetra”, e, pior, nem QUANDO o Tetra foi conquistado, na boa, você não é digno do ar que respira, exclamação).

Há outros erros inexplicáveis em Soccernomics, como o trecho em que inclui Dunga entre os futebolistas brasileiros de maior grau de escolaridade, ao lado de Sócrates, Tostão e Kaká. Talvez os autores tenham ficado com medo de apanhar do elegante, equilibrado e sensato ex-treinador da seleção. Outra bola fora é a reprodução de gráficos com letrinhas do tamanho dos miolos do Júnior Baiano. Você força a vista, procura entender, mas não consegue achar algo que faça sentido por ali.

Mas há trechos geniais envolvendo brasileiros, principalmente as histórias de Romário em sua passagem pelo PSV Eindhoven, o time da Philips, no interior da Holanda. “Eu sou o Romário e quero fazer sexo com você” é a frase que, segundo os ex-companheiros de time do Baixinho, ele melhor sabia falar em holandês. Por essas e outras, “Soccernomics” merece estar na sua estante, ao lado de “Como o Futebol Explica o Mundo”, de Franklin Foer, “Futebol e Guerra”, de Andy Dougan”, “Futebol – o Brasil em Campo”, de Alex Bellos, e, claro, “Febre de Bola”, de Nick Hornby. Estes dois últimos, inclusive, são muito citados em Soccernomics.

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Juliano Costa é jornalista e colaborador de primeira hora do Scream & Yell, circa 2001/2002. Assinou, junto com Martin Fernandez, as históricas coberturas da Copa do Mundo de 2002 (relembre aqui) e de 2006 (aqui) para o site.

7 thoughts on “Soccernomics, de Kuper e Szymanski

  1. Tá na minha lista agora.
    Bom ver textos do Juliano por aqui novamente. Só falta o boliviano do Martín também dar o ar da graça.

  2. Tem ainda o “Dança dos Deuses”, do H. Franco Júnior, que é bem interessante. O de Wisnik (“Veneno Remédio”) não li, não sei se presta.

  3. Futebol e Guerra é um livro emocionante. Na mão do Spielberg, seria uma Lista de Schindler 2 e ganharia o mundo. Só de pensar que o Dinamo Kiev se tornou a base do último grande time da história da URSS é, no mínimo, bem ilustrativo sobre o futebol ucraniano antes de Shevchenko. E o do Franklin Foer é um talvez “o’ livro sobre futebol dos últimos 15 anos, pós-União Européia e Lei Bosman. Adicionaria a estes dois o livro “Vencer ou Morrer”, do historiador Gilberto Agostino, falecido em 2005. Um livro que nunca achei é “História política do futebol brasileiro”, do Joel Rufino dos Santos, de 1980.

    Agora, a versão para o cinema de Febre de Bola, de 1996, com o Colin Firth, é muito legal. Recomendo.

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