O Vencedor, David O. Russell

por André Azenha

Há filmes que não trazem nada de verdadeiramente novo ou genial, mas que de alguma forma capturam a atenção do espectador. Para citar alguns exemplos, em gêneros variados, a comédia “Simplesmente Amor”, o drama “O Despertar de Uma Paixão” e a animação “Como Treinar o Seu Dragão” representam esse raciocínio. São trabalhos bem feitos, com tudo em seu devido lugar.

“O Vencedor” (“The Fighter, 2010”) é outro longa a retratar o drama pessoal de pugilistas, tema abordado em obras que marcaram época como “Touro Indomável”, clássico de Scorsese, e os vencedores do Oscar “Rocky – Um Lutador” e “Menina de Ouro” – descontando outras produções menos conhecidas. Porém, apesar do tema batido, “O Vencedor” tem cativado público e crítica ao redor do mundo, principalmente pelas grandes atuações do elenco.

A história é baseada na trajetória verídica de dois irmãos ligados à modalidade: Dicky (Christian Bale), ex-lutador que chegou a derrubar, no ringue, Sugar Ray Leonard, mas foi nocauteado pelo vício no crack, e seu irmão mais novo Micky (Mark Wahlberg), treinado por ele, que tem a chance de chegar onde o irmão não conseguiu, o título mundial. Mas, para tanto, precisará encontrar harmonia em seus relacionamentos. O vício de Dicky causa constantes problemas aos parentes. A mãe (Melissa Leo) é controladora e mima o filho mais velho. E a nova namorada (Amy Adams) não aprova a forma como a família lida com Micky.


Com um roteiro bem delineado e Darren Aronofsky (“Cisne Negro”) entre os produtores, o diretor David O. Russell (“Huckabees – A Vida é Uma Comédia”) criou um filme certinho do início ao fim. Algumas cenas foram rodadas com câmera na mão, dando ao espectador a chance de ver, na tela, gente real. Sem pompa ou glamour. Na maior parte, o longa é consistente, e escorrega apenas nas cenas de luta, nas quais os realizadores não acharam o tom certo. Parecem ter ficado entre a forma visceral de “Touro Indomável” e a estilização de “Rocky Balboa”.

No entanto, com um excelente time de atores em mãos, os deslizes desaparecem no saldo final. “O Vencedor” é daqueles casos em que praticamente todos os intérpretes estão bem. Até mesmo Mark Wahlberg, geralmente criticado, está correto. É que, para seu azar, todo os coadjuvantes roubam a cena – fato reconhecido nas principais premiações da temporada.

Melissa Leo e Amy Adams reafirmam talentos já demonstrados em trabalhos anteriores. E Christian Bale catalisa as atenções de tal forma que não dá chance pra ninguém quando surge em cena. Quem acompanha a carreira do ator sabe do que ele é capaz. Para este papel, emagreceu à maneira como fez em “O Operário” (2004) e “O Sobrevivente” (2007). E mergulhou no personagem conseguindo sensibilizar com a situação de Dicky. Ele é viciado, prejudica os outros, mas não faz isso por mal. E o público acaba torcendo por sua volta por cima.

“O Vencedor” ainda traz a mensagem de que, por mais disfuncional que seja, uma família unida pode ser capaz de superar grandes problemas. É sobre o boxe. É sobre dramas familiares. Micky sabe que os problemas do irmão podem prejudicá-lo, mas ao mesmo tempo o admira e precisa dele. Com esses ingredientes dosados na medida certa, o filme conseguiu o grande feito de entrar para o rol das grandes obras cinematográficas que retratam o boxe, esporte tão filmado ao longo da história. Não é pouca coisa.

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– André Azenha (@cinezen) é jornalista e editor do site CineZen Cultural

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Leia também:
– As feridas da alma de “O Lutador”, de Darren Aronofsky (aqui)

6 thoughts on “O Vencedor, David O. Russell

  1. Acho que, assim como em “Cisne Negro” filmes que tratam de temáticas específicas (boxe, balé, teatro, música) deve ser o mais verossímel possível, e acho que ambos conseguiram, cada um em um problema diferente. A diferença é que em Cisne, a protagonista é a principal vítima desse problema (a obssessão e a falta de confiança), já em “O vencedor” o problema maior está com Bale, coadjuvante. Acho que isso, somado a IMENSA qualidade do ator, fez com que o o coitado do Wahlberg saísse por “baixo”. De qualquer forma, concordo com você, o filme é redondinho e correto do começo ao fim!

  2. Isso mesmo Juliana. Curiosamente o Darren Aronofsky, que dirigiu um e produziu outro, chegou a imaginar um filme só com os protagonistas de Cisne Negro e O Vencedor. me parece que a leva de filmes do Oscar esse ano está melhor que a do ano passado.

  3. Elenco para lá de afiado, direção e roteiro competente que consegue fugir da maioria dos clichês que podem ser indevidamente relacionados ao filme, além de um Christian Bale esplendoroso na sua atuação. Vale muito.

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